Dia complicado para os independentistas catalães. O Parlamento Europeu (PE) decidiu retirar a imunidade ao antigo presidente da Catalunha Carles Puigdemont e a dois outros eurodeputados, Toni Comín (ex-conselheiro do governo catalão para a Saúde) e Clara Ponsatí (ex-conselheira para a Educação), acusados em território castelhano de sedição, rebelião e peculato, ou seja, de apropriação de bens públicos para fins ilegais, mais concretamente, a organização do referendo à independência da Catalunha do dia 1 de outubro de 2017.

A votação telemática decorreu na segunda-feira (8), em Bruxelas, de forma secreta, tendo o resultado sido anunciado esta terça-feira, de manhã (9). Como já era expectável, no caso de Puigdemont, a posição do PE foi aprovada por uma maioria de 400 votos a favor, 248 contra e 45 abstenções. Já em relação a Comín e Ponsatí, a distribuição dos votos foi semelhante à do ex-presidente da Generalitát: 404 votos a favor, 247 contra e 42 abstenções.

Sem surpresas, os três maiores grupos políticos do Parlamento Europeu, PPE (Partido Popular Europeu), S&D (Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas) e liberais, com 432 dos 705 eurodeputados, votaram favoravelmente o levantamento da imunidade de Carles Puigdemont.

Porém, foi possível apurar algumas divergências entre progressistas e liberais. Os verdes e a esquerda votaram maioritariamente contra o levantamento da imunidade.

Ficaram visíveis as brechas no seio da coligação que suporta o Governo espanhol. De referir que dos 59 eurodeputados espanhóis, 46 votaram a favor de levantar a imunidade – incluindo os 21 socialistas. Já os cinco eurodeputados da Unidas Podemos, parceira de coligação do PSOE no governo espanhol, votaram contra, agudizando ainda mais o ambiente de crispação que tem marcado a relação entre o Governo Central e a Catalunha.

Esta veredito surge na sequência da decisão da Comissão dos Assuntos Jurídos do Parlamento Europeu que, em fevereiro passado, deu luz verde ao levantamento da imunidade, tendo por base um relatório apresentado pelo eurodeputado búlgaro Angel Dzhambazki, pertencente ao Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus.

A resolução não implica, contudo, a perda do lugar de eurodeputados nem significa que sejam de imediato entregues a Madrid. Cabe agora à justiça espanhola reativar os processos de mandados de detenção europeus e à congénere belga decidir a eventual extradição de Puigdemont e Comín (dado que vivem na Bélgica desde 2017), e à congénere escocesa no caso de Clara Ponsatí, visto que estabeleceu residência em Edimburgo, para território espanhol.

Os eurodeputados catalães já fizeram saber que tratarão de recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia, alegando “irregularidades” nos procedimentos do Parlamento Europeu.

As reações

O veredito provocou reações por parte dos referidos eurodeputados que se posicionaram prontamente contra a resolução. “É um dia triste para o Parlamento Europeu. Nós perdemos a nossa imunidade, mas o Parlamento perdeu mais do que isso, e como resultado também perdeu a democracia europeia“, afirmou o ex-presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, numa conferência de imprensa após ser conhecido o resultado da votação de Bruxelas, referindo que se trata de “um claro caso de perseguição política”.

O partido catalão “Juntos pela Catalunha” também não ficou indiferente ao resultado, considerando que “o conflito político entre Catalunha e Espanha deixou de ser um assunto interno“.

Do lado oposto, a chefe da diplomacia espanhola, Arancha González Laya, disse que esta é uma mensagem tripla: primeiro que “os problemas da Catalunha se resolvem em Espanha e não na Europa“, segundo, que um eurodeputado “não pode usar o seu estatuto para evitar comparecer perante um tribunal nacional” e terceiro que o Estado de direito em Espanha é “sólido”.

O partido catalão Ciudadanos, de natureza puramente anti-independentista reagiu, igualmente, à decisão, realçando que a “Europa voltou a defender a democracia”.

Semiliberdade revogada

O levantamento da imunidade aos três legisladores catalães não foi, contudo, a única má notícia do dia para o independentismo catalão. A par da votação desfavorável, um juiz catalão revogou o estatuto de semiliberdade de que gozavam desde Janeiro sete dos presos do processo independentista, incluindo o ex-vice-presidente de Puigdemont e líder da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), Oriol Junqueras, e os líderes das organizações ANC (Associação Nacional Catalã) e Òmnium Cultural, Jordi Sànchez e Jordi Cuixart. Condenados, em Espanha, a cumprir pena entre os nove e os 13 anos de prisão, gozavam desde janeiro, de um regime de semiliberdade que previa que pudessem sair da prisão para trabalhar e para fazer voluntariado, tendo que passar apenas as noites da semana num centro prisional.

Segundo o magistrado, os líderes não cumpriram tempo suficiente de pena para poderem aproveitar os benefícios deste regime, não tendo, inclusivamente assumido a responsabilidade dos seus crimes. Regressam, pois, ao estatuto mais comum que lhes permite sair da cadeia 36 dias por ano através de autorizações pontuais.

Todo este clima de incerteza acontece a apenas dois dias das negociações para a formação de um novo executivo em território catalão, saído das eleições de fevereiro, sobre o qual os principais atores e formações políticas ainda não chegaram a acordo sobre uma estratégia e respetivos cargos para fazer avançar o processo soberanista.

Artigo editado por João Malheiro