Em quase vinte minutos de discurso, o Presidente revisitou o ano “demolidor”, “quase interminável” da pandemia, iniciado em março de 2020, sublinhando que “à pandemia na vida e na sáude juntou-se a pandemia na economia e sociedade”.

Marcelo Rebelo de Sousa definiu aquelas que devem ser, no seu entender, as prioridades do País para os próximos anos. A primeira prende-se com a necessidade de não “deixar que a democracia fique refém” dos populismos. Às forças que advogam pelo “mito do português puro” e da “casta iluminada”, o Presidente da República (PR) contrapõe a ética republicana e aquilo que designou de “patriotismo das pessoas” e do “futuro”.

Referindo-se depois ao momento atual, defendeu um desconfinamento sensato, que permita “estabilizar o sistema nacional de saúde, mesmo admitindo que a pandemia “mudou radicalmente a nossa vida”.

Contudo, alerta para a magnitude da tarefa que temos pela frente, pois é preciso reconstruir “tudo ou quase tudo”. Neste âmbito, referiu que devem ser reforçados os mecanismos de boa gestão dos fundos europeus que Portugal irá receber nos próximos anos.

A coesão social foi outra alusão central no discurso do Presidente recém empossado. Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou a necessidade de reduzir a pobreza, lutar pelo desaparecimento dos focos de pobreza extrema e corrigir as desigualdades sociais. Existem, neste momento, “vários portugais, todos eles dentro do mesmo Portugal… Urge construir um só Portugal”.

De seguida, Marcelo abordou a “vocação de Portugal fazer pontes entre culturas e continentes”. “Não há ilhas no Universo”, afirmou, fazendo mais uma vez a defesa da diversidade cultural, contra o medo do diferente e do diverso.

Por fim, o Presidente da República focou as suas atenções nos jovens e na necessidade de encontrar respostas para as suas angústias, em áreas como a educação, o emprego, a habitação e a ação climática.

O Presidente, que chegou à cerimónia a pé, tal como há cinco anos, fez questão de sublinhar que a sua principal preocupação são os mais necessitados, os sem-abrigo, os desempregados, os idosos, “os que salvam e ajudam a salvar”, os emigrantes e os professores.

Presidente voltou a chegar a pé ao Parlamento. Foto: Rui Ochoa/Presidência da República

A terminar afirmou: “Sou o mesmo de há cinco anos. Sou o mesmo de ontem”. Prometeu independência, comprimisso, estabilidade, proximidade, afeto, honestidade e “preferência pelos preteridos”.

Cerimónia adaptada às circunstâncias da pandemia

Foi a primeira vez na História, como o próprio Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou, que o Presidente da República tomou posse em pleno estado de emergência.

Na Assembleia da República esteve uma lotação limitada de deputados e convidados: no hemiciclo sentaram-se seis membros do governo (primeiro-ministro, secretário de Estado da Presidência e os quatro ministros de Estado) e cinquenta deputados. As galerias receberam, ainda, as12 principais figuras na hierarquia do Estado.

Os habituais cumprimentos ao Presidente da República foram igualmente feitos à distância.

Reações ao discurso de tomada de posse

Aplaudiram o discurso do PR o CDS-PP, a Iniciativa Liberal, o PSD e o PS. BE, PCP, Os Verdes, Joacine Katar Moreira e André Ventura levantaram-se no final, mas sem reagir.

O primeiro-ministro António Costa disse sentir-se “reconfortado” com a mensagem de esperança enunciada pelo PR, prometendo uma agenda muito clara de “cooperação institucional e solidariedade estratégica”. 

Pelo PSD, foi o líder parlamentar, Adão Silva, a reagir. O deputado delcarou a “solidariedade” do PSD com o PR e a esperança que o mandarto que agora se inicia “seja um mandato frutuoso para ele e para todos os portugueses”. Os sociais-democratas enfatizaram a “dimensão social” da intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa.

Catarina Martins (BE) considerou o discurso “interessante”, “importante, bem pensado”. Alíder bloquista disse acompanhar o Presidente nalguns pontos: na defesa de uma democracia que respeita a diversidade; na crítica à falta de investimento estrutural do Estado; na responsabilidade das políticas públicas atenderem aos mais sacrificados.

Para Jerónimo de Sousa (PCP), o mais importante no discurso foi o Presidente “jurar fazer cumprir a Constituição”. “O que precisamente falta cumprir é a Constituição, para poder dar resposta aos problemas económicos e sociais existentes no país.”

Os Verdes, pela voz de José Luís Ferreira, esperam que haja uma intervenção mais ativa do PR na “denúncia dos problemas sociais”, sobretudo “dos novos problemas criados” pela pandemia.

André Silva (PAN) criticou a ausência de uma referência à política  “de combate à corrupção”. Para o segundo mandato, o deputado espera que haja uma maior preocupação com as políticas ambiental e de sustentabilidade e que Marcelo deixe de dar respaldo às políticas de precarização do mercado de trabalho.

Francisco Rodrigues dos Santos (CDS-PP) aproveitou para manifestar uma série de preocupações, na sequência do discurso do PR: considerou que é preciso usar os fundos europeus para modernizar o setor privado e não apenas o público; dar maior atenção aos doentes não-Covid e aos mais vulneráveis; combate à corrupção – correta prática política e limitação de mandatos; papel central dos mais jovens; crítica a uma eventual exclusão dos professores do ensino privado e cooperativo da lista de prioridades da vacinação.

Pela Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim Figueiredo classificou o discurso de “ecuménico”, porque “teve um pouco de tudo para todos”. Apesar de defender que “poucos portugueses poderão discordar” das prioridades definidas pelo Presidente da República, a questão em aberto será outra: “como já várias vezes aconteceu com o senhor Presidente da República no primeiro mandato, parece continuar a haver uma distância entre aquilo que é dito e depois aquilo que é feito”, declarou aos jornalistas.

André Ventura (Chega) acusou o PR de ser “garante da estabilidade do Partido Socialista”, o principal “aliado” de António Costa. Criticou duramente o discurso de Ferro Rodrigues, afirmando que “só o voto dos portugueses pode derrotar o Chega”.

Presidente da Assembleia da República acusa movimentos populistas de “degradação da democracia”

Antes do Presidente, Ferro Rodrigues fez um discurso cheio de alusões à atualidade política.

Primeiro afirmou que a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa – como o próprio tinha já sublinhado aquando da sua eleição, a 24 de janeiro – torna evidente o “repúdio do extremismo por parte dos portugueses”.

O ex-secretário-geral do PS dirigiu-se de forma impetuosa contra os “ataques ao Estado de direito”, perpetrados por forças xenófobas e racistas, que constituem um perigo efetivo para a democracia, o que motivou a reação de André Ventura, do Chega, no final da cerimónia.

Ferro Rodrigues relembrou que, em 2024, Portugal comemorará 50 anos de democracia, superando os 48 anos de duração do salazarismo.

Vivemos numa sociedade “livre e pluralista” e “sem mordaças“, uma referência que pode ser lida à luz das declarações que o ex-Presidente Cavaco Silva, produziu recentemente, numa conferência, por videoconferência, da Academia de Formação Política das Mulheres Sociais-Democratas.

Porto é a próxima paragem

Depois da cerimónia protocolar do Parlamento, o PR passou ainda pelo Mosteiro dos Jerónimos e pelo Palácio de Belém, antes de rumar ao Porto onde chegou ao início da tarde e foi recebido à porta da Câmara Municipal pelo presidente da autarquia, Rui Moreira.

É neste local que vai ter lugar uma cerimónia ecuménica com representantes de várias confissões religiosas. O programa da tomada de posse do Presidente da República termina no Centro Cultural Islâmico do Porto onde o governante é aguardado a partir das 16h30.

Artigo editado por Filipa Silva