Apaixonado pela modalidade, nasceu para o desporto no Clube Desportivo de Portugal onde foi jogador e treinador. Depois de títulos no FC Porto e de uma década no estrangeiro, o antigo aluno da Universidade do Porto não tem parado de fazer história ao serviço da Seleção Nacional. Ao JPN, aqueles que melhor o conhecem destacam a ambição e a capacidade de liderança de um homem que decidiu abandonar a mentalidade do “vamos tentar fazer o melhor possível”.

Ambição. É esta a característica que mais rapidamente surge nas descrições daqueles que, em diferentes momentos da vida, tiveram a oportunidade de conhecer e trabalhar com Paulo Jorge de Moura Pereira, atual selecionador nacional de andebol, que depois de conseguir as melhores classificações de sempre para Portugal no Europeu e Mundial, carimbou este mês a primeira qualificação olímpica na modalidade.

Nascido a 21 de março de 1965, o amarantino de 56 anos desde cedo mostrou o desejo de ser treinador de andebol, algo que conseguiu com apenas 17 anos, quando treinou os infantis no Clube Desportivo de Portugal (CDP), o “clube de bairro” a que ficaria para sempre ligado e de onde partiu depois para voos mais altos. Para além do clube da freguesia do Bonfim, no qual foi campeão nacional de juniores, passou enquanto jogador por clubes como o Salgueiros, a Sanjoanense, o Leixões e o Boavista.

Fernando Jorge Oliveira, que passou pelos principais clubes portugueses como jogador e chegou a integrar a equipa técnica da Seleção Nacional, e que treinou Paulo Jorge Pereira no CDP, confessa que já nessa altura o atual selecionador “tinha como grande ambição ser treinador de andebol e tirar o curso de educação física”. Perseverança e coragem são as características que aponta ao seu pupilo, “um indivíduo batalhador, muito interessado e muito curioso”. “Aquilo que quer, ele conquista”, resume.

A vida académica já vocacionada para o andebol

Paulo Jorge Pereira começou o seu caminho para um desses objetivos quando, em 1985, ingressou na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física (FCDEF) – atual Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP). Interrompeu os estudos para cumprir o serviço militar, regressou em 1990 e concluiu a licenciatura em 1995. “A organização do ataque da Suécia” foi o tema da sua monografia, escrita depois da vitória da seleção sueca no Europeu de 1994, disputado em Portugal.

A ambião de ser treinador de andebol esteve presente desde cedo na vida de Paulo Jorge Pereira.

A ambião de ser treinador de andebol esteve presente desde cedo na vida de Paulo Jorge Pereira. Foto: Paulo Jorge Pereira/Facebook

Foi aí que conheceu António Cunha, antigo jogador e treinador de andebol e à data professor na FCDEF, que o descreve, ao JPN, como alguém com enorme capacidade de liderança, que “vive intensamente o jogo” e tem na comunicação um dos seus pontos fortes. “Não defrauda as pessoas que confiam nele”, refere numa nota mais pessoal.

Já depois de duas temporadas como adjunto de José Magalhães – que o levaria mais tarde para o Futebol Clube Porto -, no Boavista, iniciou o mestrado em Ciências do Desporto, com especialização em Treino de Alto Rendimento, em 1996. José Soares, professor catedrático de fisiologia da FADEUP, foi o orientador da sua tese de mestrado (“Controlo de treino no Andebol”) e, em conversa com o JPN, caracterizou-o como um “bom aluno, aplicado, autoconfiante, extremamente educado, humilde e interessado”.

Ainda que não lhe antecipasse este nível de sucesso, considera que “tinha características para ser um treinador de alto nível” e “todos os atributos que se pedem numa figura de liderança”. Afirmou também que, ao contrário do que acontece com alguns quando atingem patamares mais elevados, Paulo Jorge Pereira nunca se esqueceu das origens. Enquanto estudante da Universidade do Porto, representou a FCDEF nos campeonatos nacionais universitários e nos jogos universitários de andebol, no Brasil.

FC Porto: o primeiro grande desafio da carreira

Em 1999, regressaria ao papel de treinador-adjunto de José Magalhães, à data treinador do FC Porto e atual diretor desportivo de andebol do clube, cargo que manteve após a entrada do sérvio Branislav Pokrajac para o comando técnico dos “dragões”. Como nos explica o amigo Fernando Carvalhais, antigo jogador do CDP que, mais tarde, foi seu colega de equipa durante uma época no Boavista, o atual selecionador teve uma “mente aberta para aprender” e “bebeu o melhor de José Magalhães e Pokrajac”.

“Amigo, leal, frontal, mas sem agressividade, cordial e ambicioso, com objetivos definidos”, é desta forma que um dos responsáveis pelo recente renascer do CDP, através do andebol feminino, o descreve. Relembra, no entanto, que Paulo Jorge Pereira beneficiou imenso da nova mentalidade trazida ao “clube de bairro” pelo treinador Fernando Jorge Oliveira, que colocava os jovens a fazer análises estatísticas dos seniores para aprenderem e melhor compreenderem o jogo.

Paulo Jorge Pereira no comando técnico do FC Porto.

Paulo Jorge Pereira no comando técnico do FC Porto. Foto: Paulo Jorge Pereira/Facebook

Paulo Jorge Pereira assumiu o cargo de treinador principal do FC Porto após a saída do mítico sérvio, em 2003, posição em que se manteve até 2006. Pelo meio, ficaram a conquista de um campeonato (03/04), de uma Taça de Portugal (05/06) e de duas Taças da Liga (03/04 e 04/05).

Nessa altura, conciliava o comando técnico dos “azuis e brancos” com o ensino no ISMAI, algo que Luísa Estriga, colega dos tempos de faculdade do selecionador, ex-coordenadora do departamento de andebol da FADEUP e expert da IHF, considera que ainda é visível no seu trabalho. “Por ter sido professor, tem essa missão de educador” e de “criar as bases para continuarmos a ter sucesso” no futuro, afirmou ao JPN.

Paulo Jorge Pereira no 1º Seminário Internacional de Andebol de Celorico de Basto.

Paulo Jorge Pereira no 1.º Seminário Internacional de Andebol de Celorico de Basto. Foto: BECA

A professora explica que, desde muito cedo, Paulo Jorge Pereira tinha a ambição de ser treinador profissional, “algo que era e continua a ser muito difícil em Portugal”. Desse desejo “criou uma boa obsessão” e acabou por conseguir esse objetivo. Aliás, foi na busca desse profissionalismo a 100% que acabaria por sair para o estrangeiro. “Arriscou, trabalhou para isso e tem muito mérito nisso”. Por isso, “hoje é um grande inspirador para jovens treinadores”.

Agora, quando recorda os tempos do FC Porto, o comandante da Seleção Nacional admite que “era fraco” e que a “qualidade do treino estava muito longe do que é hoje”. Como assumiu em entrevista à Tribuna Expresso: “tive de aprender muita coisa durante os anos que saí. Hoje sou um treinador mais atento a detalhes que na altura não prestava muita atenção e que são fundamentais para uma equipa render mais em jogo”.

Década no estrangeiro e a chegada à seleção

Depois de três épocas ao serviço dos “dragões”, Paulo Jorge Pereira teve uma curta experiência no Cangas, de Espanha, a que se seguiram passagens pelas seleções femininas de Angola e Tunísia, com as quais conseguiu ser Campeão Africano. Pelo meio acumulou cargos como treinador do ASA e do 1º de Agosto, em Angola, e do Espérance de Tunis, na Tunísia. No total, foram praticamente dez anos no estrangeiro que permitiram ao atual selecionador crescer como treinador.

O atual selecionador nacional foi Campeão Africano pela Tunísia.

O atual selecionador nacional foi Campeão Africano pela Tunísia. Foto: Paulo Jorge Pereira/Facebook

Seria em 2016 que chegaria à Seleção Nacional, ocupando o cargo deixado vago por Rolando Freitas. O seu primeiro desafio foi o apuramento para o Europeu de 2018, com Portugal a acabar superado por Alemanha e Eslovénia. Novo insucesso aconteceria na discussão do acesso ao Mundial de 2019, com a derrota nos play-offs frente à Sérvia. Reconheceu, por essa altura, que a seleção continuava com “o estigma da derrota”, mas que recusava fazer o “discurso do coitadinho”.

Mais recentemente, à Tribuna Expresso, revelou que quando assumiu o cargo, “sentia que os jogadores vinham à Seleção para fazer um frete e agora a malta vem com aquele brilhozinho nos olhos. Porque vinham para perder. Porque foram muitos anos a perder, muitos anos. Aquilo era um estigma que estava ali e que era difícil modificar”. Esta capacidade para mudar mentalidade é, na verdade, reconhecida por aqueles que trabalharam e ainda trabalham com ele.

Embora reconheça que o “atual plantel é de enorme categoria” e que isso facilita o trabalho do selecionador, António Cunha salienta que existe neste momento um “comando técnico sustentado na competência e ambição”. Por sua vez, Fernando Carvalhais considera que aquilo que por vezes pode parecer arrogância, é sim “um espírito de que não há impossíveis” e que Paulo Jorge Pereira “não é do tipo de pessoa que vai só para participar”.

A mesma autoconfiança é realçada por Fernando Jorge Oliveira, que o aponta como uma “luz para todos os outros treinadores em Portugal” e alguém que “combateu a mentalidade da procura de objetivos que não fossem demasiado ambiciosos”, “uma ambição sustentada em trabalho de grande qualidade”.

“Campeões da mudança, nada mais”

Essa mentalidade vencedora ficou ainda mais patente no seu discurso durante e após a caminhada histórica no Europeu de 2020. Consolidada a integração dos luso-cubanos Alexis Borges, Daymaro Salina, Victor Itturiza e Alfredo Quintana, o selecionador aproveitou ainda as melhorias de desempenho nas competições europeias por parte de Sporting CP e FC Porto para construir uma seleção capaz de ombrear com as melhores da Europa.

Paulo Jorge Pereira conseguiu resultados históricos ao comando da Seleção Nacional de Andebol.

Paulo Jorge Pereira conseguiu resultados históricos ao comando da Seleção Nacional de Andebol. Foto: FPA

Depois de já ter batido a toda-poderosa França na qualificação para a prova, na qual Portugal não participava desde 2006, voltou a repetir o feito na primeira fase do Campeonato da Europa, o que lhe permitiu chegar à Main Round. Acabaria por falhar o apuramento para as meias-finais com derrotas diante da Eslovénia e da Noruega, mas a melhor classificação da história de Portugal num Europeu já estava assegurada – uma honrosa sexta posição depois perder com a Alemanha no encontro de atribuição do quinto e sexto lugar.

Com este resultado ficava dado o mais visível sinal de mudança no andebol português e na forma como a Seleção Nacional entrava em campo. Não como um conjunto de jogadores à procura de evitar a derrota, mas sim como uma formação à procura de ganhar. Muito requisitado após a prestação no Campeonato da Europa, o discurso de Paulo Jorge Pereira rompia com tudo o que tinha vindo antes.

Como disse ao Zerozero, a mentalidade do “’vamos tentar fazer o melhor possível’”, “acabou”. “Vamos para ganhar. Podemos perder, mas vamos para ganhar”, afirmou. Já à SportTV, admitiu que “custa-nos aceitar que podemos jogar de igual para igual com todos os outros” e explicou a utilização da expressão “vão-se ver aflitos para perderem connosco”. Segundo o próprio, se dizemos que se vão ver aflitos para nos ganharem, provavelmente, já estamos a assumir a derrota.

Com os pés bem assentes na terra, afirmou ao MaisFutebol que os seus jogadores e a sua equipa técnica foram apenas “campeões da mudança do estigma da derrota”. Não ganhamos mais nada do que isso”. Já depois do Mundial deste ano, no Egipto, Paulo Jorge Pereira mantinha-se fiel às ideias, ao afirmar que prefere que o chamem de “irrealista do que de cobarde”.

“Temos de ser arrojados e procurar sempre os limites, nunca podemos estar confortáveis, é preciso ter coragem. Prefiro ter expectativas altas do que viver escondido em objetivos naturais”, disse ao jornal “O Jogo”.

Conquista europeia, reconhecimento e mais história

Antes de levar a seleção ao sexto lugar no Europeu, o selecionador conciliou a tarefa com o cargo de treinador do CSM Bucareste, da Roménia, ao serviço do qual conquistou a Taça Challenge, em 2019. Na final daquela que era, à data, a terceira principal competição europeia de clubes, Paulo Jorge Pereira bateu o Madeira SAD, orientado por Paulo Fidalgo, o seu adjunto na Seleção Nacional.

Nesse mesmo ano, o treinador de 56 anos natural de Amarante seria galardoado com o prémio de Treinador do Ano na Gala de Desporto da Confederação do Desporto, enquanto a Universidade do Porto reconheceu, durante a sua Gala do Desporto, o percurso do seu alumni com o prémio de Mérito Excelência.

Em 2019, recebeu o prémio Mérito Excelência da Universidade do Porto.

Em 2019, recebeu o prémio Mérito Excelência da Universidade do Porto. Foto: UP

Depois do sucesso no Campeonato da Europa, que, em conjunto com o cancelamento da fase de qualificação para o Mundial, deu a Portugal o bilhete para o Egipto, a Seleção Nacional confirmaria as boas indicações, em janeiro, ao alcançar o décimo lugar no Campeonato do Mundo, a sua melhor classificação de sempre na competição.

Seguia-se, poucas semanas depois, o Torneio Pré-Olímpico, no qual os portugueses lutariam pela primeira qualificação para os Jogos Olímpicos (JO) na modalidade, posição em que se colocaram graças ao desempenho no Europeu de 2020.

Numa daquelas histórias de superação que apenas o desporto é capaz de proporcionar, Portugal conseguiu o bilhete para a olimpíadas, com uma reviravolta nos últimos segundos diante da França, e a homenagem que todos pretendiam a Alfredo Quintana, o guarda-redes luso-cubano que faleceu no final de fevereiro e que é indissociável dos feitos da seleção nos últimos anos.

Bem ao seu estilo, Paulo Jorge Pereira não perdeu tempo em apontar os seus pupilos à luta pelas medalhas. Ainda assim, Fernando Jorge Oliveira, que falou com o selecionador poucos dias depois do enorme feito, confidencia ao JPN que este torneio foi encarado, pelo próprio, como “a maior provação da carreira desportiva” do timoneiro da seleção.

Capítulos por escrever

Embora nem todos lhe antecipassem este nível de sucesso, todos lhe reconhecem o mérito. Luísa Estriga destaca a sua capacidade para aproveitar o bom trabalho feito nos clubes e, em certos casos, como por exemplo na utilização da estratégia 7×6, popularizada pelo FC Porto de Magnus Andersson, o conseguir transcender esse trabalho, opinião partilhada por Fernando Carvalhais. “Foi capaz de fazer aquilo que nunca alguém conseguiu fazer”, referiu a professora ao JPN.

Já Fernando Jorge Oliveira, que teve um papel fundamental no início da carreira de Paulo Jorge Pereira no andebol, reconhece-lhe a inteligência de aproveitar o trabalho dos clubes, mas recusa que o trabalho do seu antigo pupilo seja reduzido a isso, insistindo que os seus resultados devem ser analisados de forma independente.

Os Jogos Olímpicos vão ser o próximo desafio de Paulo Jorge Pereira.

Os Jogos Olímpicos vão ser o próximo desafio de Paulo Jorge Pereira. Foto: FPA

O antigo jogador e treinador acredita que o sucesso do selecionador não se vai ficar aqui, uma ideia apoiada por António Cunha que considera que, pela sua paixão e pelo talento para a comunicação que demonstra, este daria “um excelente secretário de Estado do Desporto”.

Os próprios jogadores da seleção reconhecem no comandante dos “Heróis do Mar” esse trabalho de os fazer acreditar que podem olhar, olhos nos olhos, qualquer seleção. Humberto Gomes, guarda-redes de 43 anos do Póvoa AC e um dos mais experientes da Seleção Nacional, afirmou ao jornal “Record”, depois da participação no Europeu de 2020, que “o grande feito de Paulo Jorge Pereira foi mudar mentalidades”.

Por sua vez, Rui Silva, autor do golo que carimbou a presença de Portugal nos JO de Tóquio, afirmou ao Expresso que “o professor tem uma forma muito forte de comunicar” com a equipa. “Tem o dom da motivação”, atirou.

Os Jogos Olímpicos de Tóquio são agora a próxima página da história que Paulo Jorge Pereira vai escrevendo no andebol português e sobre isso, o selecionador já disse: “se nós respeitamos o nosso potencial, temos de jogar por uma medalha”. Como notou Luísa Estriga ao JPN, em alusão ao título da monografia assinada pelo técnico no final da sua licenciatura, “à data, o Paulo estudava o jogo. Hoje ‘escreve’ o jogo”.

Artigo editado por Filipa Silva