Mais uma vez, Israel vai a votos esta terça-feira (23). Esta é a quarta eleição em dois anos e a segunda em pandemia, no entanto, a situação mudou: o protagonista do bloco político contra o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, é outro e há mais um antigo aliado que agora é rival na corrida.
Embora as sondagens sejam pouco fiáveis, há a possibilidade de o bloco de Netanyahu e os seus aliados naturais (os partidos ultra-ortodoxos) formarem governo. Mas ninguém arrisca dar prognósticos, já que institutos de sondagens também contam um enorme número de indecisos.
“Não conheço nenhum pensador sério que diga que Israel vai ter outra ronda de eleições por razões que não sejam os interesses pessoais de Netanyahu”, Gayil Talshir, professora de ciência política da Universidade Hebraica de Jerusalém, disse ao New York Times. Há nove meses que todos os fins de semana há protestos nas ruas contra o “crime-minister”.
Desta vez, o antigo jornalista Yair Lapid, de centro-esquerda, substituiu o antigo chefe do Exército Benny Gantz no segundo lugar das intenções de voto. Gantz entrou num governo com Benjamin Netanyahu, após três eleições que davam resultados semelhantes, pressionado por uma pandemia e as suas consequências económicas, e passou a linha que tinha imposto a si mesmo, coligando-se com Netanyahu, então investigado de corrupção (e, entretanto, acusado formalmente).
Lapid, que estava numa aliança com Gantz, saiu. Gantz pagou caro e o seu partido Azul e Branco está no limiar de votos que permite uma entrada no Parlamento; Lapid capitalizou com a manutenção da posição de princípio e é agora ele quem disputa a chefia de um bloco governativo com Netanyahu – nenhum partido em Israel tem maiorias para governar e a fragmentação é grande.
Durante a campanha, Netanyahu fez da pergunta “Onde está Lapid?” um mote. No último fim de semana, Lapid lhe respondeu, num vídeo, desafiando-o para um debate, que não aconteceu.
A campanha foi feita, sobretudo, nas redes sociais e dominada pela aposta de Netanyahu na massiva vacinação contra o coronavírus. No poder há década e meia, tem tentado passar a ideia de que está à frente de um país que afirma ser “laboratório mundial” das vacinas.
Netanyahu lançou a campanha ao ser o primeiro vacinado no país, ao vivo na televisão, mas o Governo tem sido criticado – até internamente – por fornecer um reduzido número de doses aos palestinianos e pelas concessões que terá feito à indústria farmacêutica: Israel conseguiu um fornecimento rápido e massivo de vacinas Pfizer-BioNTech, em troca de dados biomédicos sobre o efeito da vacinação nos israelitas. Mais de metade dos nove milhões de cidadãos de Israel já estarão nesta altura imunizados.
A ocupação dos territórios palestinianos, as alegadas violações dos Direitos Humanos e da Lei Humanitária Internacional, além de questões mais gerais sobre legitimidade democrática em Israel, são temas que não fazem parte da linha da frente da agenda partidária, pois esses não são temas que estejam no centro das preocupações dos israelitas.
Netanyahu puxa também dos “galões” dos entendimentos diplomáticos conseguidos com alguns países árabes, ou seja, uma espécie de paz com os Emirados Árabes Unidos e Bahrein, mas também as boas relações com Sudão, Marrocos e Kosovo, uma piscadela de olho ao eleitorado mais à esquerda do Likhud e aos árabes israelitas.
Para a investigadora Ana Santos Pinto, do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), ouvida pelo JPN, a grande prioridade do país é a recuperação económica pós-pandemia: “A grande dificuldade do estado israelita é criar uma recuperação económica, questão que é absolutamente fundamental, porque a economia já não estava no seu melhor estado“.
Possível ameaça à democracia
Como diz o diretor do Times of Israel, David Horowitz, “uma vitória de Netanyahu, dado o número limitado e orientações dos seus potenciais parceiros políticos, representa um novo risco para o carácter democrático do país”.
O aviso é repetido pelo líder do Israel Democracy Institute, Yohanan Plesner, que tem dito várias vezes “que a democracia em Israel não é um dado adquirido”.
O Presidente de Israel, Reuven Rivlin, incentivou, esta terça-feira, os israelitas a deslocarem-se às urnas para romper o bloqueio político sem precedentes que o país vive, ao votar nas quartas legislativas em menos de dois anos.
“Quatro eleições em dois anos corroem a confiança do público no processo democrático, mas apenas cada um pode influenciar. Não há outro caminho”, disse o Presidente.
Artigo editado por João Malheiro