A presidente da região de Madrid, Isabel Díaz Ayuso anunciou, a 10 de março, a dissolução do parlamento regional e a antecipação para 4 de maio de eleições que deveriam realizar-se somente em 2023.

Na origem desta decisão está a aliança, realizada horas antes em Múrcia, entre o Ciudadanos e os socialistas do PSOE, para afastar do governo da região do Partido Popular (PP) e da autarquia da sua capital, sobre o qual foram apresentadas duas moções de censura naquela comunidade e na câmara da capital da região.

Temendo um cenário semelhante em território madrileno, Isabel Díaz Ayuso antecipou-se e decidiu agir, como habitualmente, exercendo o poder ao ataque: Dissolveu a assembleia regional, colocando assim término no pacto subscrito há dois anos com o Ciudadanos.

De destacar que o partido catalão (C’s) governava com o PP quatro comunidades autónomas até à rutura na região do Sudeste de Espanha e respetiva aliança com o PSOE na manhã da passada quarta-feira, agudizando ainda mais a fragmentação latente na ala direita espanhola.

“Socialismo ou Liberdade”

Ayuso anunciou a deliberação de antecipar as eleições numa conferência de imprensa sem direito a perguntas por parte dos jornalistas, argumentando que “a instabilidade institucional causada pelo Ciudadanos, o PSOE e outros partidos de esquerda em Múrcia, e já há muito tempo noutras regiões autónomas, e mesmo em municípios da própria comunidade de Madrid” foram as causas desta dissolução.

“É o momento de pensar em grande e de pensar em nós mesmos. Madrid precisa de um governo estável, ideias claras, soluções ambiciosas e sentido de estado”, disse a dirigente de 42 anos cuja oposição frontal ao governo do país, no que diz respeito às medidas de combate à pandemia, a têm levado a ofuscar o líder do seu partido, Pablo Casado.

Quero que os madrilenos escolham entre socialismo e liberdade”, acrescentou, numa mensagem via Twitter, fazendo uma referência à coligação no poder em Espanha, que junta socialistas e a esquerda do Unidas Podemos.

Relação a ferro e fogo

A relação de Ayuso com o parceiro de coligação não era a melhor e não foi a primeira vez que se perspetivou o cenário de eleições antecipadas – as aproximações da dirigente conservadora à extrema-direita do Vox foram um dos motivos para o afastamento entre os dois políticos.

Agora, a rutura aconteceu com certa naturalidade, juntamente com acusações de parte a parte, exacerbando o ambiente de crispação entre ambos. O até agora vice-presidente da região, e membro do Ciudadanos, Ignacio Aguado, resumiu a decisão da presidente demissionária como um “capricho pessoal e eleitoral“, destacando tratar-se de uma “irresponsabilidade absoluta”.

Um dos mais rápidos a reagir aos tumultos de Múrcia foi o partido de extrema-direita Vox, na pessoa do seu líder Santiago Abascal que, entretanto, já se posicionou a favor da tomada de decisão de Ayuso, oferendo os seus préstimos como “parceiro fiáveis”.

Numa tentativa de prever a formalização da dissolução da assembleia regional por parte de Ayuso, os grupos parlamentares do PSOE e Más Madrid registaram propostas de moções de censura que foram acolhidas pela mesa da assembleia.

A probabilidade de serem aceites e debatidas é reduzida, uma vez que o decreto de Ayuso sobrepõe-se às moções, que foram entregues depois da dissolução, como defendem cinco juristas consultados pelo La Razón. Os socialistas asseguram que o acordo com a direita do C’s se limita a Múrcia, na qual a situação política era “insustentável”, não havendo um “pacto global”.

O partido liderado por Inés Arrimadas (C’s) alegou a existência de uma série de escândalos que puseram em causa a continuidade da coligação, nomeadamente uma polémica relacionada com a vacinação irregular de um conselheiro do PP, entretanto demissionário, e de 400 funcionários do serviço regional de saúde e, aquela que terá sido a gota de água, a abertura do presidente da comunidade, Fernando López Miras, no que concerne à aprovação do voto parental, uma proposta do Vox que faz depender a participação dos alunos em quaisquer atividades escolares de uma prévia autorização dos pais.

Inés Arrimadas, líder do Ciudadanos. Foto: Fundación Cajo

 

Após a dissolução em Múrcia e na região de Madrid se consumarem, o mapa político regional e local espanhol poderá continuar a redesenhar-se. Pouco depois do conflito murciano, o PSOE anunciou nova moção de censura, desta feita ao presidente de Castela e Leão, contudo a jogada política não reuniu o apoio do Ciudadanos nesta Comunidade Autónoma.

O triângulo PP, C’s e Vox

A aposta de Isabel Díaz Ayuso, presidente da Comunidade de Madrid, de 42 anos, ao dissolver a assembleia regional é a de ganhar nas urnas e cimentar a sua posição, algo que não se verificou em 2019 – no último sufrágio, o PP manteve-se no poder na região graças ao acordo com o partido de Inés Arrimadas e com o apoio parlamentar externo da extrema-direita (Vox) – e com uma maioria absoluta que impeça o PP de ficar dependente de outros partidos.

O problema é que esse cenário parece distante nas sondagens, que apesar de lhe darem a vitória, a deixam, novamente à mercê do Vox, a terceira força política na região da capital. Embora o partido de Santigo Abascal já tenha estendido a mão a Ayuso por uma ocasião, outra eventual aliança poderá significar a inclusão numa coligação.

Um panorama que representa um duro golpe para a liderança de Pablo Casado, no PP, cuja estratégia passava por reunificar o centro-direita (depois de ter assinalado a sua distância face ao Vox).

Quanto ao Ciudadanos, que ainda se encontra a recuperar do desaire eleitoral de novembro de 2019, no qual perdeu 47 deputados em relação aos conquistados seis meses antes, esta via política pode significar uma importante conquista, numa altura em que o partido catalão atravessa um período de profundas dificuldades no qual passou de ser a terceira força política no Congresso espanhol em abril, para a quinta posição, no pior resultado em legislativas.

Se à direita o cenário está traçado, a ala esquerda parlamentar não fica imune, com o Podemos a interpretar a moção de censura em Múrcia como uma tentativa do PSOE para resgatar o C’s para o centro. Assim, o terramoto político que aconteceu em diferentes geografias de Espanha é responsável por redefinir o tabuleiro político do centro-direita e, paralelamente, acentuar a visível fragmentação de uma Espanha pós-bipartidarismo.

Artigo editado por João Malheiro