É um mapa, mas não foi feito para uma caça ao tesouro – mesmo que se trate de opções vegan. O trabalho que Camila Aldrighi, designer e publicitária, realizou durante o mestrado na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto saiu das paredes da universidade, com a ajuda da Aliança Animal, e chegou às mãos de quem visita a cidade.

A primeira edição – disponível de forma gratuita online e em postos de turismo – foi lançada em 2018 e reunia 37 exemplos de estabelecimentos vegetarianos e veganos, bem como lojas de produtos biológicos e sugestões de pratos típicos portuenses, como a francesinha ou a feijoada, completamente livres de carne. Em 2019, saiu um outro guia que conseguiu cingir as recomendações apenas ao vegan e acarinhar a pastelaria tradicional portuguesa.

O ano de 2020 trouxe a pandemia de Covid-19 e o fecho de muitos estabelecimentos, o que estagnou o projeto. Contudo, o regresso do Veg and Go! está previsto para este verão, com uma página web própria a acompanhar, segundo revela Camila Aldrighi em conversa com o JPN. A versão impressa, por seu turno, vai deixar de ser gratuita, de forma a cobrir os custos de impressão e manter o projeto “sempre independente”.

Uma aventura “com os mapas nos braços”

Camila Aldrighi é brasileira, mas vive há cerca de cinco anos no Porto. Aquilo que descreve como “um acaso do destino” trouxe-a à cidade, onde tirou o mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais, na Faculdade de Belas Artes. Foi também o Porto que inspirou o “Maracujá Roxo“, blogue onde a designer se propõe a auxiliar quem quer fazer de Portugal uma nova casa.

Camila Aldrighi veio para o Porto, para fazer o mestrado na Faculdade de Belas Artes. Camila Aldrighi

Em 2018, durante o último ano de mestrado, uma das disciplinas desafiou-a a fazer um projeto editorial, e foi daí que nasceu a ideia de criar um mapa da baixa do Porto, que juntasse num só suporte as melhores recomendações de restaurantes, lojas e pratos veganos e vegetarianos. Para as descobrir, recorreu a comunidades do género no Facebook.

No guia, todas as decisões estéticas têm um motivo. Camila explica que escolheu o azul como cor base, “porque é uma cor associada ao Porto”, e que a segunda tonalidade varia de edição para edição – verde na primeira, “muito associado ao vegetarianismo e ao veganismo”, para chegar ao público a partir de um “clichê”, e laranja na segunda, de forma a criar uma “sensação de proximidade” e tornar o mapa “quente” ao toque. Até o facto de o mesmo ser desenhado tem uma explicação: “optei pela manualidade, pelos carimbos e tudo o mais, porque queria que fosse como se eu o tivesse feito em casa, com muito carinho, e te tivesse dado o mapa como um presente”, conta a designer.

Ainda assim, o projeto não teve a reação esperada, quando foi apresentado na faculdade. Ao contrário do esperado por Camila, que pensava que o professor “ia adorar”, a reação foi negativa. “E aí eu fiquei chateada, porque acho que não foi reconhecido” o valor do projeto, admite.

Mas não foi isso que a levou a desistir – a falta de um projeto semelhante na cidade do Porto inspirou em Camila a vontade de o “tirar dos muros da universidade”, pois “acreditava” no que tinha em mãos.

“Já é uma coisa tão difícil, principalmente de onde eu venho, que as pessoas cheguem a um nível de escolaridade de mestrado, que eu sinto que, se eu consegui chegar, e se consegui chegar noutro país, tinha de tirar o conhecimento da universidade e levá-lo para as pessoas como um tipo de serviço. Para mim, isso é muito forte, e foi o que tentei fazer”, conta.

Na altura, Camila Aldrighi era voluntária na Aliança Animal, uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivo a defesa dos animais, e obteve ajuda com a impressão e distribuição gratuita de mil unidades da primeira edição por postos de turismo. O mapa “saiu como água”, relata a designer, e, no espaço de uma semana, “os estabelecimentos já estavam a pedir mais” – demanda à qual nem Camila nem a Aliança Animal conseguiram, na altura, corresponder, dado que a falta de “apoio” fazia com que o dinheiro saísse “do bolso dos voluntários”.

A segunda edição, lançada em 2019, já teve o patrocínio de uma gráfica, o que permitiu a impressão de 500 exemplares adicionais – os 1.500 guias foram impressos, desta vez, apenas em inglês, para corresponder ao aumento de pedidos e atingir os turistas. O segundo mapa já reunia recomendações totalmente veganas, com “um enfoque especial em pastelaria tradicional portuguesa”, algo que foi permitido pelo aumento da oferta de um ano para o outro.

Ambas as edições foram distribuídas pela criadora que, “com os mapas nos braços”, começou a entrega “de porta em porta nos postos de turismo”. Entretanto, Camila Aldrighi tem tentado obter o apoio da Câmara Municipal do Porto para imprimir e distribuir os exemplares, mas sem sucesso.

Com mais um mapa a caminho, e apesar das dificuldades, a jornada de Camila Aldrighi para democratizar o veganismo na baixa do Porto não tem fim à vista. “Eu acredito nisto. E acredito que [o projeto] ainda vai ter o seu momento de brilhar”, afirma.

O guia tem duas edições, lançadas, respetivamente, em 2018 e 2019. Camila Aldrighi

“Comer é um ato social”

Para Camila Aldrighi, criar um mapa feito para “democratizar o acesso aos alimentos veganos” é um tipo de ativismo que tenta levar “o estilo de vida e a alimentação vegana aos restaurantes que têm comida tradicional”, em vez de divulgar aqueles que são 100% dedicados a esse tipo de oferta. Isto porque “comer é um ato social” e existe uma “resistência” por parte das pessoas em visitar restaurantes totalmente vegan, acredita a criadora, o que coloca quem tem esse tipo de alimentação numa situação desagradável.

“Eu posso muito bem levar as pessoas para um restaurante de francesinhas e, no restaurante de francesinhas, comer uma francesinha vegana! E isso pode acabar com aquela discriminação de estar toda a gente a comer uma francesinha e eu estar a comer alface com tomate”, explica a ex-estudante da FBAUP.

Assim, sempre que o mapa de Camila é aberto, a primeira coisa que fica à vista são os restaurantes vegan-friendly, que possuem essa variedade de alternativas, “para que as pessoas que não são veganas nem vegetarianas possam ter acesso a locais com opções veganas” e, assim, este estilo de vida seja normalizado. Alguns estabelecimentos dessa lista estão até assinalados com uma certificação do programa da Aliança Animal que leva voluntários às cozinhas para colocar alternativas aos pratos com origem animal no menu.

Quando contactada pelo JPN, Maria Aragão, presidente da Aliança Animal, confirmou que a iniciativa denominada “E o seu restaurante, já tem?” continua, na verdade, a decorrer, independentemente de se prever que a associação deixe de estar envolvida no processo de impressão do guia. “Aliás, a possibilidade de realização do trabalho à distância veio até alargar o leque de possibilidades, uma vez que a barreira geográfica deixa de ser um problema”, acrescenta.

Para quem deseja optar por um estilo de vida vegetariano ou vegano, Camila Aldrighi tem um conselho simples: “ir devagar e confiar no que o corpo está a dizer e no processo”. No fundo, retirar os produtos de origem animal da alimentação deve ser “flexível”, sem data e hora marcada.

Artigo editado por Filipa Silva