Em dezembro, passam 25 anos desde a declaração do Centro Histórico (CH) do Porto como Património da Humanidade pela UNESCO.
Muito mudou desde então. Desde logo o próprio conceito de CH que deixou de ser entendido como um simples agregado de monumentos e muito mais como um conjunto de elementos diversos (tangíveis e intangíveis) interligados entre si, que inclui a paisagem, as tradições e as próprias gentes que o habitam.
A mudança mais significativa, porém, chegou em março de 2020, com a pandemia. O turismo foi varrido da baixa, as ruas ficaram desertas e as mesas dos restaurantes continuam vazias devido ao confinamento.
É neste contexto que a Câmara Municipal do Porto quer implementar um novo modelo de gestão do CH, desenhado com a assessoria de professores da Universidade do Porto e o contributo de uma parceria internacional.
A apresentação do Plano de Gestão e Sustentabilidade do Centro Histórico, realizado na quarta-feira (31), por videoconferência, contou com a participação dos autores do documento e de diversos elementos da autarquia.
Turismo deve ser complementado com outras atividades
A imagem usada por Teresa Ferreira, da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP), é a de uma “ilha”. É necessário impedir que o CH se transforme numa parte separada da cidade, para uso quase exclusivo dos turistas.
Rui Loza, diretor do Plano, aponta a “diversidade económica” do CH como o caminho a seguir, defendendo que esta parte da cidade deve passar a contar, para além do turismo, com “indústrias criativas e tecnológicas”.
Um caminho que, de resto, está já a ser trilhado pelo município, na opinião vereador de Economia, Turismo e Comércio, Ricardo Valente: “o turismo tem vindo a perder peso do ponto de vista da importância relativa” para o desenvolvimento económico da cidade, sublinhou. O responsável revela mesmo que, em 2019, o investimento corporate (empresarial) já ultrapassou o investimento em turismo.
Pedro Baganha, vereador do Urbanismo e do Espaço Público e Património, acrescenta que não podemos ficar reféns de uma visão do património como legado histórico “estável e perene”: “Discordo desta visão”, acrescentando que “a defesa do património histórico tem que ser compaginável com a construção do novo património”.
Inquérito dirigido à comunidade deu voz… aos visitantes
A autarquia apresentou os resultados de um inquérito online dirigido à comunidade do CH. A participação foi elevada com 814 respostas, mas a maioria (67%) é de visitantes.
Os inquiridos identificam como principais problemas do CH: a desertificação populacional, a escassa oferta de habitação e o custo das rendas.
Uma “larga maioria” dos inquiridos considera ainda existir um excesso de alojamentos turísticos, e critica o aumento de preços e a falta de estacionamento.
Prevenir tensões entre velhos e novos residentes
Paulo Conceição, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, sublinhou que o centro histórico, enquanto comunidade, está a mudar: “Temos novos residentes, residentes de há muito tempo, temos trabalhadores e investidores”.
É preciso gerir a relação entre estes diversos grupos para evitar tensões sociais, até porque as pessoas que vivem há mais anos nesta zona da cidade são marcadas pela vulnerabilidade social, com baixa escolaridade e poder económico.
Pedro Pombeiro, diretor do Departamento Municipal de Planeamento e Gestão Ambiental, fala mesmo de ”uma população muito envelhecida, isolada”. São pessoas “vulneráveis e em risco”, acrescentou.
O novo Plano tem, pois, que assegurar a coesão comunitária, permitindo que ocorra aquilo que o professor da FEUP designa de “perequação”: uma “distribuição pela comunidade dos benefícios da intervenção”.
Autarquia critica palavras vãs do estado central em matéria de investimento na habitação
No decorrer da sessão, foram apresentados dados que comprovam o aumento significativo dos preços da habitação no CH, que se tornaram semelhantes aos da Foz. Ao mesmo tempo, os intervenientes alertaram para a necessidade de aumentar o número de habitantes no CH.
A este propósito, o vereador Ricardo Valente criticou a inoperância do Governo que, quatro anos depois de lançar um programa estratégico de habitação, ainda não o tirou da gaveta: o Governo faz leis ”mas, do ponto vista prático, faz pouco mais que nada”, afirmou.
O autarca anunciou que o Programa Porto com Sentido, promovido pelo município, vai começar a apoiar a construção de raiz para arrendamento acessível e não apenas, como acontecia até agora, a transição para a renda acessível de fogos dedicados ao alojamento turístico.
A autarquia revelou que existem, neste momento, 365 fogos em sistema de habitação social no CH e que a aposta deverá passar por expandir o arrendamento acessível, permitindo atrair a ”classe média” para esta zona da cidade.
Preocupações ambientais devem marcar a futura agenda de desenvolvimento do CH
Em termos ambientais, o diretor do Departamento Municipal de Planeamento e Gestão Ambiental, referiu-se aos impactos das alterações climáticas no CH. A precipitação excessiva – e as inundações dela decorrentes -, e os episódios de temperatura extrema irão tornar-se mais frequentes.
Teremos assim, nos próximos anos, mais dias de muito calor no verão e de muito frio no inverno, devendo os habitantes do Porto adaptar-se a um padrão climático equivalente ao de uma “cidade do interior alentejano”.
Os impactos desta mudança vão agravar-se pelo facto de o CH ser, por natureza, pouco ventilado e sujeito a uma elevada degradação da qualidade do ar. Aliás, refere Pedro Pombeiro, existe uma prevalência de morbilidade e internamentos relacionados com doenças respiratórias entre os habitantes do CH, quando comparados com o resto da cidade.
O CH é um verdadeiro hotspot nesta matéria, devido às “habitações pouco preparadas e ventiladas” e “sem conforto térmico”, acrescentou.
Mais e melhor mobilidade: uma cidade amiga do cidadão
Paula Teles, da MPT (Mobilidade e Planeamento do Território), fez uma intervenção sobre a mobilidade, começando por afirmar que o CH “está desenhado para o automóvel”.
É preciso “devolver as ruas aos cidadãos“, defendeu a responsável pela empresa que está a preparar o estudo sobre a pedonalização da Zona Histórica do Porto, argumentando a favor de uma cidade mais caminhável, ciclável e amiga dos transportes públicos.
Uma das propostas desse estudo passa por limitar a circulação automóvel em locais como as Fontainhas ou a Praça Almeida Garrett (em frente à Estação de São Bento).
Projeto Atlas liga Porto a outras cidades europeias
Paralelamente, foram apresentados os resultados do projeto Atlas World Heritage, que reuniu cidades europeias do eixo atlântico com áreas declaradas Património Mundial. Porto, Edimburgo, Bordéus, Santiago de Compostela e Florença estabeleceram uma parceria para troca de experiências e definição de linhas de ação conjuntas para os próximos anos.
Raquel Maia, administradora do Porto Vivo SRU, destacou o contributo do projeto para a definição das linhas mestras do novo Plano de Gestão e Sustentabilidade do CH do Porto.
Artigo editado por Filipa Silva