A Associação Portuguesa de Imprensa (API) teme que possa existir uma “sobreposição” entre a taxa europeia anunciada na videoconferência informal do Ecofin de 16 de março, e as taxas nacionais já existentes ou que venham entretanto a ser criadas pelos respetivos países.

Tal significaria, diz a associação em comunicado, impor “cargas fiscais adicionais ao setor digital europeu em crescimento, sufocando assim a inovação e o crescimento de um setor, já sob enorme pressão fiscal e regulamentar”.

A API lança o apelo ao Conselho Europeu para que sejam previstos mecanismos “a fim de evitar a dupla tributação ou qualquer outra carga fiscal adicional para as empresas europeias e as suas receitas digitais”.

Para além da dupla taxação, João Palmeiro, em declarações ao JPN, levanta a hipótese de o novo imposto poder tornar-se num instrumento de “controlo dos media”.

O presidente da API acredita que estamos a falar de um horizonte temporal de “dois, três anos”, antes que esta nova taxa entre em vigor.

O “imposto digital“, informa a Comissão, servirá de “fonte de recursos próprios adicionais para a UE”, o que significa que o valor cobrado reverterá para o orçamento anual da União Europeia (UE).

Controlo mais apertado para negócios online a partir de 2023

Na terça-feira (22), foram anunciadas novas regras a nível europeu no domínio da tributação digital que “abrangem as plataformas digitais situadas tanto dentro como fora da UE e [que] serão aplicáveis a partir de 1 de janeiro de 2023”.

Este pacote legislativo permitirá uma maior regulação e fiscalização da “economia das plataformas digitais”. João Leão, ministro das Finanças de Portugal, país que preside ao Conselho da UE no primeiro semestre de 2021, está convicto de que a “UE está assim a dar o exemplo a nível mundial”.

As medidas preveem a possibilidade de troca de informação de natureza fiscal entre os Estados-Membros, a realização de “auditorias conjuntas” e “controlos simultâneos”, envolvendo mais que uma autoridade tributária nacional.

O objetivo é “detetar os rendimentos obtidos através de plataformas digitais e determinar as obrigações fiscais aplicáveis”.

Os impactos deste pacote legislativo estendem-se às empresas de media na medida em que existe uma crescente simbiose entre plataformas como a Google, o Facebook ou o Twitter e a produção de conteúdos noticiosos digitais.

A API considera que é fundamental assegurar uma “concorrência leal no Mercado Único Digital“, defendendo como positivas todas as iniciativas que visem amenizar “distorções fiscais e desequilíbrios entre os poucos gatekeepers digitais e as muitas empresas europeias, comparativamente mais pequenas”.

Crescimento do online não compensa perdas no papel

Segundo números avançados por João Palmeiro, a faturação de 2020 do negócio online das empresas de media nacionais (juntando rádio, televisão, imprensa, cinema e outdoors) terá rondado os 80 milhões de euros, numa faturação global de, aproximadamente, 520 milhões.

O presidente da API alerta que, embora exista uma tendência para as vendas de publicidade em ambiente web aumentarem, não foram suficientes para compensarem as perdas do negócio em papel.

João Palmeiro dá o exemplo das revistas, uma das áreas de negócio a enfrentar maiores dificuldades: “60% dos investimentos anuais passaram para o mundo da internet, mas não migraram para as versões digitais dessas revistas ou de outros meios digitais. Migraram para outras formas de comunicação comercial, como, por exemplo, os influencers”.

O investimento no online “sobe muito mais devagar, do que desce o desinvestimento” nos media tradicionais, sublinha.

Diretiva europeia dos direitos de autor é essencial para a reanimação do modelo de negócio

Durante anos, as plataformas digitais obtiveram lucros significativos com a utilização, sem contrapartidas suficientes, de conteúdos digitais produzidos pelas empresas de media.

João Palmeiro sublinha a importância desses conteúdos para a viabilidade do negócio das plataformas digitais: “As grandes plataformas sabem que, onde diminuiu a presença dos media – ou porque fecharam empresas ou porque estas foram percebidas como passando a ter menos qualidade – o seu negócio desceu, fosse negócio de tráfego, fosse de publicidade”.

Daí o presidente da API sublinhar a importância da aprovação da diretiva europeia sobre direitos de autor, que institui o princípio de que quem “usa conteúdos, deve pagar”.

O facto de existir uma regra comum em toda a Europa, ao invés de 27 ordenamentos jurídicos diferenciados, pressiona as plataformas a negociar um modelo de compensação financeira às empresas de media.

Holanda e França já fizeram a transposição da diretiva para os respetivos quadros legislativos nacionais, e a Google fechou recentemente um acordo com uma das principais associações francesas de empresas de media (ainda que o mesmo esteja envolto em polémica, sob acusações de parcialidade e opacidade, avança a Reuters).

A API não tem informação de quando a diretiva poderá ser vertida para o direito português. O prazo limite previsto é meados de junho de 2021: “Está em preparação uma consulta pública, que é obrigatória. Neste momento não vemos como” será possível cumprir o calendário anunciado.

Showcase, comissões de arbitragem e uma ‘caixa de areia’ que pode ser um game changer

As novas formas de tributação da economia digital estão a ser equacionadas a nível global, e há negociações em curso no âmbito da OCDE.

No entanto, alguns blocos regionais, à imagem do que está a ocorrer na Europa, decidiram avançar com soluções próprias para tornar o setor mais equitativo e socialmente mais justo, garantindo, ao mesmo tempo, que a imprensa cumpre as funções de interesse público que lhe estão outorgadas pela lei dos respetivos países.

Recentemente, o governo australiano obrigou as plataformas digitais a negociar com os órgãos de comunicação social, impondo “um sistema de arbitragem sem direito a recurso”, refere João Palmeiro, o que resultou num braço de ferro entre o Facebook e o governo australiano.

Este tipo de solução de cariz mais intervencionista está a fazer caminho no Canadá e, ainda que de forma “muito mais insípida”, na Índia, acrescenta o também fundador da Visapress.

A Google avança, entretanto, com uma solução própria: a Showcase, uma ferramenta que “permite calcular a compensação a atribuir pela Google a cada empresa de comunicação social em função da quantidade de publicidade angariada”.

No entanto, o tempo urge para que não se escape entre os dedos a oportunidade de redesenhar o setor dos media, tornando-o mais sustentável financeiramente no novo contexto digital.

O tempo de que a política necessita para construir consensos é muito diverso do tempo que as empresas tecnológicas requerem para evoluir, sobretudo no campo da inteligência artificial. Corre-se o risco de, quando chegarmos a um resultado palpável, “as ferramentas que foram usadas para construir esse equilíbrio já estarem atrasadas e já nos encontrarmos num outro mundo qualquer”.

A ameaça de todo este processo ‘morrer na praia’ parece hoje bastante real. A European Press Publishers Association manifestou recentemente grande preocupação pelo desenvolvimento, pela Google, da Sandbox, uma ferramenta que permite dispensar a utilização de cookies de empresas fora do universo Google e, assim, monopolizar “a recolha de dados dentro do navegador Chrome”.

A implementação deste sistema, prevista para o final de 2022, tornará a Google no beneficiário exclusivo das receitas geradas pela navegação no browser da empresa.

Artigo editado por Filipa Silva