Em 2021, comemoram-se os 90 anos da apresentação pública de “Douro, Faina Fluvial”, mas também os 90 anos de carreira do autor da película: o célere cineasta português, Manoel de Oliveira. Como forma de celebração, a banda Sensible Soccers preparou um cine-concerto que pretende promover uma nova perspetiva sobre o cinema do cineasta.

“Douro, Faina Fluvial” e “O Pintor e a Cidade” serviram de base à investigação artística que a banda de André Simão, Hugo Gomes e Manuel Justo levou a cabo e é sobre esse trabalho que o trio vai esta quarta-feira conversar com Ricardo Vieira Lisboa, da Casa do Cinema Manoel de Oliveira.

A sessão, integrada na programação desta semana das Conversas com Serralves, está agendada para as 18h00. A participação é gratuita – a transmissão faz-se através da plataforma Teams – mas de inscrição obrigatória.

A ideia de produzir um cine-concerto partiu da banda vila-condense. Os Sensible Soccers entraram em contacto com a Casa do Cinema Manoel de Oliveira com o propósito de construirem uma banda sonora para “Douro, Faina Fluvial”, primeiro filme do cineasta,  e para “O Pintor e a Cidade”, concebido 25 anos depois, que funciona como uma resposta ao primeiro.

“O Pintor e a Cidade” retrata um olhar diferente do cineasta, sendo que “Douro, Faina Fluvial”  foi realizado quando Manoel de Oliveira tinha 22 anos, enquanto que “O Pintor e a Cidade” foi concebido quando o mestre se aproximava dos 50 anos de vida. O próprio diz que é um filme contra o primeiro.

Ricardo Lisboa, assistente de programação da Casa do Cinema, explica a mudança operada no realizador portuense: “a montagem mais ou menos radical de ‘Douro, Faina Fluvial’, vanguardista de uma montagem de cariz soviético, muito rápida, cheia de cortes, de repente, é algo que já não lhe interessa. Ele já não acredita que o cinema é a arte da montagem, ele acredita o cinema é a arte do tempo”, refere em entrevista ao JPN.

Os Sensible Soccers vão mesmo editar um álbum que se chamará “Manoel” que terá por base a investigação feita para este cine-concerto. Este consistirá num espetáculo com cerca de uma hora – na Fundação de Serralves, em data ainda a anunciar – com o visionamento de “Douro, Faina Fluvial” e “Pintor e a Cidade”, onde serão criados momentos antes das imagens, entre os dois filmes e após. “Será um espetáculo onde as imagens participaram com a música na experiência do que é um pouco da história do cinema português”, acrescenta o responsável pela programação da Casa do Cinema.

A banda não é estreante na sonorização de obras fílmicas, nem no trabalho com artistas visuais, tendo já trabalhado com Laetitia Morais e também com o realizador Pedro Maia.

Em 2017, a banda foi convidada pelo Cineclube de Famalicão para fazer a banda sonora original para um filme mudo – “O Homem da Camara de filmar ” de Dziga Vertov. Ricardo Lisboa acredita que a ideia de musicar as obras de Oliveira nasceu após este momento: “tiveram a ideia então vamos pegar num filme mudo português e vamos fazer o mesmo. E, claro, o filme mudo natural da história do cinema português, ainda para mais com a sua relação com o Porto, seria ‘Douro, Faina, Fluvial'”, comenta. 

“Douro, Faina Fluvial” mostrava a pobreza da época

Esta foi a primeira obra fílmica do cineasta, estreado a 19 de Setembro de 1931, no Salão Central em Lisboa, no âmbito dum evento que se chamou “5º Congresso Internacional da Crítica”.

Ricardo Lisboa conta a história do evento onde estiveram presentes críticos não só portugueses, mas também estrangeiros, e que, nesse congresso, os espectadores portugueses, durante a projeção do filme, bateram com os pés no chão em sinal de protesto. Acharam que “Douro, Faina Fluvial” era um filme inaceitável para se mostrar ao público estrangeiro, porque mostrava a pobreza na zona de Ribeira do Porto, mostrava um país que não era bonito de mostrar.

Toda esta situação conduziu a que Luiji Pirandello, o aclamado encenador, dramaturgo, Prémio Nobel da Literatura, comentasse: “mas em Portugal batem palmas com os pés?”, visto que toda a imprensa internacional, vinda de França, Espanha e Itália escreveu sobre o grande achado que era o novo realizador, Manoel Oliveira, no cinema vanguardista que é “Douro, faina fluvial”.

Os Sensible Soccers tiveram a feliz ideia de lhe dar uma nova música, sendo o filme mudo, mas que já teve diferentes acompanhamentos musicais ao longo dos anos”, diz Ricardo Lisboa, sublinhado ainda a iniciativa de os músicos fazerem “uma nova composição, uma nova banda sonora contemporânea para este filme que já tem 90 anos”.

Todo o espólio não fílmico do realizador, toda a documentação, biblioteca pessoal, correspondência, materiais de trabalho, fotografias de rodagem, etc, está depositado na Fundação de Serralves, em particular no acervo da Casa do Cinema Manoel Oliveira.

Artigo editado por Filipa Silva