Há uma certa fugacidade naquilo que é o ciclo de vida de um cartaz de cinema. Vemo-lo, fisicamente, pela altura de exibição de um filme nas salas de cinema e depois resta-nos a sua presença online em plataformas de streaming, ou então nas páginas das grandes produtoras e distribuidoras. Nunca desaparecem verdadeiramente, mas a sua presença é breve e passa despercebida.
A juntar a uma génese efémera, a sua autoria é também, grande parte das vezes, desconhecida do público – especialmente no contexto português. Mas por detrás de um cartaz há alguém que o pensa, que o trabalha, que tenta estabelecer uma relação entre ele e o filme a que dá capa.
Foi numa tentativa de combater esta passagem tão breve, que Igor Ramos, investigador do ID+ Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura, criou um website que dá a conhecer o que de melhor se faz, e se fez, no nosso país a nível do cartaz de cinema dos séculos XX e XXI. A preparar-se para defender uma tese de doutoramento em design, na Universidade de Aveiro, sobre o tema, o fundador explica, ao JPN, que o projeto surge do reconhecimento da importância de “comunicar a tese para fora da universidade” e fazê-la chegar “ao maior número de pessoas possível”.
A plataforma, que apresenta um novo cartaz todas as semanas, fornece dados relativos à sua autoria e catalogação, assim como algumas considerações acerca do design e da ligação que estabelecem com os filmes que anunciam. Lá podemos também encontrar outros materiais gráficos ligados ao filme – como fotografias do momento de impressão dos cartazes, ou até mesmo fotos dos respetivos realizadores com eles. Estão disponíveis, até ao momento, 14 cartazes portugueses.
A curadoria dos cartazes, apesar de pessoal e subjetiva, tem sido feita “com base em alguns critérios”, explica Igor Ramos. Se um cartaz anuncia algumas tendências gráficas da época em que foi feito, ou então se, pelo contrário, recorre a uma abordagem diferente do que era prática na altura têm sido alguns dos aspetos tidos em conta no processo de seleção.
Mas esta escolha vai também além de características gráficas e a importância do filme em questão dita a decisão final: “o esforço geral tem sido sempre fazer uma mediação entre a história do cinema e a história do design gráfico, ou seja, falar de cartazes cujos filmes têm alguma representatividade na história do cinema português”.
Na plataforma podemos encontrar os cartazes de filmes como “Ciganos”, “Nós por Cá Todos Bem” e “Máscaras” – que o designer contou serem alguns dos seus favoritos.
Projeto vem preencher lacuna de informação
Foi pela altura da licenciatura que Igor descobriu que “realmente o universo do cinema e das séries era uma referência e uma fonte de inspiração” e que nele encontrava uma excelente maneira de “cultivar essa cultura visual”. O cartaz surgia então como uma síntese, um “ponto de encontro entre o design e o cinema” e daí começou o interesse a ganhar forma.
Pela altura de pesquisa da sua tese de mestrado descobriu que havia uma grande lacuna de investigação na área a nível do design português, mas não houve o tempo necessário para fazer uma pesquisa aprofundada. “Ficou ainda muito por fazer e por explorar e fiquei com vontade de voltar mais tarde para complementar esse trabalho e fazer uma coisa mais estruturada”, conta.
A oportunidade de fazer um doutoramento acabou por surgir, porque conseguiu uma bolsa, e os últimos quatro anos de investigação foram essenciais para “fazer a pesquisa mais aprofundada e ver muitos mais filmes de modo a conhecer melhor a história do cinema português”.
A falta de conteúdo publicado fez então com que a pesquisa tenha sido feita “à portuguesa, no desenrascanço”, brinca Igor Ramos. Conseguiu acesso a alguns cartazes que tinham sido doados pelo colecionador Madeira Luís à Universidade de Aveiro, mas o processo envolveu muito trabalho de contacto com designers mais antigos, pedidos a produtoras e de procura de material “muito disperso” online.
“Dar visibilidade aos designers”
O projeto conta também com uma série de entrevistas com designers gráficos responsáveis pela criação de cartazes de cinema nacionais, onde falam, na primeira pessoa, acerca do seu processo criativo. “As entrevistas aparecem muito para dar palco, para dar visibilidade aos designers”, explica Igor.
“Até porque nós muitas vezes nem sequer os conhecemos porque não aparecem nos créditos dos filmes, ou os cartazes não são assinados. Dificilmente sabemos quem foi o designer que fez o cartaz” diz o criador da plataforma. O objetivo passa então por podermos “conhecer histórias associadas aos cartazes que, de outra forma, não saberíamos”.
A primeira temporada consiste em cinco entrevistas com os designers Ana Teresa Ascensão, Catarina Sampaio, José Brandão, João Botelho e com as ilhas studio. O primeiro vídeo, com Ana Teresa Ascensão, já está online no website e no canal de Youtube do projeto, e os seguintes serão incluídos a uma cadência mensal. Para uma segunda temporada, o designer conta que gostava de ter presentes designers como Pedro Nora, responsável pela identidade do Doclisboa, ou Judite Cília, responsável pelo cartaz que dá logótipo ao site – “O Príncipe Com Orelhas de Burro“.
Artigo editado por João Malheiro