Aprovada para utilização na União Europeia a 29 de janeiro, a vacina da AstraZeneca continua a acumular polémicas. Algumas bastante sensíveis, como a que foi espoletada nos últimos dias, pelo aparecimento de eventuais efeitos secundários associados à toma do imunizante contra a Covid-19.

Vinte países europeus, entre eles Portugal, suspenderam total ou parcialmente o uso da vacina anglo-sueca da AstraZeneca. A Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla inglesa) irá clarificar nos próximos dias se existe uma relação entre a toma da vacina e a formação de coágulos sanguíneos que levaram à morte de quatro pessoas na Noruega e uma outra na Áustria.

Em conferência de imprensa realizada esta terça-feira (16), por videoconferência, a diretora da EMA, Emer Cooke, afirmou que “uma situação como esta não é inesperada. Quando se vacinam milhões de pessoas é inevitável que surjam incidentes deste tipo”.

Enquanto os países europeus mostram prudência, a AstraZeneca procura transmitir confiança, insistindo que não existe qualquer problema de segurança com a vacina.

No seu site, a farmacêutica informa que até 8 de março haviam sido administradas 17 milhões de vacinas produzidas pela empresa e que, até ao momento, “na UE e no Reino Unido, se registaram 15 eventos de TVP [Trombose venosa profunda] e 22 eventos de embolia pulmonar”, valores que estão abaixo até do que é habitual registar-se sem toma de vacina.
Até hoje, não existe evidência, sublinha a farmacêutica, de que exista uma relação causal entre a utilização da vacina e estes problemas de saúde.

A Organização Mundial de Saúde também se pronunciou ontem (15) sobre o tema. Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da organização, adianta que existe uma investigação em curso, mas que a distribuição da vacina deve continuar, já que não existem, até ao momento, evidências de que ela seja a causadora dos problemas graves de saúde que vieram a público.

Painel de peritos da EMA decide até quinta-feira

A EMA vê contudo razões para uma suspensão de base cautelar. Face a toda a informação que tem sido recolhida nos últimos dias, será necessário avaliar se estamos perante uma coincidência de eventos sem relação causal, ou se realmente os casos reportados são um efeito secundário da utilização da vacina.

O Comité de Avaliação de Riscos em Farmovigilância reúne-se esta terça-feira para avaliar os dados científicos à disposição, uma reunião que será aberta a outros especialistas, nomeadamente da área dos “distúrbios sanguíneos”, revela ainda a EMA em comunicado publicado ontem (15).

Nos últimos dias, acrescenta a directora da EMA, têm sido concluídos relatórios científicos adicionais que serão também avaliados pelo painel de especialistas.

Na próxima quinta-feira (18), esses peritos transmitirão finalmente à Agência os resultados da sua pesquisa, que os dará, por sua vez, a conhecer ao grande público. Cooke sublinha que é um dever da Agência tomar decisões com base em “factos”, que devem ser revistos pelos peritos, e fornecer a todos os cidadãos europeus “uma resposta clara baseada na ciência”.

Vacinação com a AstraZeneca tem sido envolvida em polémica. Foto: Miguel Marques Ribeiro

Para conhecer alguns detalhes do que está em causa com esta decisão, estão à disposição os comunicados das diversas autoridades nacionais em matéria de vacinação. O Instituto Paul- Ehrlicht, da Alemanha, país que suspendeu na segunda-feira (15) a utilização da vacina AstraZeneca, refere que é necessário avaliar a possibilidade desta contribuir para “uma forma especial de trombose venosa cerebral muito rara (trombose da veia sinusal) em conexão com uma deficiência de plaquetas sanguíneas (trombocitopenia)”.

A EMA sublinha, contudo, que, apesar de tudo o que tem sido reportado, “os benefícios obtidos com a toma da vacina da AstraZeneca na prevenção de Covid-19 superam os riscos de efeitos colaterais”.

Hesitação vacinal pode agravar-se

A vacina da companhia anglo-sueca, uma das quatro atualmente em uso na UE, viu-se envolvida em polémica ainda em pleno processo de autorização de utilização da vacina na União Europeia. No final de janeiro, a empresa anunciou que não seria capaz de entregar, durante o primeiro trimestre, os 100 milhões de unidades acordados.

A reação da União Europeia não se fez esperar, mas o melhor que conseguiu foi a promessa do fornecimento de mais 9 milhões de unidades.

Há poucos dias, confirmou-se novo atraso, avança a Reuters. A empresa anunciou que vai entregar no segundo quadrimestre apenas 70 milhões de unidades, em vez das 180 milhões previstas.

Sobre a vacina da AstraZeneca recaiu sempre a ideia de que seria menos eficaz do que os concorrentes mais directos. É verdade que o imunizante produzido pela companhia anglo-sueca não consegue alcançar os extraordinários 95% da Pfizer-BioNTech. Contudo, tem uma eficácia global comprovada de 82% após a segunda toma, valores nada desprezíveis e capazes de ajudar a pôr um travão à pandemia.

Em fevereiro, a África do Sul suspendeu a administração da vacina, depois da publicação de um estudo que sugeria uma baixa eficácia do produto contra a nova variante sul-africana. Mais tarde, o país ofereceu as vacinas já adquiridas à União Africana, e virou-se para a Johnson&Johnson a quem adquiriu 9 milhões de doses, adianta a CNN.

Como se isto não bastasse, vários países europeus não aprovaram de imediato o uso da vacina para maiores de 65 anos. Na Alemanha, por exemplo, essa decisão foi tomada só a 4 de março; em Portugal, apenas a 10 de março.

Todos estes factores podem ter gerado um efeito de hesitação vacinal relativamente ao imunizante da AstraZeneca. No final de fevereiro, um artigo do “The Guardian” referia que quatro em cada cinco vacinas adquiridas pela União Europeia a esta empresa continuavam por administrar.

Atento a este problema, o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas lamenta que “ideias infundadas” estejam a alimentar a “desconfiança dos(as) cidadãos(ãs) e o atraso no processo” de vacinação. O organismo, que reúne os estabelecimentos de ensino da área da medicina, denuncia o que classifica de decisões políticas resultantes da “pressão da cobertura mediática”, “em detrimento de fundamentos científicos”, não encontrando razões para a suspensão anunciada na segunda-feira (15) pelo governo.

Costuma dizer-se que o que nasce torto, jamais se endireita. Veremos se é esse ou não o caso da vacina da AstraZeneca. Os próximos dias ditarão, em boa medida, o futuro desta vacina dentro do espaço europeu.

Artigo editado por Filipa Silva

Artigo atualizado às 10h30 do dia 17 de março de 2021 com a posição do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas divulgado num comunicado conjunto destes estabelecimentos de ensino.