Vão de Portugal à Guiné. Passam pela Índia e pela América do Norte. Algumas, até percorrem todo o globo. Quer seja na área da maternidade, saúde sexual, emprego, educação ou finanças, são várias as associações e projetos que, todos os dias, trabalham para que mulheres e meninas do mundo inteiro vejam os seus direitos como uma realidade.
The Pad Project: quando um grupo de estudantes decidiu mudar o mundo
Após Melissa Berton, professora de inglês numa escola em Oakood, na Geórgia, ter levado um grupo de estudantes à Comissão Anual sobre o Estatuto da Mulher de 2013, nas Nações Unidas, surgiu a necessidade de resolver um problema comum nos países em desenvolvimento: a falta de equidade menstrual.
Em países como a Índia, onde a menstruação é ainda um tabu e os cuidados de higiene continuam pouco acessíveis, é comum que as raparigas faltem ou desistam da escola quando atingem a puberdade. Mas é no mesmo país que Arunachalam Muruganantham inventou uma máquina para produzir pensos higiénicos a baixo custo.
Tendo disso tomado conhecimento, Berton e o seu grupo de alunas tiveram a ideia de angariar fundos para instalar uma dessas máquinas numa comunidade – selecionada em parceria com a Action India, uma organização para a igualdade de género. Nasceu, assim, o The Pad Project. Toda esta jornada foi filmada e pode ser vista no documentário da Netflix “Period. End of Sentence” (2019).
Atualmente, este projeto ainda existe, e continua a fazer parcerias com organizações não governamentais locais para instalar máquinas de pensos higiénicos, implementar programas de produção de kits de higiene (que empregam cinco a seis mulheres e servem uma comunidade de 250 a 300) e fazer workshops de higiene menstrual.
“Nós recusamo-nos a aceitar um mundo em que pessoas que menstruam têm de escolher entre comprar uma caixa de pensos ou a sua próxima refeição”, pode ler-se na página do projeto.
The Girl Impact: a mudança também passa por elas
The Girl Impact é um projeto que promove a igualdade de género na Tanzânia, na Zâmbia e na África do Sul, trabalhando em seis áreas para atingir este objetivo: educação, saúde, geração de riqueza, autoconfiança, segurança e gravidez precoce.
Com workshops, apoio psicológico, preparação para o mercado de trabalho, programas focados na higiene e saúde reprodutiva e ferramentas para que meninas e mulheres se mantenham seguras em contexto de violência, The Girl Impact inclui rapazes em idade escolar neste processo. Segundo a página do projeto, o grande objetivo desta iniciativa é “reduzir a violência e o bullying” contra elas, fornecendo “meios alternativos para os rapazes se expressarem”, ao mesmo tempo que os encorajam a “defender as raparigas nas suas comunidades”.
Afectos com Letras: a mudar a Guiné-Bissau com uma descascadora de cada vez
Depois de uma visita à Guiné-Bissau, Joana Benzinho percebeu que as meninas passavam horas a descascar o arroz que é a base da alimentação e da agricultura no país. O processo era manual e passavam cerca de cinco horas por dia a fazer esta tarefa. Por esta razão não podiam ir à escola. Mas Joana Benzinho arranjou a solução. Fundou a ONG Afectos com Letras em 2009 e a vida das raparigas nas aldeias do país mudou.
Através da instalação de máquinas que descascam o arroz de forma automática em cinco minutos, a mão de obra das raparigas guineenses deixou de ser necessária e neste momento nas aldeias onde têm as máquinas, “há mais meninas a estudar na sala de aula do que meninos,” conta Joana Benzinho ao JPN.
Além de permitirem que as meninas frequentem a escola, as descascadoras tornam o valor nutricional do arroz muito superior comparando com o que era descascado manualmente, porque o arroz fica inteiro.
Desde 2014, já foram instaladas oitos descascadoras de arroz na Guiné-Bissau e as meninas vão todos os dias à escola. As mulheres, que também trabalhavam na descasca do arroz, ficaram com tempo livre e podem dedicar-se a outras atividades agrícolas que contribuem para o sustento das famílias.
Joana Benzinho não hesita em dizer que “as máquinas mudam as vidas em concreto das meninas” e, por isso, a organização tem já “mais duas descascadoras prontas a instalar, mal a pandemia nos permita viajar,” explica.
A fundadora da ONG não consegue dizer em concreto quantas vidas já mudaram devido às descascadoras, mas acredita que o impacto é grande. “É difícil fazer a contabilidade de forma estanque, porque as miúdas acabam por terminar o ciclo de estudos. Mas tendo em conta que são oito aldeias [em que estão instaladas as máquinas], cada aldeia tem entre 400 a 500 pessoas, mais de metade da população é infantil e dessa mais de metade são raparigas. Isto abrange muita gente. Talvez 800 raparigas. Mas não posso dar números concretos porque não fazemos essa contabilidade”, explica.
A necessidade de espaços para promover a educação surgiu e a Afectos Com Letras tem construído escolas e bibliotecas pelo país, de forma a combater a iliteracia e contribuir para a educação dos jovens.
Para além de continuar a querer instalar máquinas pela Guiné, Joana Benzinho sonha em construir uma casa de abrigo para raparigas vítimas de casamento forçado. “Estas raparigas que têm dez, 11 anos, são dadas ao casamento pela família e nunca mais podem voltar a casa, não tem perspectivas de voltar a aldeia porque não serão bem recebidas”. Apesar de o casamento forçado ser crime na Guiné, é uma prática que ainda está bastante enraizada nas aldeias. “O meu sonho é acolher estas meninas, dar-lhes carinho, dar-lhes formação, para que quando forem maiores de idade consigam escolher o percurso profissional que pretendem seguir”, remata.
“The 19th”: o jornal que quer dar voz a quem não é ouvido
Lançado no início do ano passado, “The 19th” é um projeto jornalístico sem fins lucrativos, criado por mulheres para mulheres, pessoas de cor e LGBTQ+. Fundado por Emily Ramshaw e Amanda Zamora, jornalistas do Texas Tribune, o The 19th tem o objetivo de providenciar um local onde aqueles que são sub-representados nos media e em posições de liderança possam contar a sua história.
“The 19th” foi batizado em honra da 19ª Emenda Constitucional dos Estados Unidos que, em 1920, estendeu o direito de voto às mulheres. Contudo, o asterisco no logótipo serve como lembrete constante de que esta emenda não deve ficar por aqui e que o caminho rumo à igualdade de direitos ainda é longo.
De acordo com a página da organização – que se apresenta como refletora da “diversidade racial, ideológica, socioeconómica e de género dos eleitores americanos” – o conteúdo, de acesso gratuito, foca-se na política vista sob uma “lente genderizada”, expõe desigualdades e conta histórias originais acerca dos problemas que mais afetam as minorias.
O jornal é financiado através das contribuições de leitores, filantropos, bolsas garantidas por fundações e patrocínios, e tem uma redação localizada em Austin, no Texas.
Corações Com Coroa: o apoio para a concretização de um projeto de vida
A Corações Com Coroa (CCC), uma ONG portuguesa fundada em 2012, tem como objetivo contribuir para a capacitação de meninas, jovens e mulheres. Um dos projetos desta organização consiste na atribuição de bolsas de estudo a jovens raparigas que tenham bom aproveitamento, mas estejam em situação de vulnerabilidade e risco de abandono escolar.
Para além de um valor monetário, as raparigas são alvo de acompanhamento pela equipa técnica da organização que lhes oferece aconselhamento e apoio biopsicossocial e escolar que lhes permite a construção de um projeto de vida. As bolsas têm a duração de três anos, podendo, desta forma, ser possível cumprir um ciclo de estudos completo. Desde 2013, a CCC já atribuiu 28 bolsas.
Esta organização disponibiliza ainda atendimento gratuito a mulheres. É possível aceder a serviço social, atendimento psicológico e aconselhamento alimentar e jurídico. Desde 2016, foram dadas 1.895 consultas de apoio jurídico. A CCC oferece ainda cursos de parentalidade positiva e auxilia no processo de procura de emprego.
Girls In Tech: tecnologia com um rosto feminino
Desejosa de contactar com outras mulheres na indústria da tecnologia, Adriana Gascoigne fundou a Girls In Tech em 2007, após ter notado que era a única mulher na startup onde trabalhava. A organização sem fins lucrativos dedica-se, portanto, a eliminar a disparidade entre homens e mulheres neste meio.
Para tal, a Girls In Tech fornece cursos online, webinars, programas de mentoria (a organização já mentorou mais de quatro mil empreendedoras), workshops, bootcamps e eventos, que já chegaram a cerca de 60 mil membros em mais de 50 países, entre os quais Portugal, que tem como público-alvo alunas universitárias.
Melissa Network: um projeto de migrantes para migrantes
Fundada em setembro de 2014, na Grécia, a ONG Melissa – que em grego quer dizer abelha – é um centro para mulheres migrantes que estão a trabalhar e a viver na Grécia. Com mulheres de 45 nacionalidades diferentes, a ONG surge como um espaço onde as mulheres podem partilhar medos, ideias e sonhos. Com o objetivo de promover o empoderamento e uma cidadania ativa para que as mulheres sejam parte integrante da comunidade, a ONG apoia cerca de 150 mulheres e 40 crianças.
A ideia para criar este centro surgiu da necessidade da comunidade de mulheres migrantes precisar de um espaço onde fosse possível nutrir relações de forma segura para que, através da partilha de histórias, muitas vezes de sofrimento e violência, possam criar uma rede entre si capaz de ajudar outras mulheres que chegam à Grécia.
Numa entrevista em 2017 ao jornal “The New Humanitarian“, a cofundadora Deborah Carlos-Valencia, que deixou as Filipinas nos anos 80, explicou que apesar de as mulheres migrantes a viverem na Grécia terem sido sempre “ativas e tenham mostrado solidariedade entre si”, sentiram sempre um “fosso entre si”. Desta forma, a necessidade de se conhecerem melhor e encontrarem “soluções comuns para problemas comuns” fez nascer o centro Melissa.
Todos os dias, o centro recebe mais de 100 mulheres que vêm de campos e abrigos de refugiados qpara terem acesso a aulas de grego e inglês, programas de literacia, apoio psicossocial, aulas de poesia e de teatro. Para que as mulheres possam aproveitar o que o centro tem para oferecer, podem deixar os filhos num programa de cuidado de crianças com professores dinamizado pela comunidade filipina. Muitas das atividades são dinamizadas por mulheres migrantes que recebem um pagamento.
Nadina Christopoulou, cofundadora da organização, explica ao “New York Times” que apesar de “as mulheres migrantes experienciarem dupla marginalização” devido ao facto de serem “mulheres e migrantes”, elas são agentes de mudança. “Elas são integradoras por causa dos filhos. Elas são multiplicadoras. Para cada coisa pequena que lhes damos, elas multiplicam”, afirma Christopoulou.
Mamalyona: empreender com uma criança no colo
“Para quê renunciar à vida depois de a dar?” É a pergunta colocada por quem está por trás do Mamalyona, um projeto de empreendedorismo social que nasceu da colaboração entre a Asociación Bienestar y Desarrollo e o BAU, Centro Universitário de Design de Barcelona.
Aqui, foi criado um espaço comum em que mães jovens em situações de fragilidade se podem tornar empreendedoras sem renunciar à criação dos filhos, adquirindo competências na área têxtil. Os resultados deste trabalho – realizado em meio universitário e com os filhos ao colo – surgem na forma de produtos artesanais como máscaras, tote bags, mochilas e acessórios destinados às crianças e outras mães, que podem ser adquiridos na loja online.
Missão Dimix: a iniciativa com o rosto de um menino
Após ter conhecido o Dinix, uma criança com quem estabeleceu amizade numa viagem a São Tomé, em novembro de 2015, Sónia Pessoa decidiu criar uma associação sem fins lucrativos que promovesse atividades de tempos livres para crianças e jovens como ele.
Por achar que o menino se chamava Dimix, Sónia batizou este projeto de Missão Dimix e o nome manteve-se, mesmo após a resolução do mal-entendido. Atualmente, a associação dinamiza atividades artísticas em regime não formal, ao serviço da educação ambiental e do desenvolvimento pessoal e social, contando para isso com o apoio de psicólogos. Além disso, a Missão Dimix compromete-se a satisfazer necessidades básicas através da distribuição de vestuário, livros, equipamento desportivo, filmes, jogos, entre outros.
No início deste mês, esta ONG juntou-se à Wonther e a mais 17 marcas criadas por mulheres portuguesas, que vão doar 8% da sua faturação à associação para reduzir a pobreza menstrual em São Tomé e Príncipe e na Guiné-Bissau. O valor vai reverter para o envio de pensos reutilizáveis criados por voluntários portugueses, bem como máquinas para esse fim, e para a construção de casas de banho exclusivamente femininas nas escolas locais. A campanha dura até esta segunda-feira, Dia Internacional da Mulher.
Children Might Foundation: as mulheres cultivam o futuro
A Children Might Foundation (CMF) é uma organização presidida por Douglas Kakooza desde 2009 no Ruanda. Kakooza dedica a sua vida a melhorar as condições de vida das crianças e famílias no continente africano. Com mais de 20 anos de experiência, tem trabalhado no desenvolvimento da região.
A CMF, consciente de que a educação e o sucesso das crianças só é possível através do apoio e da estabilidade financeira das famílias, apoia a cooperativa “Abagore Farming” (“abagore” significa mulher na língua do Ruanda) na região de Rwamagana.
Esta cooperativa é formada por mulheres (que são muitas vezes quem apoia as famílias) e foi criada com o propósito de lhes dar a oportunidade de obterem rendimento e, dessa forma, sustentarem as famílias.
A CMF fornece terrenos, sementes e equipamento de agricultura para que as mulheres consegam criar colheitas e vendê-las no mercado e restaurantes da região. A ONG disponibiliza também um centro para que a produção agrícola seja armazenada e um local onde as mulheres podem ter workshops e sessões de formação.
Através deste projeto circular, a organização estima que, até 2022, o projeto “Abagore Farming” vai conseguir gerar uma quantia capaz de cobrir as necessidades da comunidade – alimentação, educação e cuidados de saúde.
Artigo editado por Filipa Silva