Apesar de algumas escolas terem fechado antes, foi a 12 de março de 2020 que o Governo suspendeu, oficialmente, todas as atividades letivas presenciais das escolas do país. Um ano volvido, alguns estudantes não mais se sentiram confortáveis para voltar. Do pré-escolar ao universitário, três histórias de quem ainda receia as atividades presenciais.

Beatriz Ramos Falcão tem 21 anos e estuda Direito na Universidade do Minho, em regime pós-laboral. A pandemia apanhou o final do seu segundo ano, feito, maioritariamente, com aulas à distância. Sobre isso, não tem queixas. “Foi um semestre muito diferente daquilo a que estávamos habituados, mas foi um semestre que, dentro de todo o quadro do que se estava a passar, conseguiu ser mais ou menos normal”, conta ao JPN.

Terminado o segundo ano, o verão foi passado com “entusiasmo” na perspetiva de ser possível regressar à faculdade. A aluna universitária admite que sentia saudades de estar na sala de aula, de conviver com os colegas. Já para não falar de que “estar quatro horas numa sala e à frente do computador são coisas totalmente diferentes”, relembra.

“Só que voltar foi tudo aquilo que eu não esperava que fosse”. Beatriz Falcão é uma das estudantes portuguesas que, desde o início da pandemia, só conseguiu marcar presença física dentro de uma sala de aula por três dias. A razão? O medo.

Em outubro, no início do seu terceiro ano, as aulas decorriam em regime híbrido. No entanto, como faz parte de uma turma pós-laboral, constituída por cerca de 25 pessoas, “não houve necessidade de fazer turnos”. Desta forma, dos cinco dias de aula, um era em ensino à distância, os outros quatro presenciais. Mas Beatriz não conseguia estar à vontade dentro da sala.

“Ir para a universidade era estar em medo constante. Era eu estar numa sala ou num auditório e não me conseguir abstrair do facto de que estava dentro de uma sala com outras pessoas. Não me conseguia abstrair do facto de que aquela mesa podia não ter sido desinfetada, que as pessoas podem não desinfetar as mãos ao entrar. Gerava desconforto e ansiedade. Cada dia que eu ia à universidade eram três depois que eu tinha que passar em casa. Cheguei a ficar mesmo doente”, relata ao JPN.

Houve uma semana, explica, em que conseguiu ir dois dias consecutivos, segunda e terça-feira, mas foram as últimas vezes que entrou dentro da academia que tanto gosta. Depois, teve de ficar três semanas em isolamento. A partir daí, não houve volta a dar. Até hoje, não voltou a marcar presença física na Universidade.

Beatriz Ramos Falcão a preparar para entrar em mais uma aula através do ensino à distância.

As duas cadeiras semestrais ficaram por fazer. Isto porque, explica, apenas os alunos doentes de risco ou que estavam em isolamento tinham a possibilidade de assistir às aulas online. Houve algumas aulas que conseguiu ter em conjunto com os alunos de ensino diurno, mas a “98% das aulas do primeiro semestre”, faltou.

Neste segundo semestre do seu terceiro ano, mostra-se mais “descansada”, porque as aulas, em regime de ensino à distância, vão-se manter assim até ao dia 19 de abril, de acordo com o plano de desconfinamento apresentado pelo Governo, na quinta-feira (11). Se voltarem ao modelo híbrido, acredita que haverá mais “tato” por parte dos docentes, isto porque, defende: “eu não tenho de ser um doente de risco par estar em casa”.

Sobre voltar à faculdade presencialmente, a condição é apenas uma: “vacinados. Um dos meus medos é eu ficar infetada, mas também é trazer para casa, ser um portador silencioso para a minha família” e, por isso, só com a família vacinada é que volta a pisar a faculdade, garante.

“Pensei em desistir da escola”

O dia 12 de março de 2020 não é estranho a Margarida Ouroso. Já estava em casa há uma semana devido a um problema de saúde que “não permitia que saísse”, explica. Quando foram fechadas as escolas, não houve outra solução a não ser manter-se assim – até hoje.

Na altura, estava a terminar o 12.º ano, no curso profissional de técnico de operações turísticas. Mas foram meses “complicados”. Ambos os pais são doentes de risco, e “como não havia assim tanta segurança na escola como faziam pensar”, optou por ficar por casa, apesar de saber que isso a iria prejudicar nas suas classificações finais.

À semelhança de Beatriz Falcão, a jovem de Vila do Conde não tinha nenhum comprovativo que lhe permitisse ter as aulas em formato de ensino à distância. Por isso, quando as aulas recomeçaram, a matéria só chegou até ela por colegas ou pela “bondade” dos professores: “Ao falar com os professores, eles prontificaram-se todos a ajudar a quem não tivesse atestado e estivesse em casa como eu estava”. Mas não era a mesma coisa: “Não estive em risco de reprovar e não fazer o 12.º ano porque tinha boas notas, mas não tinha acesso à matéria como eles tinham na aula”.

Com o diploma de término de secundário na mão, mas com uma média mais baixa do que a esperada, viu o sonho de ingressar na faculdade sem efeito. Para compensar, tinha uma promessa de emprego, mas perdeu-a devido às restrições da pandemia que afetaram a área hoteleira. Nem a terceira opção, área de gestão de eventos, outra das áreas afetadas pela pandemia, foi uma oportunidade para Margarida.

Margarida tem 21 anos e está, agora, desempregada. Ao relembrar o ano passado, admite ter pensado na possibilidade de desistir – “Pensei em desistir da escola. Pensava mesmo que não ia conseguir” – mas manteve-se “firme” até ao final. Ainda em casa, apoia os pais e familiares mais próximos. Quanto ao futuro, vê-o com a esperança de que, eventualmente, vai chegar a sua oportunidade.

Ensino doméstico como alternativa

Miguel tem cinco anos e está mais do que habituado a fazer as suas rotinas, dentro e fora de casa. A mãe, Marta Braga, em conversa com o JPN, explica que foi assim desde sempre. Miguel entrou no pré-escolar com três anos, mas foi sempre o “último a chegar e o primeiro a sair”. A encarregada de educação explica: “Eu acho que a escola é um bom contributo, porque as crianças socializam com outras da mesma idade, e porque têm regras com adultos diferentes daqueles que estão em casa. Mas a minha filosofia é de que é muito mais vantajosa a experiência e universo que a casa lhes dá, que os pais lhes dão”.

Miguel e a mãe, Marta Braga, num dos seus momentos educacionais, em casa.

Desde há um ano para cá, Miguel teve umas “breves” passagens físicas pela escola, mas, devido à pandemia, Marta não se sentiu “confortável” em deixá-lo continuar a ir.

Em casa desde essa altura, a professora de dança explica que os dias são passados a descobrir e a aprender coisas novas, que vão desde ciência, desporto, geografia ao corpo humano e às emoções – isto sempre fugindo à televisão e aos ecrãs. “Eu faço questão que ele tenha o máximo de contacto com experiências desse género, com atividades fora da escola, fora de casa”. Apesar de continuar a realizar as atividades que a educadora sugere aos pais, que aos olhos de Marta são uma “forma mais leve de ele encarar a pandemia, porque via que os amigos estavam a fazer o mesmo que ele”, procurou sempre “dar-lhe de beber” do exterior.

Miguel ingressa em setembro na escola primária. Poderá ser mais um dos 723 alunos que, este ano letivo, optaram por seguir o ensino doméstico.

No entanto, Marta tem duas opções. Por um lado, a adoção do ensino doméstico: “Isto porque acho que a pandemia vai ficar, não se vai resolver até setembro. E, para além das minhas ideologias, sinto-me mais confortável se ele estiver resguardado”. Por outro, e se em setembro estiver “tudo mais tranquilo a nível de saúde pública”, Miguel pode ir para a escola. Se a escolha for esta última, Marta garante que o filho será sempre o último a chegar e o primeiro a sair.

Artigo editado por Filipa Silva