Depois de várias candidaturas derrotadas, Berlim foi finalmente escolhida como a cidade para receber a VI Olimpíada. Durante muitos anos, os alemães viram-se como uma reencarnação da Grécia Antiga, de tal forma que foram os responsáveis pela escavação e descoberta do Estádio Olímpico em Olímpia, onde durante milhares de anos os Jogos Olímpicos (JO) se realizaram. Desejosos de receber o evento desde o seu regresso em Atenas, 1896, viram a sua vontade ser finalmente premiada em 1911.
As preparações tinham começado antes disso, logo ao virar do século, mas a falta de apoio a nível governamental fez fracassar as candidaturas às Olimpíadas de 1908 e 1912. Ainda assim, o Comité Olímpico Internacional (COI) sinalizou com antecedência que a Alemanha começasse a preparar o evento de 1916. O Estádio Olímpico começou a ser construído na pista de corridas de cavalos de Grunewald, foi obtido um empréstimo do governo e Otto March juntou-se ao projeto como arquiteto.
Havia apenas um problema: o fracasso dos atletas germânicos nas cinco primeiras edições, sem a conquista de qualquer medalha de ouro. O desporto estava, por isso, aquém dos feitos militares e comerciais do país, pelo que o Comité Olímpico Alemão tratou de enviar uma comissão de quatro pessoas aos Estados Unidos para aprenderem e adaptarem a metodologia de treino dos americanos. Tal como sucedeu 20 anos mais tarde com Adolf Hitler, os JO foram encarados como um instrumento político para impressionar o mundo com as conquistas e feitos dos alemães.
A 4 de junho de 1914, o COI reuniu-se em Sorbonne, Paris, para celebrar o 20º. aniversário da formação do Comité Olímpico Internacional, momento em que a bandeira olímpica dos cinco anéis foi desvendada pela primeira vez. Devido à preparação meticulosa do país organizador, as expectativas eram positivas para a VI Olimpíada, apesar do crescimento do nacionalismo e militarismo na Europa.
O inevitável cancelamento de Berlim 1916
O cenário acabaria por mudar quando, a 28 de junho de 1914, um assassino sérvio matou o arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do trono austro-húngaro, em Sarajevo. Um mês depois, a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia, com o apoio da Alemanha que, por sua vez, declarou guerra à Rússia e França. Arrancava assim a Primeira Guerra Mundial.
Apesar das esperanças de Pierre de Coubertin, presidente do COI, de que a vontade de receber os Jogos Olímpicos travasse as investidas militares alemãs, tal não aconteceu. A Alemanha invadiu a Bélgica, país neutro, e a Grã-Bretanha juntou-se aos Aliados na guerra contra os imperialistas.
Convencidos de que a guerra seria curta, os alemães continuaram com os preparativos para receber o evento e, apesar das várias candidaturas de cidades dos Estados Unidos, Coubertin rejeitou retirar os JO a Berlim, apesar de ter reconhecido numa carta enviada à Associated Press que estes se poderiam não realizar.
A guerra prosseguiu e no verão de 1916, com a civilização europeia dizimada, o Estádio Olímpico de Berlim permaneceu vazio. A VI Olimpíada estava cancelada. A bandeira da paz só voltaria a ser vista na Europa dois anos mais tarde e a bandeira olímpica somente em 1920.
A atribuição dos jogos a Berlim foi um reconhecimento do seu tremendo e crescente interesse no desporto. 1916 deveria ter sido o ano em que a Alemanha seria capaz de demonstrar a sua valia atlética e capacidade para organizar os melhores Jogos Olímpicos de sempre. A Primeira Guerra Mundial impediu que isso acontecesse e os germânicos só voltariam a participar nas Olimpíadas em 1928.
Antuérpia 1920: O regresso dos Jogos
Ainda em fase de rescaldo do conflito armado que antecedeu a competição, os Jogos Olímpicos regressaram em 1920 e com Antuérpia a ser a cidade anfitriã do evento, naquela que foi uma mudança de última hora. Devido aos seus papéis na Grande Guerra, o COI, reunido em sede de Lausanne, em 1919, optou por não convidar a Alemanha, a Áustria, a Bulgária, a Turquia e a Hungria, o que levou à retirada da VII Olimpíada a Budapeste.
Com esta decisão, o Comité quis castigar os perdedores da Primeira Guerra Mundial e premiar a Bélgica, país que apesar de uma postura neutra, foi altamente afetado pelo conflito. Com a economia em mau estado, nem mesmo o empenho do Rei Alberto I na organização do evento desportivo impediu que a cidade tivesse dificuldades em receber a competição.
Para tentar cobrir os avultados prejuízos, os organizadores fixaram preços muito elevados para os bilhetes, o que afastou os adeptos dos recintos e fez com que nenhuma prova em Antuérpia tivesse sido vista por mais do que seis mil pessoas.
A estreia oficial dos “cinco anéis”
Embora a cerimónia de abertura tenha ocorrido no Estádio Olímpico a 14 de agosto, a VII Olimpíada começou com as provas de desportos de inverno. Entre 23 e 30 de abril, um torneio de Hóquei no Gelo, naquela que foi a primeira vez que a modalidade marcou presença nos JO, decorreu no Palácio do Gelo, em Antuérpia. As condições climatéricas da cidade levaram à antecipação desta modalidade, assim como a Patinagem Artística. Esta seria a última vez que uma mesma Olimpíada teria modalidades de verão e inverno.
Na cerimónia presidida pelo Rei Alberto I, a bandeira olímpica foi pela primeira vez revelada ao público. Os cinco anéis representavam os continentes e o fundo branco simbolizava a paz. Para além disso, à imagens dos Jogos da Antiguidade, houve um juramento prestado por um atleta e a largada de pombos, outro apelo à paz, foi recuperada de Atenas 1896.
Ethelda Bleibtrey: Liderar por exemplo
Com apenas 18 anos, a norte-americana Ethelda Bleibtrey fez história ao vencer todos os eventos de natação feminina incluídos no programa dos JO de Antuérpia. Não só venceu, como bateu os recordes mundiais nos 100 e 300 metros livres e nas estafetas 4×100 metros. Foram três medalhas que poderiam ter sido quatro, uma vez que a jovem era ainda recordista dos 100 metros costas, prova que não fazia parte do programa olímpico.
Ainda assim, a sua história começa um ano antes, quando em 1919, na Manhattan Beach, Bleibtrey removeu as meias elásticas (stockings) antes de nadar. Numa altura em que a convenção social ditava que as mulheres tinham de cobrir as pernas quando nadavam, este foi considerado um ato de “nudismo” e a americana foi detida. No entanto, devido à resposta negativa que a detenção originou, a nadadora não só não foi sancionada, como levou à decisão de que as mulheres poderiam começar a nadar sem ter de cobrir as pernas.
Também no plano feminino, Suzanne Lenglen, uma das melhores tenistas de todos os tempos, venceu a medalha de ouro em Antuérpia, cedendo apenas quatro jogos de serviço às adversárias nos cinco encontros que disputou até ao título. Venceu também o ouro em pares mistos e o bronze em pares femininos. Atualmente, dá o nome a um dos principais courts do recinto de Roland Garros.
Finlândia, uma nova potência
Ainda que o nível desportivo não tenha sido o mais elevado, devido ao reduzido período de preparação durante os anos que antecederam a competição, foram batidos treze Recordes Olímpicos e estabelecidos seis Recordes Mundiais no Atletismo, onde uma nova potência emergiu: a Finlândia.
A competir pela primeira vez como país independente, os finlandeses dominaram as provas de fundo, com destaque para Paavo Nurmi, nome que começava aqui a ficar gravado na história dos JO. Quinze títulos e muitos lugares honrosos colocaram a Finlândia no lote dos países mais galardoados, ainda que os Estados Unidos tenham voltado a encabeçar o quadro de medalhas.
Portugal participou com 14 atletas, distribuídos por esgrima e tiro, mas o melhor que conseguiu foi um quarto lugar no concurso de espada por equipas.
Entre outros factos interessantes da VII Olimpíada estão Oscar Swahn, o mais velho medalhado dos Jogos Olímpicos, com 72 anos, as cinco medalhas de ouro do italiano Nedo Nadi na esgrima, a primeira medalha de ouro para o Brasil, graças a Guilherme Paraense, e ainda a despedida do Jogo da Corda (Tug of War) das Olimpíadas.
Paris 1924: A redenção da capital gaulesa
Graças à influência de Pierre de Coubertin sobre o COI, Paris teve oportunidade de receber pela segunda vez os JO, numa tentativa de se redimir do fiasco organizativo da II Olimpíada. Ainda que atrasos nas construções tenham levantado a possibilidade de mover o evento para Los Angeles ou Amsterdão, tal não foi necessário, e a capital apresentou, desta vez, boas infraestruturas para a competição, como o Estádio de Colombes e a Piscina de Tourelles.
Para além de terem sido os primeiros Jogos reservados, de forma exclusiva, às modalidades de verão – Chamonix recebeu, entre 25 de janeiro e 5 de fevereiro do mesmo ano, a Semana dos Desportos de Inverno, que mais tarde seria determinada pelo COI como as primeiras Olimpíadas de Inverno -, Paris 1924 foi também a primeira edição em que os atletas ficaram alojados numa aldeia olímpica, construída de propósito para o evento, ainda que as casas de madeira não fossem bastante cómodas.
A VIII Olimpíada marcou também a introdução do eterno lema: “Mais rápido, mais alto, mais forte” (Faster, Higher, Stronger, em inglês, e Citius, Altius, Fortius, no latim original). As palavras terão sido primeiro proferidas por Henri Didon, um padre dominicano, na abertura dos eventos desportivos de uma escola, em 1881. Pierre de Coubertin estava presente nesse evento e decidiu adotá-las como lema olímpico. Tinha como propósito expressar as aspirações do Movimento Olímpico no sentido atlético e técnico, mas também de um ponto de vista moral e educacional.
Em relação a Antuérpia 1920, houve um aumento do número de atletas (de 2622 para 3088) e do número de países, com 44 nações em competição.
Nurmi e o poder finlandês nas provas de fundo
Depois de já ter chegado ao ouro em Antuérpia, Paavo Nurmi voltou à ribalta ao conquistar a última competição individual de corta-mato da história olímpica, uma prova extremamente exigente que, devido ao calor elevado, viu apenas 15 dos 38 participantes cortarem a linha de meta.
Na companhia do compatriota Ville Ritola, que venceu a prova dos 10 mil metros, Nurmi impressionou ainda mais, quando venceu a final dos 1500 metros e, poucos minutos depois, iniciou e ganhou a prova de cinco quilómetros. No total, foram cinco medalhas de ouro conquistadas pelo atleta finlandês em Paris, espalhadas entre provas individuais e de equipa.
Também no Atletismo, Harold Osborn, atleta norte-americano, conseguiu uma proeza inédita nos JO até então, ao ganhar o decatlo e vencer uma prova individual, o salto em altura.
Dos Jogos Olímpicos para a sétima arte
Eternizados pelo filme “Chariots of Fire” ficaram os feitos dos ingleses Harold Abrahams e Eric Liddell. Abrahams tornou-se o primeiro europeu a conquistar o título olímpico nos 100 metros, enquanto Liddell venceu, de forma inesperada, os 400 metros e estabeleceu um novo Recorde Mundial na distância.
Também ligada ao cinema está a história de Johnny Weissmuller. A representar os Estados Unidos, o atleta que começou a praticar desporto por recomendação médica, devido aos sinais de raquitismo que apresentava em tenra idade, venceu três medalhas de ouro em Natação e uma de bronze no Pólo Aquático. Anos mais tarde, seria o escolhido de Hollywood para interpretar o papel de Tarzan no grande ecrã.
A primeira medalha portuguesa
Com uma comitiva de 30 atletas, Paris 1924 foi também o palco da primeira medalha olímpica conquistada por Portugal. António Borges d’Almeida, cavaleiro, Hélder de Souza Martins, General de Exército, e José Mouzinho de Albuquerque, Coronel de Cavalaria e Comandante da Guarda Nacional Republicana, foram os responsáveis pelo primeiro bronze nacional, na prova de saltos de Hipismo por equipa.
Naqueles que foram os últimos JO organizados sob a batuta de Coubertin, foi ainda fixada a distância da Maratona nos 42.195 quilómetros e houve o reconhecimento da Irlanda como nação independente. Estas Olimpíadas marcaram também a despedida, ainda que temporária, de modalidades como o Râguebi e o Ténis.
Amsterdão 1928: A primeira chama
Também uma candidatura que precisou de várias tentativas falhadas, até, finalmente, lhe ser concedida a oportunidade receber os Jogos Olímpicos, a cidade holandesa recebeu 2.883 atletas de 46 países e construiu um estádio de raiz para o evento, naquele que seria o primeiro Estádio Olímpico a contar com uma pista de Atletismo de 400 metros, algo que se tornou norma desde então.
Sem o apoio financeiro do governo holandês, os organizadores seguiram a estratégia adotada por Antuérpia e elevaram os preços dos bilhetes. No entanto, em 1928, o Desporto atraía multidões muito superiores, o que permitiu colmatar os prejuízos e garantir números bastante elevados de espectadores.
Quase 252 mil espectadores pagantes assistiram às 17 partidas de futebol, 130 mil ao torneio de atletismo, 57 mil às provas de equitação, 53 mil ao hóquei em campo e 51 mil às jornadas de natação. A alta afluência de público acabou por criar problemas logísticos, obrigando a organização a ter de construir um parque de estacionamento para 3500 automóveis e 5000 bicicletas.
Tradições que vieram para ficar
Os JO de Amesterdão, que marcaram o regresso da Alemanha ao evento, 16 anos depois da sua última participação, marcaram também o início de várias tradições que ainda se mantêm. A prova realizou-se em apenas 16 dias, duração que ainda se verifica nos dias de hoje, e houve, pela primeira vez, uma chama olímpica, alimentada a petróleo, que se manteve acesa durante todo o período de competição.
A IX Olimpíada introduziu também a norma do desfile dos países na cerimónia de abertura, começando pela Grécia, país que deu origem aos Jogos Olímpicos, e terminando com o país anfitrião, neste caso, a Holanda. Este foi igualmente o primeiro evento a receber a designação oficial de “Jogos Olímpicos de Verão”.
Em termos desportivos, Paavo Nurmi e Johnny Weissmuller voltaram a estar em destaque, enquanto o japonês Mikio Oda, vencedor do Triplo Salto, tornou-se no primeiro asiático a conquistar um título olímpico. De notar também que Amesterdão abriu finalmente as portas do Atletismo às mulheres, consequência direta do afastamento de Coubertin.
Na edição em que a Coca-Cola fez a primeira aparição como patrocinadora, houve ainda espaço para a vitória de aristocratas: o inglês Lord Burghley e o velejador norueguês Príncipe Olavo.
Por sua vez, Portugal voltaria a conquistar um bronze, desta vez na Esgrima. Henrique da Silveira, Paulo d’Eça Leal, Frederico Paredes, João Sassetti e Mário de Noronha foram os autores da proeza na prova coletiva de espada.
Ainda assim, uma das histórias mais caricatas do evento tem como protagonista Henry Pearce, remador australiano, que, a meio dos quartos de final, parou de remar para deixar passar uma família de patos. Mesmo com essa paragem, acabaria por ganhar a corrida e, na final, conquistar a medalha de ouro.
At Amsterdam 1928, Australian sculler Bobby Pearce stopped rowing to let a family of ducks pass. 🦆🦆🦆 @AUSOlympicTeam @WorldRowing pic.twitter.com/c2N0P4NVgE
— Olympics (@Olympics) October 8, 2019
Los Angeles 1932: os valores olímpicos
Também à procura de redenção depois do fracasso de St. Louis 1904, os Estados Unidos retificaram a sua imagem perante o mundo desportivo ao receber a X Olimpíada. Ainda que Paris tenha sido responsável pela primeira Aldeia Olímpica, os norte-americanos elevaram o conceito para outro patamar, ao construir instalações luxuosas onde foram oferecidas comodidades pouco comuns na época, como lavandarias, saunas e massagens.
No entanto, apenas os atletas do sexo masculino, cerca de 1.300 no total, ficaram alojados nesse espaço, enquanto as 120 mulheres inscritas foram recebidas pelos hotéis de Los Angeles. Esta edição dos JO ficou também marcada pelo decréscimo de países participantes e atletas em competição. Nos anos 30, as viagens intercontinentais ainda eram uma aventura inacessível a muitos e mais de 38 nações abdicaram da participação.
Como seria de esperar e à imagem do que sucedeu em praticamente todas as edições anteriores, os Estados Unidos dominaram o medalheiro. Ainda assim, a X Olimpíada afirmou os primeiros passos do Japão como potência desportiva. Yasuji Miyasaki, nadador que conquistou duas medalhas de ouro, foi um dos muitos atletas nipónicos a dar nas vistas durante a competição.
Mildred Didrikson, uma mulher de muitos talentos
Falar dos JO de Los Angeles é sinónimo de falar de Mildred Didrikson, a norte-americana que conseguiu a proeza única de conquistar medalhas em disciplinas de corrida, de lançamento e de salto. A atleta venceu o ouro nos 80 metros barreiras e no lançamento do dardo, ficando-se pela prata no salto em altura por ter utilizado uma técnica considerada ilegal pelos juízes.
Devido às restrições impostas às mulheres – só podiam participar num máximo de três eventos -, Didrikson não pôde competir no lançamento do disco, salto em comprimento e nas estafetas, onde os seus resultados anteriores indicavam que também pudesse lutar pelas medalhas, tal como nos 200 metros e no Pentatlo, provas que não integravam o programa olímpico.
A cidade californiana foi também palco de gestos de enorme desportivismo. Um atleta recusou receber uma medalha por achar que esta pertencia a um adversário e um vencedor cortou a medalha de ouro a meio e entregou uma das partes ao segundo classificado, dois atos que demonstraram o melhor lado do espírito olímpico, ainda que nem tudo tenha corrido bem.
Paavo Nurmi, o finlandês que acumulou medalhas em Antuérpia, Paris e Amesterdão, foi impedido de participar por estar registado como profissional, enquanto que a prova de 3 mil metros obstáculos, acabou por ver os atletas percorrerem 3.460 metros, ou seja, uma volta extra, devido a um erro de um oficial.
A X Olimpíada marcou ainda a estreia do pódio dos vencedores. Portugal participou com apenas meia dúzia de atletas.
Berlim 1936: Owens entre o domínio germânico
Indissociáveis do movimento nazi, os Jogos Olímpicos de 1936 foram encarados por Adolf Hitler como uma oportunidade de demonstrar a força da raça ariana, num momento em que os olhos do mundo estavam concentrados em Berlim. A vontade de mostrar a superioridade germânica era tal, que o chefe de estado disponibilizou um orçamento quase ilimitado, tanto para acautelar a logística da organização, bem como para apoiar a preparação dos seus atletas.
Com a construção de um moderno centro de treino na Floresta Negra, os desportistas-trabalhadores foram dispensados dos empregos para se focarem nos treinos. Os esforços do Fuhrer deram frutos, com a Alemanha a contrariar o habitual domínio dos Estados Unidos da América e a conseguir encabeçar pela primeira vez na história olímpica o quadro geral das medalhas.
A desfeita de Jesse Owens
Entre cruzes suásticas e saudações nazi, não foi um homem alto e louro que se tornou a grande figura do evento, mas sim um negro. Jesse Owens, atleta norte-americano, inscreveu o seu nome nos anais da história dos JO, com a conquista de quatro medalhas de ouro, e outros tantos recordes olímpicos, perante o olhar de Hitler.
Os feitos de Owens tornam-se ainda mais impressionantes por terem sido alcançados no Atletismo, a modalidade-rainha dos Jogos Olímpicos. Para além disso, o norte-americano produziu ainda uns dos mais impressionantes 45 minutos da história do desporto, ao estabelecer cinco recordes mundiais e igualar um sexto. Refira-se que a participação de Owens chegou a estar em dúvida depois de uma queda nas escadas do seu dormitório, na Universidade de Ohio.
Apesar disso, os Jogos de 1936 acabaram por ser um excelente meio de propaganda da Alemanha expansionista, com vários países e atletas a cederem às diretivas de efetuar a saudação nazi durante a competição. A Grã-Bretanha foi uma das nações que recusou, em toda a linha, fazê-lo.
Fora do complexo panorama político, a XI Olimpíada teve também marcos positivos. Os recordes de atletas (3.963) e de países (49) foram batidos. Apesar dos muitos apelos em sentido contrário e boicotes de alguns atletas judeus, houve pela primeira vez cobertura televisiva e a captura integral do evento em filme. Inédita foi, igualmente, o transporte do facho desde Olímpia até à cidade anfitriã dos JO, numa mega-estafeta que envolveu milhares de atletas.
Betty Robinson, um exemplo de superação
Outras das histórias notáveis de Berlim 1936 foi a de Betty Robinson, que ajudou as estafetas de 4×100 metros norte-americanas a bater as favoritas alemãs. Contudo, são os acontecimentos antes do evento que tornam esta conquista tão impressionante. Depois de ter sido a primeira mulher a ganhar uma medalha de ouro no Atletismo, ao vencer a prova de 100 metros em Amesterdão 1928, Robinson esteve envolvida num acidente de avião em 1931.
Gravemente ferida, o seu corpo foi encontrado no meio dos destroços e assumiu-se, erroneamente, que estava morta. Depois de ser transportada até um coveiro, descobriu-se que afinal não tinha falecido, mas que estava em coma. Acordaria sete meses depois e teria de esperar mais dois anos até conseguir andar normalmente. Devido à extensão da lesão, teve de falhar os JO de Los Angeles, no seu país. Ainda regressaria à competição olímpica a tempo de se tornar mais um exemplo de resiliência e superação do maior evento desportivo do mundo.
91 years ago today Betty Robinson made history by becoming the youngest and first ever 100-meter Olympic champion. This is her incredible story. pic.twitter.com/CIKtm7SYh0
— Olympics (@Olympics) July 31, 2019
Numa edição que marcou a estreia do Basquetebol e da Canoagem como modalidades olímpicas, Portugal conquistou mais um bronze, na prova de Hipismo de obstáculos, denominada de Prémio de Nações. José Beltrão, Domingos de Sousa Coutinho e Luís Mena e Silva foram os autores da proeza.
Com o despoletar da Segunda Guerra Mundial, em 1939, as Olimpíadas tiveram novo hiato e só voltaram a realizar-se em 1948, em Londres, doze anos depois. Esta e outras aventuras olímpicas no próximo capítulo do A a T.
Artigo editado por João Malheiro