Em democracia são os votos que alimentam os partidos e lhes dão razão de existir. Na maior parte das vezes, a antiguidade, por si só, não tem qualquer significado. Não faltam exemplos, até recentes, no nosso espectro político, que o demonstram.

Veja-se o caso do CDS-PP, um dos partidos fundadores da democracia e um dos quatro que participou nos 12 atos eleitorais para a Assembleia da República (juntamente com PS, PPD/PSD e PCP). Os seus quase cinquenta anos de existência poucos votos valem, atualmente – dando por boas várias sondagens recentes – contra o atropelamento impiedoso de partidos mais jovens como o Chega ou a Iniciativa Liberal.

Mas há também exemplos em que a longevidade de uma força partidária é reveladora de qualidades intrínsecas que explicam a sua competência em perdurar: o enraizamento do partido na sociedade, uma capacidade invulgar de organização interna, o capital acumulado pela participação em momentos históricos-chave ou a resiliência face às adversidades.

O PCP, a mais antiga força política portuguesa em atividade, possui estas qualidades e partilha-as com outros partidos, espalhados um pouco por todo o mundo. 

Comemorar 100 anos – o aniversário é assinalado este sábado – não é para qualquer um. Um número destes conquista-se com muita luta, como fazem notar os comunistas.

Partido Comunista Português – 1921

A história do Partido Comunista confunde-se com o século XX português. Projeto revolucionário de criação de uma sociedade sem classes, de índole marxista-leninista, o partido transforma-se, por força das circunstâncias históricas, num dos principais movimentos de oposição à ditadura, implementada depois do golpe militar de 28 de maio de 1926.

Álvaro Cunhal é uma das suas figuras mais célebres. Em 1960, um ano antes de chegar à liderança comunista, consegue fugir da prisão de Peniche, juntamente com outros dirigentes comunistas, feito que o eleva à condição de herói revolucionário. 

Depois do 25 de Abril de 74, o país cinde-se em dois: de um lado os partidos com vocação moderada e europeísta; do outro, as forças revolucionárias do PREC, lideradas pelo PCP. O 25 de Novembro interrompe a rutura iminente e afasta o perigo de uma guerra civil.

As décadas seguintes serão difíceis para o PCP. A queda do regime soviético e do bloco de leste tem um efeito dominó um pouco por todo o mundo.Vários partidos comunistas europeus pura e simplesmente desaparecem, ou modificam profundamente o seu projeto ideológico. Em 1992, Cunhal abandona a liderança.

Seria impossível ao PCP transformar-se em algo diferente do que sempre foi. Fiel a si próprio, enfrentou os desafios do novo século e, para admiração de muitos, conseguiu subsistir com uma força que é indesmentível: no movimento sindical, nas autarquias, na organização da Festa do ‘Avante!’.

Obras literárias de Manuel Tiago, pseudónimo de Álvaro Cunhal.

Este sábado, 6 de março, os comunistas realizam um total de 100 ações por todo o país para assinalar o dia de aniversário.

No caso do Porto, as iniciativas estendem-se a todo o distrito, com destaque para uma concentração que terá lugar pelas 14h30, na Avenida dos Aliados.

Não se espere, porém, dos comunistas, apenas o típico sopro de velas. O partido pretende aproveitar a efeméride para desenvolver “uma jornada de luta, sobre os problemas com que os trabalhadores, o povo e o País se confrontam”, lê-se num comunicado enviado às redações.

Esta sexta-feira, pelas 17h00, realizou-se uma sessão de homenagem aos presos da PIDE, junto ao antigo edifício da polícia política, hoje Museu Militar, na Rua do Heroísmo.

O site do oficial dos comunistas assinala também a data, com um vasto dossiê temático que revisita os principais momentos da história do Partido.

Mais recentemente, a Geringonça tornou possível aquilo que muitos julgavam inimaginável: os comunistas participaram numa solução de Governo e tornou-se também, por essa via, parte integrante do chamado arco da governação. 

Tudo isto sem abdicar da sua identidade, hoje reafirmada com o marco do centésimo aniversário. Mas o PCP não é o único partido centenário no mundo. Vejamos outros exemplos.

Partido Democrata (EUA) – 1828

O Partido Democrata dos Estados Unidos da América será o mais conhecido desta lista a nível mundial e um dos mais antigos do mundo ainda em atividade.

É uma força política que se poderá caracterizar hoje como de centro-esquerda, seguidora do liberalismo social, defendendo uma maior intervenção do Governo na área económica e maior regulação dos mercados.

Mas este nem sempre foi o caso. Aliás, os Democratas, no seguimento da Guerra Civil americana e da libertação dos escravos por parte de Abraham Lincoln, do Partido Republicano, eram quem tinha maior apoio dos Estados do Sul que saíram mais afetados pela decisão de Lincoln.

Foi apenas com o chegar do século XX, e principalmente nos anos 30 com Franklin D. Roosevelt, que começou a transição para um partido mais alinhado à esquerda. Teve, na segunda metade do século, como presidentes mais emblemáticos John F. Kennedy, que acabou assassinado, e Bill Clinton.

Mais recentemente, o partido conseguiu o feito histórico de eleger pela primeira vez um presidente afro-americano: Barack Obama.

Neste áudio, escutamos excertos de alguns dos mais célebres discursos de tomada de posse de presidentes democratas: o de 1933, por Franklin D. Roosevelt, quando sobre a crise de 1929 declarou que “a única coisa que devemos temer é o próprio medo”; o de 1961, por John F. Kennedy, a exultar os seus compatriotas a perguntarem não o que o país pode fazer por eles, mas o que podem eles fazer pelo seu país; e o “sim, podemos” da primeira investidura de Barack Obama, em 2009, quando, de novo, o país se tentava refazer de uma crise financeira.

Insere-se no sistema bipartidário dos EUA, e encontra-se numa constante luta com o Partido Republicano pelo poder. Partido esse, conhecido por Grand Old Party (GOP), também centenário e um dos mais antigos do mundo. Foi fundado em 1854 e começou desde aí a disputar a Casa Branca e câmaras legislativas do Congresso.

Os seus presidentes mais proeminentes foram o já referido Lincoln e ainda Ronald Reagan, e teve um percurso ideológico contrário ao dos Democratas. Depois de terem sido os responsáveis pela libertação dos escravos no século XIX, o GOP sofreu uma deslocação para a direita, precisamente quando o Partido Democrata fez a deslocação para a esquerda.

Partido Conservador (Reino Unido) – 1834

Boris Johnson, com a sua intrépida cabeleira e o seu estilo irreverente, é um dos políticos mais famosos da atualidade.

Sucede a uma linhagem de líderes conservadores e primeiros-ministros britânicos que marcaram a história do seu país: Margaret Thatcher, Winston Churchill, entre muitos outros.

No caso de Churchill, ele produziu um dos discursos mais emblemáticos da Segunda Grande Guerra Mundial, em junho de 1940. Uma exortação aos britânicos para resistirem a todo o curso à ameaça nazi, que ficou conhecido como Fight Them On the Beaches (“Combatê-los nas Praias”).

O Partido Conservador, ou Tory, como é conhecido, numa alusão às suas origens aristocráticas, tem dominado grande parte da política do Reino Unido desde a sua fundação, em 1834.

É um partido de direita, que defende valores tradicionais, de pendor nacionalista moderado.

No século XIX, rivalizaram sobretudo com o Partido Liberal; já ao longo do século XX e nas últimas décadas, têm alternado no poder com o Labour, o Partido Trabalhista, um partido que também já atingiu o centenário há alguns anos. Foi fundado em 1900, e é desde aí o principal opositor dos Tories. Apesar desse facto, têm sentido dificuldades nas últimas décadas para fazer frente aos Conservadores. Os Trabalhistas têm variado entre o centro-esquerda e a esquerda, dependendo dos seus inúmeros líderes. 

Coube aos tories a difícil tarefa de liderar a nação durante alguns períodos críticos da história recente do Reino Unido. Foi o que aconteceu com a Segunda Grande Guerra Mundial, por exemplo, sob a batuta de Winston Churchill, ou, mais recentemente, no Brexit, que levou à saída do país da União Europeia.

Boris Johnson, precisamente, o atual primeiro-ministro e líder do partido, foi um dos seus mais destacados defensores.

True Whig Party (Libéria) – 1869

O True Whig Party da Libéria é o mais antigo partido do país. Foi fundado foi américo-liberianos, um grupo formado maioritariamente por escravos americanos libertos, e dominou o país durante grande parte da sua existência.

Apesar de nunca ter formalmente proibido partidos de oposição, o True Whig esteve no poder desde a sua criação em 1869 até 1980. Foram apenas destronados por um golpe militar.

O partido tem conseguido manter-se vivo, mas sem qualquer tipo de representação política. O True Whig é de direita, com características conservadores e autoritárias.

Partido do Congresso (Índia) – 1885

A Índia, com 1.350 milhões de habitantes, é considerada a maior democracia do mundo. Não admira, pois, que no seu seio tenham surgido alguns dos partidos políticos mais antigos e proeminentes.

O Congresso ouIndia National Party destacou-se primeiro na luta pela independência do país, face ao Reino Unido, que viria a acontecer em 1948. Mahatma Gandhi foi um dos rostos mais destacados do partido neste período.

Um cego é carregado às costas para poder votar nas primeiras eleições livres indianas, em 1951. Wikimedia Commons

Depois das primeiras eleições livres, ocorridas em 1951, e sob a liderança de Nehru e da sua filha Indira Gandhi, o Partido do Congresso dominou a política indiana até aos anos oitenta.

Apesar de ter raízes no nacionalismo indiano, é considerado um partido ideologicamente moderado e abrangente, com tendências de centro-esquerda.

Advoga pelo secularismo e foi durante anos um dos diques contra o extremismo religioso que sempre esteve latente na grande nação sub-continental, devido às tensões entre a maioria hindu e a minoria mulçumana.

Nas últimas décadas, o partido foi perdendo influência e o país hoje é liderado pelo Partido do Povo Indiano (ou BJP), uma força defensora do nacionalismo hindu.

Partido Operário Social-Democrata da Suécia – 1889

Olof Palme (1927-1986) é provavelmente o mais proeminente líder da história do SAP. Primeiro-ministro da Suécia por mais de dez anos, morreu assassinado à porta de um cinema em 1986. Foto: Wikipédia

O partido de índole socialista é o mais antigo da Suécia e o que teve mais importância no desenvolvimento do país. O Partido Social Democrata Sueco tem estado no poder na grande maioria do tempo desde 1932. Entre esse ano e 1976, conseguiu manter-se no governo, com uma pequena exceção em 1936, e transformou a sociedade sueca.

O partido implementou um sistema de apoio social à população muito significativo, com questões como habitação, segurança social, saúde e educação à cabeça. Este sistema tornou-se numa referência de socialismo ou de social democracia um pouco por todo o mundo.

Começaram a perder alguma influência nos anos 70, chegando a ceder o poder em 1976 e 1991. Apesar de já não conseguirem ter a representação eleitoral do século XX, o SAP, a sigla sueca do partido, tem conseguido formar governos minoritários nos últimos anos com coligações com outros partidos de esquerda.

Sinn Féin (Irlanda do Norte) – 1905

Também o Sinn Féin é um partido que tem sofrido várias alterações e evoluções ideológicas ao longo da sua história, desde a sua fundação em 1905. Foi visto durante grande parte do século XX como o braço político do grupo radical Irish Republican Army (IRA).

Gerry Adams liderou o Sinn Féin entre 1983 e 2018.

Tem como bases ideológicas o nacionalismo irlandês e o republicanismo, e surgiu como oposição clara ao poder britânico e à Coroa. Defende a união das Irlandas, sendo que participa no processo democrático tanto na República da Irlanda como na Irlanda do Norte. Atualmente, é também um forte defensor do socialismo democrático, com uma identificação clara à esquerda.

Teve o seu período áureo em 1918, com uma maioria dos assentos irlandeses no Parlamento britânico, mas foi desaparecendo em termos eleitorais ao longo do século. Sempre com uma grande divisão entre apoiar ou não a violência da IRA, foi-se fragmentando em movimentos e partidos na segunda metade do século.

O partido foi liderado por Gerry Adams desde 1983 até 2018, e conseguiu afastar ligeiramente o rótulo de apoiante do terrorismo. No último ato eleitoral, em 2020, o Sinn Féin conseguiu a maioria dos votos do povo irlandês, ainda que com menos um deputado eleito que o tradicional Fine Gael.

Congresso Nacional Africano (África do Sul) – 1912

Em 1994, os negros sul-africanos puderam pela primeira vez votar em eleições livres e universais para o parlamento do seu país. 

O African National Congress (ANC), então liderado por Nelson Mandela, venceu claramente, com 62,5% dos votos e nunca mais, até hoje, abandonou o poder. 

O caminho até chegar à liderança do país foi, contudo, longo e penoso.

Fundado em 1912 para defender os direitos dos negros, tornar-se-ia, a partir dos anos 40, uma voz fundamental na luta contra o apartheid, o sistema de segregação racial implementado pela minoria europeia branca.

Muitos dirigentes foram perseguidos, mortos ou encarcerados. Mandela foi preso em 1962 e tornou-se, com o passar dos anos, no principal rosto da resistência contra a ditadura branca.

O momento histórico da libertação de Mandela da prisão, em 1990 – no vídeo abaixo, registado pela cadeia norte-americana CBS News – foi o preâmbulo de um processo de transformação do país que aboliu a segregação e conduziu, finalmente, a maioria negra ao poder.

Artigo editado por Filipa Silva