A pressão sobre as comunidades cristãs no Médio Oriente tem-se agravado. A insegurança e os consecutivos ataques a esta minoria acontecem em países onde há poucas décadas eram parte integrante da sociedade. O Iraque não é exceção e este cenário tem diminuído de forma abrupta o número de fiéis. O Papa Francisco tentou levar esperança à comunidade cristã local na sua primeira viagem a um país muçulmano de maioria xiita.
Os dados são bem exemplificativos da perseguição de que a minoria cristã tem sido alvo: segundo a agência Ecclesia, em 2003 havia cerca de 1,4 milhões de cristãos no Iraque, sendo que agora serão cerca de 300 mil. E de acordo com dados da Ajuda para as Igrejas Necessitadas (ACN), nos três anos de guerra contra o Daesh, 34 igrejas foram totalmente destruídas, 132 foram incendiadas, 197 parcialmente danificadas, assim como mais de mil casas de cristãos foram totalmente destruídas e mais de três mil incendiadas, mostrando o grau de opressão a esta minoria religiosa que se concentra sobretudo no norte do Iraque.
“É uma zona [Iraque] que não tem estruturas. Foi martirizada por anos e anos de guerras e é preciso o contributo de todos, com as suas especificidades. Os cristãos são o grupo minoritário, absolutamente pequeníssimo, de qualquer maneira, podem ter um contributo válido para a reconstrução do país”, caracteriza D. Manuel Linda, Bispo da Diocese do Porto. Atualmente, de acordo com o site Vatican News, “os árabes representam 85% da população e os curdos 10%”. Os muçulmanos são 98,5% da população, enquanto os católicos são apenas 1,5%.
Em conversa com o JPN, o Sheik David Munir, líder da Mesquita Islâmica Central de Lisboa, defende que a visita papal tem de ser um momento de reflexão sobre a paz: “Como alcançar a paz e como saber perdoar, foi o que ele [Papa] insistiu com os cristãos iraquianos – perdoar tudo aquilo por que passaram. É uma boa lição e um bom exemplo”.
Mesmo que Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do Daesh que proclamou o califado na Síria e no Iraque, tenha sido morto numa operação das forças especiais norte-americanas, em outubro de 2019, o Iraque não está livre das ameaças de grupos terroristas. Um atentado contra o líder da Igreja Católica, podia ser um alvo simbólico poderoso e motivar os jihadistas a ressurgir em força.
O Bispo do Porto acredita que a recuperação do país será lenta, dada a falta de condições de trabalho que permita a reconstrução das casas, e reconhece que o “Papa não vai fazer proselitismo, no sentido de dizer assim, ‘queremos que qualquer dia haja mais cristãos no Iraque do que muçulmanos’, aliás, seria impossível“. D. Manuel Linda explica a dimensão que o Cristianismo ganha no contexto do sofrimento, em entrevista concedida ao JPN.
Xiitas vs Sunitas
A problemática das tensões religiosas no Médio Oriente não se restringe ao conflito entre o islamismo e o cristianismo. Um conflito igualmente antigo dá-se entre as duas crenças muçulmanas, que podem ser designadas como o Irão xiita e a Arábia sunita.
Para o Sheik David Munir, “infelizmente, é uma doença que vem de há muitos anos. Há momentos de boa convivência e há momentos de muita intolerância de ambas as partes, cada um tem o seu espaço, cada um tem a sua fronteira religiosa, espiritual e é só saber respeitar ao outro”. Para o líder muçulmano não se deve “impor ao outro aquilo que ele acredita ou aquilo que ele faz, não se deve julgar as pessoas. Os muçulmanos sunitas e xiitas têm de se entender e saber respeitar mutuamente”. Para David Munir, a receita estende-se a todas as religiões e destaca o papel da política no desenrolar das relações inter-religiosas.
Por seu lado, D. Manuel Linda acredita que os cristãos podem contribuir para equilibrar e mediar o diálogo entre as duas grandes potências no Médio Oriente como um “fiel da balança que pode ajudar entre as duas fações do islamismo”, “os cristãos podem ajudar a isso porque são pessoas abertas, tolerantes e dialogantes”.
Convivência das religiões em Portugal
Tanto o Sheik da Mesquita Central de Lisboa como o Bispo do Porto defendem o diálogo inter-religioso e reforçam que, em Portugal, as múltiplas crenças se respeitam entre si. “Em Portugal, temos uma boa convivência entre os religiosos. Não temos um problema religioso entre as pessoas, das suas crenças. Tem sido exemplar, temos tido vários encontros inter-religiosos, cada um respeita o outro”, começa por afirmar David Munir.
David Munir garante que, na Mesquita Central de Lisboa, não há distinção entre fações e acrescenta que todas as congregações são bem-vindas a visitar o espaço: “Os muçulmanos dão-se bem com os cristãos, com os hindus, com os judeus, com os agnósticos, com os ateus, e vice-versa. Várias pessoas têm utilizado a mesquita, não diria agora, por causa da pandemia, mas nós nunca impomos a ninguém a nossa crença, mas sempre dispostos para o diálogo e cidadania, uma boa convivência e de não incomodar o seu próximo”.
Já no Porto, a fraternidade entre religiões há muito que é posta em prática como clarifica o Bispo da cidade, “nós levamos isto muito a sério, não são só os conselhos do Papa, é a doutrina da Igreja”. A “Invicta” conta com uma comissão dedicada a este tema, cuja finalidade é visitar os diferentes grupos religiosos e “oferecer-lhes a nossa colaboração se alguma coisa pudermos ser uteis”, como explica o Bispo da Diocese do Porto.
“Não mais guerras de religião. Os que acreditam em Deus, ou seja, a noção que tenham desse Deus, acreditam num Deus bondoso, amoroso. Como é que nós, os seus seguidores, podemos fazer guerras? Isso jamais”, encerra D. Manuel Linda.
Artigo editado por João Malheiro