O episódio desta semana traz um período muito importante na história mundial e, consequentemente, na desportiva também. Os anos seguintes à Segunda Guerra Mundial moldaram o mundo como o conhecemos hoje, deixando-o esperançado, mas frágil, após o maior conflito político-militar de sempre.

 Como em muitos casos, o desporto serviu sempre o propósito de aglutinador dos povos, com os Jogos Olímpicos a serem o principal evento. Talvez num paradoxo, quanto mais séria e disputada for a prova entre pessoas de diferentes origens, línguas, credos e raças, mais amor sentem todos os envolvidos na mesma. Atletas, treinadores, adeptos, chefes de estado. O planeta parava para ver as Olimpíadas.

Londres 1948: O regresso depois do conflito

As XII e XIII Olimpíadas, que deveriam ter-se realizado em 1940 e 1944, acabariam por ser anuladas, devido à II Guerra Mundial. Após uma interrupção de 12 anos, os Jogos seriam disputados no Reino Unido, em 1948, de 29 de julho a 14 de agosto, com a participação de 4.104 atletas de 59 países, disputando 136 provas. 

Esta edição ficou também assinalada pela primeira presença dos países do Bloco de Leste, apesar da ausência da União Soviética. Em sentido inverso, a competição registou a ausência de grandes potências como a Alemanha e o Japão, dois dos países derrotados na Segunda Guerra Mundial.

A primeira medalha de prata portuguesa

Individualmente, os destaques ficaram por conta do norte-americano Bob Mathias, vencendo a prova do Decatlo com 17 anos e tornando-se, assim, no mais jovem desportista de sempre a vencer uma prova de atletismo nos Jogos Olímpicos.

A holandesa Fanny Blankers-Koen venceu quatro medalhas de ouro no atletismo (100 metros, 200 metros, 80 metros com barreira e revezamento 4×100). Casada e mãe de dois filhos, a atleta de 30 anos era recordista mundial de mais três provas individuais, mas as regras da época não permitiam a participação da atleta em mais provas. Ainda no atletismo, pela primeira vez, os atletas puderam utilizar blocos na largada para ganharem impulso.

 O húngaro Karoly Takacs também deu mostra de muita garra. Ele defendia a equipa nacional na competição de tiro, quando uma granada decepou a sua mão direita – a que ele usava para atirar. Assim, Takacs teve de aprender a atirar com a mão esquerda e com ela venceu a medalha de ouro nas Olimpíadas de 1948

No halterofilismo, o havaiano Harold Sakata ganhou a medalha de prata na categoria <85 quilos. Mais tarde, ele protagonizaria o papel do vilão Oddjob no filme “007 Contra Goldfinger“, da saga cinematográfica do agente secreto britânico James Bond.

Portugal participou no evento com 47 atletas, conseguindo conquistar, finalmente, a sua primeira medalha de prata, por intermédio de Duarte Bello  Fernando Bello, na prova de Vela (classe “Swallow”). A comitiva portuguesa alcançaria também a quarta medalha de bronze do seu historial, no concurso de “Dressage” (Hipismo), por Francisco Valadas Jr. e Luís Mena e Silva (também já medalhado em 1936).

Como chegaram as Olimpíadas a Londres

Após o cancelamento do Jogos Olímpicos de 1940, em Tóquio, devido à Guerra Sino-Japonesa (Japão contra a China) iniciada em 1937, o evento foi transferido para Helsínquia, na Finlândia, sem data previamente marcada. Mais uma vez a edição foi cancelada devido à Segunda Grande Guerra. O sueco Sigfrid Edstrom assumiu o Comité Olímpico Internacional (COI) e, mesmo com a “avalanche” de cidades norte-americanas que se candidataram para a retoma dos Jogos de 1948 (Baltimore, Los Angeles, Minneápolis e Filadélfia), além de Lausanne na Suíça, Londres foi a escolhida.

A opção britânica seguiu os moldes de Antuérpia 1920: Uma homenagem aos momentos críticos vividos pelo povo local, agora referente à Segunda Guerra. Assim, Londres receberia pela segunda vez as Olimpíadas, e mesmo com a cidade em reconstrução, os organizadores aceitaram o desafio e fizeram um dos melhores Jogos de todos os tempos. O famoso Estádio de Wembley foi totalmente restaurado para receber o evento.

Estes Jogos foram exemplo de perseverança. Um evento de sucesso e uma boa amostra do que o Mundo pós-Guerra poderia ser daí em diante. De Londres para Helsínquia, chamada ‘a jogo’ depois da suspensão olímpica em 1940.

Helsínquia 1952: Glória para Zátopek e a chegada dos Soviéticos 

A cidade de Helsínquia estava já preparada para receber os Jogos Olímpicos em 1940. Na altura, a Segunda Guerra Mundial obrigou ao cancelamento da prova. Mas a viagem à Finlândia não estava esquecida e, em 1952, a capital foi novamente escolhida para acolher a maior prova desportiva do mundo.

Na localização geográfica mais a norte de qualquer edição de uns Jogos Olímpicos de Verão, Helsínquia recebeu 4.955 atletas (519 mulheres e 4436 homens), em 149 provas espalhadas entre 19 de julho e 3 de agosto.

A estrela dos Jogos de Helsínquia foi Emil Zátopek. É um dos melhores corredores de sempre e foi nesta edição que garantiu que o seu nome estaria para sempre escrito nos livros históricos das corridas de longa distância. Ganhou os 5.000 e 10.000 metros em pista, feito por si só já alcançado por poucos, mas foi na maratona que fez mais furor. 

O checoslovaco, que nunca antes havia corrida nessa modalidade em competições oficiais, decidiu que queria participar na maratona desse ano. Como tinha algum receio sobre o ritmo que devia adotar, começou a corrida nos calcanhares do detentor do recorde do mundo na altura, o britânico Jim Peters. 

A dada altura, Zátopek pergunta a Peters sobre a velocidade a que a corrida estava a andar, e a resposta que teve, num tom irónico, foi que estava demasiado lenta. “A Locomotiva”, como ficou conhecido o corredor, decidiu, então, acelerar o passo e fugiu para a vitória. A menos de dez quilómetros do fim da prova, Zátopek já estava completamente sozinho na frente e sentia-se de tal forma confortável que ia falando com os polícias e as pessoas que acompanhavam a prova. Toda a sua atitude de boa-disposição, conjugada com a capacidade atlética inigualável, tornou-o num favorito dos adeptos, e os cânticos de “Zá-to-pek” ficaram eternizados na história olímpica.

A prova ficou também marcada pela chegada da União Soviética aos Jogos Olímpicos. Os soviéticos tinham estado em Londres como observadores e planearam com todo cuidado a entrada dos seus atletas nas competições. Em plena Guerra Fria, tinham uma aldeia olímpica apenas destinada a si e aos seus países aliados. Ainda assim, com a edição a correr bem e sem percalços, perto do final da competição a aldeia estava já aberta a qualquer atleta.

Apesar de terem sido os Estados Unidos da América a sair triunfantes no que diz respeito ao total de medalhas, a União Soviética mostrou que vinha para ganhar, e não apenas para competir. Os dados relativos aos números exatos de ouros, pratas e bronzes conquistados não são consensuais, mas os soviéticos terão ficado muito perto dos americanos, e bem distantes dos terceiros classificados da Hungria.

O domínio soviético na ginástica foi quase completo, com 18 medalhas, em apenas 13 provas. O grande destaque foi Viktor Chukarin. O ginasta acabou a competição com quatro medalhas de ouro e duas de prata. 

Foram também os primeiros Jogos Olímpicos abertos a atletas femininas no hipismo. Lis Hartel da Dinamarca foi uma das mulheres a competir, e mesmo paralisada dos joelhos para baixo, conseguiu a prata numa das provas. O Luxemburgo conquistou também a sua primeira e única medalha de ouro olímpica com Joseph Barthel nos 1.500 metros. Josy, como é conhecido o atleta, dá hoje nome ao estádio nacional do país.

Lis Hartel na prova de hipismo que lhe valeu a medalha de prata. Fonte: IOC

Apesar da prova de futebol olímpico não ser o grande destaque da modalidade, o torneio de 1952 presenciou o nascimento de uma das mais lendárias seleções de toda a história, a da Hungria. Os jogadores, liderados por Ferenc Puskas, não deixaram qualquer hipótese para os adversários, com um registo de cinco vitórias em tantos jogos, com 20 golos marcados e apenas dois sofridos.

A aposta portuguesa foi também bastante reforçada, com 71 atletas (apenas três do sexo feminino) a fazerem a viagem até à Finlândia. Os melhores resultados vieram, como já era habitual, na vela. Um quarto lugar na categoria de 5,5 metros, e medalhas de bronze para Joaquim Fiúza e Francisco Andrade na prova de “Star”.

Melbourne 1956: A confirmação da União Soviética

Depois da realização dos JO na Finlândia, o próximo destino era Melbourne, na Austrália. Conhecidos oficialmente como a XVI Olimpíada, estes foram os primeiros Jogos no hemisfério Sul, no Melbourne Cricket Ground. A cidade australiana foi eleita por apenas um voto de diferença, tendo ganho à cidade de Bueno Aires, na Argentina. No total, participaram mais de quatro mil atletas, representando 72 nações.

Tiveram lugar entre 22 de novembro e 8 de dezembro, mas o começo não foi o melhor. Graças às leis da quarentena que vigoravam na Austrália, e que impediam a entrada de animais provenientes do estrangeiro, as provas equestres foram transferidas para Estocolmo, na Suécia.

Jogos de Melbourne 1956.

No primeiro dia dos Jogos, mais de 103 mil espetadores encheram o estádio olímpico australiano para assistirem à chegada da tocha, feita pelo Duque de Edimburgo. Foi em território australiano que aconteceu o primeiro grande boicote à competição olímpica. Os conflitos armados no Egito e na Hungria ameaçaram o sucesso dos Jogos de Melbourne. Espanha, Holanda e Suíça não participaram devido à invasão soviética da Hungria, enquanto o Egito, Iraque e Líbano boicotaram os JO descontentes com a intervenção militar da Grã-Bretanha e França no canal de Suez.

Por sua vez, a China também não participou devido ao facto da participação do Taiwan ter sido aceite pelo Comité Olímpico Internacional (COI) e a Alemanha Ocidental e de Leste apresentaram uma equipa conjunta.

Muito mais que um jogo de polo aquático

Entre os momentos memoráveis dos jogos de 1956, destaca-se o encontro de polo aquático entre a Hungria e a União Soviética (que estavam envolvidas num conflito armado) que foi fortemente disputado, com muitas emoções à mistura entre as duas nações. Apesar da violência entre atletas e dirigentes dentro e fora da piscina, os húngaros venceram o jogo e, mais tarde, conquistaram a medalha de ouro.

Este sucesso fez com que muito atletas húngaros fossem apoiados por muitos fãs durante os Jogos. Um deles foi László Papp, que se tornou o primeiro lutador de boxe tricampeão olímpico.

Além de László Papp, outros dois atletas escreveram o seu nome nesta edição. No atletismo, o soviético Vladimir Kuts conquistou os 500 e 10 mil metros e igualou um feito apenas alcançado pelos finlandeses Hannes Kolehmainen e Paavo Nurmi e pelo checo Emil Zátopek. Já no triplo salto, o brasileiro Adhemar Ferreira da Silva voltou a ganhar a medalha de ouro, tornando-se no único bicampeão olímpico do país por 48 anos. A marca vencedora (16.35 metros) quebrou o recorde olímpico da prova, apesar de ter ficado abaixo do recorde mundial que também pertencia a Adhemar.

Belly Cumbert nos Jogos Olímpicos de Melbourne.

Foi em Melbourne que se eternizou a “menina de ouro” destes Jogos, Betty Cumbert. Ganhou a medalha de ouro nos 100 e 200 metros e estabeleceu um novo recorde olímpico nas eliminatórias. Do dia para a noite, Betty transformou-se numa das maiores celebridades do seu país e até foi convidada para jantar com a rainha Isabel II. Poucos dias depois, ganhou a terceira medalha de ouro nos 4×100 metros femininos, onde quebrou o recorde mundial da prova.

Além da “menina de ouro” também houve espaço para o “menino de ouro”, Murray Rose. O nadador ganhou três medalhas de ouro e tornou-se no mais jovem atleta olímpico a receber três medalhas em apenas uma edição dos Jogos Olímpicos. Venceu nos 400 e 500 metros de natação livre, bem como nos 4×200 metros livre. Pela primeira vez os Jogos incluíram a variante de mariposa, onde os medalhados foram os australianos.

“Jogos da Amizade”

Durante os Jogos de Melbourne, 14 recintos foram usados, ​​incluindo o MCG, Royal Exhibition Building, St Kilda Prefeitura, West Melbourne Stadium (Festival Hall) e o da Força Aérea Real da Austrália – a Laverton Air Base. A Vila Olímpica em Heidelberg West agora é usada como moradia.

Entre as curiosidades destes Jogos, destacam-se o facto das duas Alemanhas se terem juntado e competido como uma equipa só, facto que iria se repetir nos próximos dois eventos, em Roma e Tóquio. Na cerimónia de encerramento, no dia 8 de dezembro, um carpinteiro britânico descente de chineses, chamado John Ian Wing, escreveu uma carta que motivou o COI a, pela primeira vez, promover a festa que encerrava os JO com todos os atletas misturados entre as delegações, simbolizando a união entre os povos. Esta medida tornou as Olimpíadas de Melbourne conhecidas como os “Jogos da Amizade”.

Foi neste clima de união que a União Soviética saiu por cima. No total, foram 98 medalhas, 37 de ouro, 29 de prata e 32 de bronze, superando as 74 medalhas dos Estados Unidos, os habituais vencedores dos JO. Por outro lado, os Jogos não deixaram boas recordações para os portugueses. Portugal enviou pouco mais de 10 atletas e não conseguiu nenhum lugar no pódio.

Em 2000, 44 anos após os Jogos Olímpicos de Melbourne de 1956, Sydney voltou a sediar os Jogos, e a Austrália ganhou 58 medalhas, mas antes disso, há que dar um salto até Roma. Esta e outras aventuras olímpicas no próximo capítulo do A a T.

Artigo editado por João Malheiro