Rúben Amorim, treinador sensação desta temporada da Primeira Liga, levando o Sporting CP ao primeiro lugar, foi acusado de fraude por parte da Comissão de Instrutores da Liga. A ação vem no seguimento de uma queixa por parte da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF).

Em comunicado, divulgado esta segunda-feira, o Sporting informa que Rúben Amorim foi acusado e fala num “dos episódios mais lamentáveis e surreais da história do futebol português”. Segundo o atual líder da Primeira Liga, “a disciplina desportiva nacional pretende condenar o treinador Rúben Amorim a uma sanção mínima de suspensão por um ano pelo facto de o mesmo, respeitando os regulamentos em vigor, se ter inscrito como treinador-adjunto e não como treinador principal quando ainda não possuía habilitação para tanto“.

A Liga Portugal ainda não teceu qualquer comentário sobre o caso, mas já mostrou no passado que se posiciona mais do lado do clube, quando, depois da condenação por parte da Associação Nacional de Treinadores de Futebol em relação à contratação de Rúben Amorim por parte do Sporting CP, Pedro Proença, presidente da Liga, afirmou que não entendia a posição da Associação, e que “não podia concordar com ela”.

Já a própria ANTF comunicou em email ao JPN que não ia fazer qualquer tipo de comentário do processo enquanto este estiver “a decorrer em sede do Conselho de Disciplina”. A associação tem sido muito crítica dos clubes que contratam treinadores sem o nível necessário para a Primeira Liga. Na altura da assinatura de contrato de Rúben Amorim com a equipa principal do SC Braga, a ANTF afirmou que a decisão era uma “vergonha” e que era uma “mancha na classe”.

O caso tem dado muito que falar, especialmente devido ao momento de forma da equipa comandada por Rúben Amorim, mas a questão que agora se põe é a seguinte: o processo tem “pernas para andar”, ou não? O JPN esteve à conversa com Diogo Soares Loureiro, advogado especialista em direito do futebol, para tentar averiguar a viabilidade da acusação.

É necessário esclarecer que a acusação em si ainda não é de conhecimento público, e que, portanto, os comentários, ainda que especializados, contêm uma certa especulação. Mesmo assim, e no seguimento de uma análise ao Regulamento Disciplinar da Liga Portugal, Diogo Soares Loureiro conseguiu identificar o artigo que estará a ser usado contra Rúben Amorim.

O artigo 133º. “é o único que prevê a suspensão dentro da moldura penal que se tem falado [um a seis anos], e que menciona a fraude”. Contudo, como refere o advogado, apenas é aplicado a um “conjunto de pessoas muito específicas”. O artigo em causa refere que deve ser aplicado a “dirigentes que (…) prestem falsas declarações, utilizem documentos falsos ou atuem simulada ou fraudulentamente ao estabelecido (…)são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um e o máximo de seis anos (…)”.

E aqui começa toda a subjetividade que pode, na opinião de Diogo Soares Loureiro, marcar o caso daqui para a frente: “Para começar, este artigo fala apenas na questão dos dirigentes, não propriamente do treinador”, complementando ainda que Rúben Amorim não se encaixa propriamente na definição de dirigente, mas sim de “agente desportivo”.

Ainda que “se considerasse essa aplicabilidade, aqui teria claramente teria de haver alguma prova de alguma adulteração de documentos no momento da celebração do contrato”, afirma o advogado. Desta forma, Diogo Soares Loureiro não acredita que este processo, se de facto se confirmar esta via, tenha “pernas para andar”.

Ainda assim, Diogo Soares Loureiro crê que o caminho por onde a ANTF “parece ter alguma matéria para atacar, tem a ver com o artigo 96º.-A do Regulamento Disciplinar”. O artigo em questão é referente ao “qadro técnico sem as habilitações mínimas” e prevê a sanção de multa aos clubes que não cumpram o artigo 82º. – “esse é aquele que estabelece o quadro técnico que os treinadores têm que ter de acordo com competição [em que estão envolvidos]“, esclarece o especialista.

Rúben Amorim não é estranho a este tipo de processos. No seu tempo no Casa Pia, do Campeonato de Portugal, o clube sofreu uma condenação parecida com a que está novamente sujeito. Na altura, o Casa Pia foi sujeito a uma perda de pontos. Contudo, isso não será o caso do Sporting CP, se Rúben Amorim seja condenado. Isto deve-se ao facto do regulamento da Federação Portuguesa de Futebol (entidade responsável pela terceira divisão nacional) ser mais severo, enquanto que o da Liga Portugal apenas prevê a sanção de multa.

Diogo Soares Loureiro vê ainda outras agravantes que podem facilitar a defesa do Sporting CP. Em primeiro lugar, o artigo 82º., que fala das habilitações, “diz que o treinador principal é o único que pode dar indicações livres aos jogadores que estão dentro do terreno de jogo, e que os restantes podem dar indicações pontuais”. O problema, diz o advogado, surge no momento de definir o que são “indicações pontuais”. Na visão especialista em direito do futebol, o conceito é muito subjetivo e relativo, pois, comparado com outros treinadores, o número de intervenções de Rúben Amorim tanto pode parecer alto como reduzido.

Em segundo lugar, o facto de esta prática de inscrever treinadores como adjuntos por não terem o nível necessário ser algo muito recorrente no futebol português e nunca ter sido alvo de qualquer tipo de ações pode abrir um precedente que leva a inúmeras suspensões. Diogo Soares Loureiro lembra casos como o Costinha há largos anos, ou o de Silas mais recentemente que se encaixam em moldes semelhantes ao de Rúben Amorim.

As ocasiões em que esta forma de contornar os regulamentos foi usada são ainda mais recorrentes. Paulo Bento, Sérgio Conceição, Nuno Espírito Santo, Petit, Pepa e Luís Freire são apenas alguns dos nomes que já lideraram equipas técnicas estando oficialmente inscritos como treinadores-adjuntos.

Todos estes fatores, na opinião de Diogo Soares Loureiro, levam a que esta ação não tenha grande futuro. O que pode de facto sair do caso é a aceleração do “processo de definir melhor o conceito e as funções de um treinador principal ou deixar de haver esta obrigatoriedade de nível para as pessoas poderem treinar”.

Artigo editado por João Malheiro