Vinte anos depois, reabre, no espaço original, uma das primeiras bibliotecas populares do Porto. A Biblioteca Popular de Pedro Ivo retoma a atividade já na próxima semana e promete explorar a cultura e criar novas memórias, na Praça do Marquês de Pombal. A reabertura faz-se com leituras diárias para pais e filhos através da Rádio Estação.

A Biblioteca Popular de Pedro Ivo regressa ao ativo, na próxima segunda-feira (29). O edifício de 43 metros quadrados, localizado na Praça do Marquês de Pombal, retoma a vocação cultural que tinha aquando da inauguração, em 1948. A abertura surge no seguimento da reabilitação do Jardim do Marquês, um espaço emblemático da cidade, terminando, assim, com a incerteza dos últimos anos em torno do imóvel.

O “ano zero de reativação” da biblioteca, como o caracteriza Nuno Faria, diretor artístico do Museu da Cidade – um dos organismos camarários envolvidos na programação, que foi dividida em quatro fases.

A primeira etapa da nova vida da biblioteca será preenchida pelas emissões da Rádio Estação, entre 29 de março e 15 de maio. A emissão FM, que irá abranger a zona envolvente, será “como uma pequena biblioteca sonora ao ar livre”, como a definiu Nuno Faria, durante a apresentação do projeto na reunião camarária desta segunda-feira. O plano é articular e adaptar as funções da biblioteca ao contexto atual: “não seria lógico ou necessário que a Biblioteca do Marquês tivesse as mesmas funções originais. Portanto, sem nunca perder a memória do espaço, vamos revisitá-la”, acrescenta Nuno Faria.

A estação de rádio vai estrear o programa “Confabulações”, com curadoria de Marta Bernardes, responsável pelo projeto educativo do Museu da Cidade, com o intuito de relacionar o espaço na Praça do Marquês com a Biblioteca Municipal do Porto, através da leitura de fábulas variadas para pais e filhos.

Por seu turno, “Trabalhar Cansa”, apresenta temas relacionados com a esfera industrial portuense, com curadoria do sociólogo Bruno Monteiro. Já Luís Aguiar Branco, autor do programa “Inventário”, vai fazer leituras sobre a cidade e um episódio especial dedicado à praça que acolhe a rádio por um mês e meio. Para o diretor artístico do museu, Nuno Faria, a interação com as pessoas na envolvente será natural dada a curiosidade suscitada pelo projeto.

A partir de 17 de maio começa a segunda fase de reativação do espaço, que se prolonga até 10 de julho. O Teatro Municipal do Porto (TMP) vai transformar a biblioteca numa plataforma de divulgação para artistas em residência e num “ponto de confluência de saberes e culturas do projeto europeu Moving Borders [projeto que envolve sete cidades e instituições culturais europeias], com financiamento por dois anos”, explicou Nuno Faria.

Durante a terceira fase de reativação, entre 16 de julho e 12 de setembro, a Biblioteca Popular de Pedro Ivo converte-se numa extensão da Feira do Livro do Porto. As atividades desenvolvidas vão centrar-se no escritor portuense Pedro Ivo (1842-1906), que dá o nome à biblioteca.

Saber mais…

Influenciado por Júlio Dinis, autor em foco na edição deste ano da Feira do Livro, Pedro Ivo ficou conhecido pelas traduções de autores germânicos e pela ligação ao movimento romântico alemão. O escritor, cujo nome verdadeiro era Carlos Lopes, nasceu no Porto, mas chegou a viver na Alemanha e Brasil. “Contos”, em 1874, é a primeira obra conhecida, à qual se seguiu “O Selo da Roda” (1876), e “Serões de Inverno” (1880). É possível encontrar alguns inéditos, além da biografia, em  “O Limbo de Pedro Ivo”, publicado já depois do seu falecimento.

Numa fase posterior, o Batalha Centro de Cinema assume o comando da programação do edifício. Entre outubro e dezembro, é esperada a exibição de um filme documental comissariado a um projeto cooperativo de cinema da cidade. Em 2022, a sociedade civil será convidada a propor a programação cultural e artística da Biblioteca Popular de Pedro Ivo. Nuno Faria espera que a “convocatória à comunidade local ou concurso de ideias” respeite o “carácter multidisciplinar” do projeto e, em simultâneo, incorpore “a ligação à história do espaço”, “não perdendo o conceito de memória, o conceito de arquivo, de comunidade”.

O edifício, projetado pelo arquiteto Bernardino Basto Fabião, conta agora com a inscrição do nome [Biblioteca Popular Pedro Ivo] na fachada, um elemento recuperado a partir do projeto original que não se tinha materializado. Tendo sido construída como satélite da Biblioteca Municipal do Porto – para “fornecer gratuitamente os indispensáveis meios de cultura intelectual e aperfeiçoamento profissional às classes mais humildes, tendo também em vista a sua formação moral e cívica”, como se lê no Boletim Atividades Culturais da Câmara Municipal do Porto, de 1951 -, na década de 90, foi adaptada a biblioteca infantil.

Biblioteca Popular de Pedro Ivo, em 1953. Foto: Miguel Nogueira/CM Porto Teófilo Rego

Incerteza e hesitação chega ao fim

No final de 2001, as obras do Metro do Porto obrigaram à mudança de instalações para a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, como contou Nuno Faria. “Ali estavam técnicos que até às obras do metro se mantiveram a prestar este serviço”, “quando as obras do metro arrancam e estando o estaleiro das obras, literalmente a um metro, a biblioteca é encerrada”. Mais tarde, a necessidade de reforçar o número de funcionários na Biblioteca Pública Municipal do Porto, em 2005, na área infanto-juvenil, levou ao encerramento definitivo da Biblioteca, já que a cedência das instalações paroquiais era provisória.

A partir de 2007, o edifício foi submetido a hasta pública por três vezes. Entretanto, em 2012, um grupo de ativistas ocupou o edifício e tentou batizar o espaço como “Biblioteca Popular do Marquês”. Contudo, ao fim de três dias, a Polícia Municipal e uma equipa da Domus Social retiraram os livros e móveis do local. Rui Rio, à altura presidente da Câmara do Porto, colocou o imóvel em hasta pública com um valor-base de licitação de 260 euros e sem destino definido pela autarquia. Porém, o caderno de encargos definia como “fundamento de resolução” do contrato a “utilização das instalações para fim e uso diverso do autorizado pela autarquia”. Dois anos mais tarde, uma vez que o espaço permanecia fechado, Rui Moreira entregou o espaço ao segundo classificado e o espaço continuou a ser uma cafetaria.

Segundo o jornal “Público”, na segunda tentativa de realização de hasta pública, em novembro de 2019, a sessão não demorou mais do que 15 minutos: “terminou com uma renda de 4.500 euros, subida de quase 800% em relação ao valor-base”. A repetição da hasta pública, a 15 de janeiro de 2020, teve um desfecho parecido. Segundo o jornal Público, “a licitação-base de 570 euros, o valor da renda atual, foi rapidamente ultrapassada em “mais de dez vezes” e a suspeita de combinação entre licitadores ficou no ar. Dois deles dispararam as ofertas para os milhares de euros – uma de 6.500, outra de 7 mil euros –, mas desistiram no final, entregando a vitória a um outro concorrente que havia oferecido o terceiro valor mais alto: 750 euros”. Perante a nova polémica, a autarquia decidiu anular a hasta pública de arrendamento da cafetaria e anunciou que ia resgatar o imóvel para fins culturais.

Mais de um ano depois, na segunda-feira, arranca o próximo capítulo da história do imóvel e da Biblioteca Popular de Pedro Ivo, que é agora devolvido à cidade “num local tão rico socialmente”.  “De uma certa forma, é isso que os livros fazem e as fábulas e os contos. A transmissão desta herança cultural que vamos passando de geração em geração”, concluiu Nuno Faria.

Artigo editado por Filipa Silva