Sétimo capítulo da série “Jogos Olímpicos de A a T”. Com a competição a aproximar-se, passamos em revista histórias da competição desde Atenas 1896 a Tóquio 2020. Depois de uma era marcada pelos boicotes, a passagem da chama olímpica por Los Angeles, Seul e Barcelona trouxe um desanuviar das tensões políticas entre várias nações. Carlos Lopes e Rosa Mota tornaram-se nos primeiros portugueses a conquistar títulos olímpicos.
Após as ondas de tensão no início da década de 80, com a ausência de muitos comités nas Olimpíadas de Moscovo, as edições seguintes dos Jogos Olímpicos vieram amenizar as relações entre as principais potências desportivas, com Barcelona a representar o fim de uma longa história de conflitos que afetaram a presença de vários países no evento.
A XXIII Olimpíada, em 1984, foi uma das mais produtivas para as cores portuguesas, com a conquista de um total de três medalhas, com destaque para o ouro de Carlos Lopes na Maratona. Em Seul, 1988, Rosa Mota repetiu o feito na vertente feminina e somou o segundo título olímpico para Portugal.
Los Angeles 1984: Boicote ‘comunista’ não abalou o êxito californiano
Os Jogos Olímpicos de 1984 em Los Angeles, nos Estados Unidos, foram novamente palco de conflitos extradesportivos. Os países sob a esfera de influência da União Soviética, como Cuba, Alemanha Oriental e outros países do Leste europeu fizeram um boicote que serviu como retaliação face ao sucedido em 1980, em Moscovo, quando os Estados Unidos da América e alguns países do bloco ocidental recusaram marcar presença em protesto contra a invasão soviética do Afeganistão, em 1979.
Em contraponto, mais tarde, foi a vez dos EUA invadirem Granada, em 1983, e envolverem-se na Guerra Civil Libanesa. Apesar disso, os soviéticos nunca referiram qualquer um destes acontecimentos como justificação para a não participação nos Jogos organizados em solo norte-americano.
Tratava-se, então, da terceira vez que um grupo de países utilizava as Olimpíadas pelo lado negativo, para defenderem interesses que não se relacionavam com o desporto. A política e a economia dominavam o mundo olímpico e, numa era de êxtase pelo dinheiro, os jogos baseados no amadorismo e desorganização não passavam de um anacronismo.
Estava, assim, escrito mais um capítulo da Guerra Fria, que, em grande parte da segunda metade do século XX, sensivelmente até ao início dos anos 90, dividiu o planeta em dois.
Receio económico e grandeza dos Jogos
As cidades norte-americanas de Los Angeles e de Nova Iorque foram as únicas a demonstrar interesse em organizar os Jogos. Contudo, e sabendo que apenas uma cidade por país se pode candidatar, a cidade da Califórnia tornou-se na única candidata para ser a sede olímpica de 1984.
Contrariando o medo económico em volta da realidade dos Jogos Olímpicos, Los Angeles deu o exemplo de como ser eficiente e organizada para que a competição se tornasse lucrativa. A extravagância à moda norte-americana fez sucesso e os Jogos da Califórnia foram um êxito. O maior evento desportivo do mundo bateu o recorde de presenças, apesar da ausência da URSS e da RDA, com 140 países a participarem, num total de 6.829 atletas. O torneio foi coberto por mais de 9 mil jornalistas de todo o mundo e teve o apoio de quase 29 mil voluntários.
Peter Ueberroth, presidente do Comité Organizador, revelou que estes Jogos tinham culminado num lucro de 200 milhões de dólares, fora o lucro indireto ganho pela cidade, o que provou que, quando bem organizados, e em parceria com a iniciativa privada e o bom senso na administração financeira, os Jogos Olímpicos podiam tornar-se economicamente viáveis. Este anúncio pôs de parte a ideia de extinção, por pretensa invibilidade económica, que pairava sobre a competição olímpica.
A cerimónia de abertura dos Jogos, declarados abertos pelo presidente Ronald Reagan, teve como palco principal o mesmo estádio olímpico onde se realizaram os Jogos de 1932, o Los Angeles Memorial Coliseum. Nos jogos de Los Angeles, realizaram-se 221 eventos referentes a 23 modalidades. Com a ausência de grande parte dos países de Leste e de Cuba, dominantes em várias modalidades, a qualidade técnica em várias disciplinas baixou. Ainda assim, a cidade de Los Angeles levou às bocas do mundo grandes feitos atléticos.
Domínio norte-americano e surpresa romena
A equipa dos Estados Unidos da América dominou a competição com 174 medalhas arrecadadas. O atleta norte-americano Carl Lewis fez história ao conseguir quatro medalhas de ouro nas disciplinas de 100 metros, 200 metros, 4×100 metros e salto em comprimento, igualando o feito do lendário Jesse Owens, em 1932.
Edwin Moses, outro norte-americano, também esteve em destaque ao voltar a vencer nos 400 metros barreiras, revalidando o resultado conseguido oito anos antes, nos Jogos de Montreal. Valerie Brisco-Hooks também venceu e convenceu, subindo três vezes ao lugar mais alto do pódio, e tornou-se na primeira atleta a alcançar o primeiro lugar, em simultâneo, nos 200 e 400 metros.
Ainda pelos EUA, Michael Jordan deslumbrou no basquetebol e conduziu a equipa norte-americana ao título. Também Mary Lou Retton surpreendeu ao ultrapassar as estrelas romenas no concurso geral de ginástica desportiva.
A soberania dos Estados Unidos da América, com a ausência das grandes estrelas dos países de Leste e de Cuba, não foi surpresa, contudo, ainda houve espaço para outras nações brilharem.
Nestes Jogos, a Roménia alcançou o maior número de medalhas de sempre, sendo até aos dias de hoje, os Jogos de Los Angeles o ponto alto da nação com a conquista de 53 medalhas. A atleta mais medalhada da competição foi a romena Ecaterina Szabo que na ginástica artística conquistou quatro medalhas de ouro e uma de prata.
Edição ficou marcada por estreias e brilho mundial
Como consequência do Protocolo de Lausanne assinado em 1981, a República Popular da China participou pela primeira vez nos Jogos Olímpicos, tendo conquistado 15 medalhas de ouro, num total de 32 medalhas. É a partir desta edição que a então República da China passa a competir como Taipé Chinês – através da Resolução de Nagoya, a República da China e a República Popular da China reconhecem-se quando se trata de atividades do Comité Olímpico Internacional.
A Nova Zelândia também marcou a diferença com a participação de Neroli Fairhall, a primeira atleta paraplégica a participar numa prova deste nível. A neozelandesa competiu numa cadeira de rodas, tendo acabado a competição de tiro com arco na 35.ª posição.
Nesta edição dos Jogos, foi ainda disputada a primeira maratona olímpica feminina que acabou com a vitória de Joan Benoit, dos EUA. As imagens mais dramáticas que marcaram esta maratona foram da atleta suíça Gabriela Andersen-Scheiss, que se arrastou pela pista de atletismo desidratada e desorientada até cair desanimada nos braços dos médicos, já na meta.
O Reino Unido também brilhou com o inglês Daley Thompson a tornar-se bicampeão olímpico no decatlo. No lado da Alemanha Ocidental, as medalhas também chegaram em grande, a nação conseguiu 59 conquistas. De destacar os feitos de Michael Gross que arrebatou três medalhas e dois recordes mundiais.
O primeiro “ouro” de Portugal
Ao nível português, os Jogos de Los Angeles deixaram uma recordação de grande relevo. Após a conquista da medalha de prata nos Jogos de 1976, Carlos Lopes, aos 37 anos, voltou à competição com uma vontade reforçada de chegar ao ouro. Quinze dias antes da prova na cidade californiana, o atleta português foi atropelado, tendo sofrido ferimentos ligeiros. Mas nada o travou. Na hora da prova, Lopes usou toda a sua força e fez uma corrida de mérito para o primeiro lugar do pódio.
Com este triunfo na maratona, Carlos Lopes deu o mote para o futuro de vitórias portuguesas, ao conquistar a primeira medalha de ouro olímpica para Portugal. O tempo obtido foi de louvar, com um resultado de 2 horas, 9 minutos e 21 segundos, o atleta estabeleceu um recorde olímpico que durou até 2008, ano em que o queniano Samuel Wanjiru retirou o posto ao português.
Mas a nação das quinas não se ficou por aqui. Rosa Mota, na maratona feminina, e António Leitão, nos 5 mil metros, demonstraram, em conjunto com o feito de Carlos Lopes, a capacidade e glória do atletismo nacional ao conquistarem duas medalhas de bronze.
Num ano de mais um boicote e de contínuas tensões políticas, os Jogos de Los Angeles deram o mote para a mudança organizativa da competição. Apesar das ausências de peso, esta edição ficou marcada por novos recordes, novas nações olímpicas e novas perspetivas financeiras do evento que tornaram os Jogos Olímpicos na cidade californiana um autêntico êxito.
Seul 1988: Na falta de boicotes, “doping” foi o inimigo principal
Pela segunda vez em solo asiático, depois de Tóquio, em 1964, a capital da Coreia do Sul foi a cidade escolhida para acolher a XXIV Olimpíada e fê-lo com enorme entusiasmo. Numa altura em que as tensões da Guerra Fria começavam a diminuir, os Jogos Olímpicos de 1988 foram encarados como um momento simbólico do desanuviar desse conflito, concorrendo para as bases que permitiram o seu fim.
Nesse sentido, norte-americanos e soviéticos voltaram a competir em simultâneo no evento, algo que não acontecia desde 1976, em Montreal. Os Jogos de Seul sinalizaram também o princípio do fim do histórico de boicotes à competição, o que viria a acontecer quatro anos mais tarde, em Barcelona. Ainda assim, a competição não se livrou da ausência de alguns países por motivos políticos.
Desacordo entre Coreias
O caso mais óbvio foi o da Coreia do Norte, que chegou a estar em conversações para uma organização conjunta com o vizinho do Sul, numa iniciativa impulsionada por Fidel Castro, líder cubano. A 8 e 9 de janeiro de 1986, em Lausanne, na Suíça, o COI reuniu com os comités das duas Coreias para debater esta possibilidade.
A Coreia do Norte pretendia receber eventos de 23 desportos olímpicos no seu território, ter as suas próprias cerimónias de abertura e encerramento, além de uma equipa conjunta composta por atletas das duas nações. Essas exigências não foram aceites pelo COI que ofereceu apenas metade das modalidades pretendidas ao país do Norte.
Como consequência do fracasso dessas negociações, a Coreia do Norte boicotou o evento, acompanhada por mais seis países, entre os quais se incluiu Cuba, aliada do regime norte-coreano. No entanto, foi uma redução drástica face ao que se tinha verificado nas edições anteriores dos Jogos Olímpicos.
Sem a ameaça dos boicotes, o foco da organização passou para outros problemas, relacionados em grande parte com a segurança de atletas e dos seus acompanhantes. Para fazer face aos riscos de atentados, a Coreia do Sul mobilizou uma força policial de cerca de 100 mil operacionais, com o intuito de garantir que a competição decorria sob um total clima de paz.
“Doping” a manchar a imagem do desporto
Ao nível organizativo, os Jogos Olímpicos de Seul foram um sucesso e representaram um reconciliar da família olímpica. No total, 159 nações marcaram presença no evento, o que correspondeu a quase 8.400 atletas, espalhados por 237 provas. A competição acabaria apenas manchada pelo aparecimento ao mais alto nível de um eterno rival do desporto: os casos de doping.
Pela primeira vez associado a nomes bem conhecidos do público, o doping foi um duro golpe na legitimação do olimpismo e, de uma forma mais geral, do desporto. A Bulgária teve dois halterofilistas a acusar positivo durante a competição e toda a equipa acabou por abandonar o evento, contudo, seria na velocidade que surgiria o maior escândalo.
Conhecido pela sua forte musculatura e pela explosividade no momento da partida, o canadiano Ben Johnson venceu nos 100 metros, com o estrondoso recorde mundial de 9,79 segundos, para superar o norte-americano Carl Lewis. Mais tarde, confirmar-se-iam as suspeitas que já lhe eram apontadas há muito tempo, com o teste antidoping a revelar a presença de um esteroide anabolizante na urina.
A vitória cairia assim para Carl Lewis, que defendeu com sucesso o título olímpico conseguido nas Olimpíadas anteriores. Já no salto em comprimento, não foi necessário colocar qualquer asterisco à frente da sua medalha de ouro, com o atleta a ganhar por larga margem a prova. Voltaria a vencer o ouro nesta modalidade em Barcelona e Atlanta, feito irrepetível na história olímpica.
Quem também suscitou dúvidas devido aos seus resultados em Seul foi Florence Griffith Joyner, também conhecida como Flo-Jo. No entanto, ao contrário do sprinter canadiano, a velocista dos Estados Unidos passou incólume pelas malhas do controlo antidoping, apesar das suspeitas, e acabaria o evento com três medalhas de ouro e uma de prata. O recorde mundial estabelecido nos 200 metros, de 21,31 segundos, continua sem ser superado até aos dias de hoje.
O seu desempenho ajudaria a alicerçar o domínio dos norte-americanos na velocidade, contrastado pelo desempenho dos europeus de Leste nas provas de lançamentos e pelas vitórias dos quenianos nas corridas de longa distância.
Multi medalhados na ginástica e na natação
O soviético Dmitri Bilozerchev foi um dos destaques na ginástica, ao conquistar três medalhas de ouro, menos uma que o compatriota Vladimir Artemov. Ainda assim, é de enaltecer a proeza de Bilozerchev, uma vez que conseguiu exibir-se ao mais alto nível, mesmo depois de ter fraturado a sua perna em 41 lugares após um acidente de viação, em 1985.
A amputação chegou a ser uma hipótese, mas acabou por não seguir em frente, devido ao facto de o atleta ter sido campeão do mundo antes do infortúnio. Embora algumas sequelas não o tenham abandonado, reconquistaria o título mundial no all-around, em 1987, antes de somar um trio de medalhas olímpicas no Jogos de Seul.
Na vertente feminina, houve um duelo intenso entre a soviética Yelena Shushunova e a romena Daniela Silivas. A primeira conquistou quatro medalhas, entre as quais o ouro no all-around e na competição coletiva, e um total de três notas 10 nas suas performances. Por sua vez, a romena levou três ouros para casa e obteve um recorde de sete notas 10 nas provas em que participou.
A natação também assistiu, como já vinha sendo habitual, à conquista de múltiplas medalhas por parte dos mesmos atletas. Kristin Otto, da RDA, venceu seis provas, enquanto o norte-americano Matt Biondi, que partiu para a competição com o objetivo de igualar os sete ouros de Mark Sptiz, levou a melhor em cinco provas e somou um total de sete medalhas.
Um dos responsáveis por desfeitear o objetivo do americano foi Anthony Nesty, nadador do Suriname, que se tornou no primeiro medalhado olímpico do seu país, ao vencer os 100 metros mariposa por uma centésima de segundo face a Biondi. Nesty tornou-se também no primeiro negro a vencer o ouro numa prova individual de natação.
Nos saltos para água voltou a emergir vitorioso Greg Louganis, o norte-americano que, apesar de ter embatido com a cabeça na prancha num dos seus saltos e sofrido um traumatismo, revalidou o título olímpico conquistado em 1984, em Los Angeles.
O feito histórico de Luding-Rothenburger
Os Jogos Olímpicos de Seul ficaram também marcados pela proeza irrepetível de Christa Luding-Rothenburger. A ciclista de pista, a representar a Alemanha Oriental, conquistou uma medalha de prata na XXIV Olimpíada e tornou-se na primeira atleta a conquistar medalhas em jogos olímpicos de verão e de inverno no mesmo ano. Uns meses antes, na cidade de Calgary, no Canadá, a germânica já tinha conseguido ouro e prata na patinagem de velocidade. Entretanto, as duas Olimpíadas deixaram de ser disputadas no mesmo ano, pelo que o feito da alemã permanece único.
Sessenta e quatro anos depois, o ténis regressou aos Jogos Olímpicos, com destaque para Steffi Graff que, depois de já ter ganho os quatro Grand Slams nessa temporada, conquistou o ouro em Seul. Já o ténis de mesa fez a sua estreia e começou desde logo com vitórias da China e da Coreia do Sul. No basquetebol, a União Soviética sagrou-se campeã, numa competição em que os Estados Unidos falharam o acesso à final. Esta seria a última vez que os norte-americanos se apresentariam no torneio com uma equipa totalmente amadora, ou seja, sem atletas da NBA.
Entre outras curiosidades das Olimpíadas de 1988 estão a primeira medalha olímpica da Indonésia, com a prata da equipa feminina de tiro com arco, a presença de Kerstin Palm, a sueca que se tornou na primeira mulher a participar em sete Jogos Olímpicos, e a história de Lawrence Lemieux, o velejador canadiano que estava em segundo lugar da prova, mas abandonou a prova para socorrer um competidor em dificuldades. Acabaria a prova em 21.º, mas recebeu uma medalha do COI em honra da sua bravura e sacrifício.
30 years ago today Lawrence Lemieux showed the world true sportsmanship. #Seoul1988 @TeamCanada @worldsailing pic.twitter.com/Pd8LR1FleD
— Olympics (@Olympics) September 24, 2018
O primeiro ouro de uma portuguesa
Portugal apresentou-se na capital da Coreia do Sul com uma comitiva de 66 atletas, espalhados por 12 modalidades, e embora apenas tenha conseguido uma medalha, por comparação com as três de Los Angeles, voltou a ser feita história. Depois do bronze quatro anos antes, Rosa Mota, a portuense nascida a 29 de junho de 1958 e treinada por José Pedrosa, conseguiu o ouro na maratona em Seul e tornou-se na primeira mulher portuguesa a conquistar um título olímpico, depois de já ter sido a primeira mulher a chegar às medalhas.
Depois de passagens pelo Futebol Clube da Foz e pelo Futebol Clube do Porto, fez carreira no Clube de Atletismo do Porto e acumulou várias vitórias em maratonas ao longo do seu percurso desportivo. Em 1988, atingiria o sonho olímpico ao vencer com treze segundos de vantagem para a rival Lisa Martin, depois de um ataque a cerca de dois quilómetros da meta.
No que ao medalheiro diz respeito, os soviéticos voltaram a liderar com 55 ouros. De forma surpreendente, a Alemanha Oriental levou a melhor sobre os Estados Unidos, que ficaram com o último lugar do pódio. A anfitriã Coreia do Sul ficou na quarta posição na lista dos países mais medalhados.
Os Jogos Olímpicos de 1988 foram os últimos a contar com a participação da União Soviética e da Alemanha Oriental, dada a dissolução do regime soviético, em 1991, e a reunificação da Alemanha, em 1990.
Barcelona 1992: a ausência de boicotes marca o acender da chama olímpica na Península Ibérica
Juan António Samaranch, na altura presidente do Comité Olímpico Internacional, foi um dos membros mais preponderantes para a escolha da capital da Catalunha, batendo a concorrência de Paris (França), Brisbane (Austrália) e Belgrado (na então Jugoslávia).
A Cerimónia de Abertura no Estádio Olímpico de Montjuic é uma das mais recordadas de todos os tempos, presidida pelo rei Juan Carlos I e com o tema “Barcelona” a ecoar pelo recinto pela voz da soprano catalã Montserrat Caballé e do incomparável Freddie Mercury, vocalista dos Queen que havia falecido a 24 de novembro de 1991. Os logótipos, desenhados por Javier Mariscal, foram também elogiados um pouco por todo o mundo, dando ainda mais cor a uma edição que se pautou pela união entre os países.
O ano de 1992 marcava uma mudança drástica no panorama político internacional, com o colapso da União Soviética (URSS) sob a liderança de Mikhail Gorbachev, num período de maior estabilidade e de diversos acordos de paz por todo o mundo. Vinte anos após os Jogos Olímpicos de Munique 1972, as olimpíadas de Barcelona contaram novamente com a presença de todos os Comités Olímpicos Nacionais, perfazendo um total de 169 nações e 9.356 atletas.
Dentro dos países que regressaram aos Jogos Olímpicos, repúblicas bálticas como a Letónia e a Estónia, que já não marcavam presença desde Berlim 1936, e a Lituânia, que não entrava como nação independente desde Amesterdão 1928, foram alguns dos destaques dos jogos catalães. Também Cuba, que esteve ausente das duas olimpíadas anteriores, regressou para lutar pelas medalhas, especialmente nas modalidades de boxe e basebol.
O impacto das superestrelas do basquetebol
Ao nível desportivo, Barcelona 1992 tornou-se num dos eventos mais marcantes da história não só do espírito olímpico, mas também pela “introdução” de diversas modalidades para o mundo. Apesar da grandiosidade do Estádio Olímpico de Montjuic e de todos os feitos do atletismo, o Palau Municipal d´Esports de Badalona, construído em 1991, também esteve em destaque por ter sido o palco do torneio de basquetebol, marcado pela presença da “Dream Team” (a equipa de sonho) dos EUA.
Após a surpreendente derrota dos Estados Unidos face à União Soviética em 1988, a insistência do comissário da National Basketball Association (NBA) David Stern, que achava injusto o facto de a seleção americana só poder ser composta por basquetebolistas amadores (recaindo a escolha sobre jovens universitários), levou a que os norte-americanos optassem por levar, pela primeira vez, jogadores profissionais às olimpíadas.
O lendário Michael Jordan, jogador dos Chicago Bulls, regressou aos Jogos Olímpicos após a sua participação em 1984 com outro estatuto, sendo, provavelmente, o desportista mais conhecido em todo o mundo no ano de 1992.
Juntamente com duas lendas em final de carreira (Magic Johnson e Larry Bird) e contemporâneos de muita qualidade (Charles Barkley, Karl Malone, Scottie Pippen, entre outros), a “Dream Team” foi a principal catalisadora do basquetebol pelo mundo fora, levando à globalização de uma modalidade que, apesar de praticada um pouco por todo o planeta, atingiu picos de popularidade nos anos 90.
Jogadores internacionais que marcaram os anos 2000 da NBA como Dirk Nowitzki, Manu Ginobili e Tim Duncan atribuem a sua paixão pela modalidade à “Dream Team”, que marcou não só uma geração, como todo o desporto internacional.
O atletismo e a história de superação de Derek Redmond
No Estádio Olímpico de Montjuic, o atletismo trouxe imensas surpresas nos resultados finais dos eventos. Dos 39 campeões mundiais em 1991, apenas três tornaram-se campeões olímpicos. Dentro do inesperado, encontra-se a prova feminina de 100 metros barreiras, na qual a sprinter norte-americana Gail Devers era a grande favorita à vitória.
Após a conquista da medalha de ouro nos 100 metros planos, Devers caiu no último obstáculo, abrindo assim caminho para a vitória da especialista grega Paraskevi “Voula” Patoulidou, com o tempo de 12 segundos e 64 centésimos, recorde da Grécia que ainda vigora nos tempos de hoje.
Carl Lewis, protagonista principal do atletismo olímpico em Los Angeles 1984, escreveu mais um capítulo da sua longa história, ao vencer a prova de salto em comprimento pela terceira vez consecutiva, o único atleta a conseguir esse feito nos Jogos Olímpicos.
Entre surpresas e recordes mundiais, como o do norte-americano Kevin Young (400 metros barreiras), nada superou a semi-final dos 400 metros, mais precisamente a luta e determinação de Derek Redmond, sprinter britânico.
Numa carreira fustigada por lesões, com cerca de oito operações, Redmond apresentava-se em Barcelona como um dos favoritos para lutar por uma medalha, após ter abandonado em Seul 1988 numa das eliminatórias preliminares, com uma lesão no tendão de aquiles.
Na capital catalã, e depois de uma ronda inicial tranquila, o velocista apresentava-se na máxima força para a semi-final e liderava a eliminatória nos primeiros 150 metros. De repente, Derek agarra-se à sua coxa direita e cai desamparado no chão, com lágrimas de sofrimento e a angústia de mais uma prova onde o corpo falhou.
O que se manteve em pé foi o espírito olímpico do atleta, que se levantou e percorreu os restantes 250 metros ao pé-coxinho, com a ajuda do seu pai, que ao ver o esforço do filho, procurou dar um apoio a Redmond, acabando os dois a cruzar a linha de meta no meio de uma tremenda ovação por parte do público.
Apesar de ter sido oficialmente desqualificado, Derek Redmond e o seu pai Jim Redmond ficaram para sempre na história dos Jogos Olímpicos, num momento que trouxe os valores originais das olimpíadas para os Jogos Modernos.
As conquistas espanholas no futebol e as vitórias de Scherbo
O momento mais marcante para o país organizador foi a vitória no torneio olímpico de futebol, o primeiro competição da sua história para sub-23. Na final frente à Polónia, mais de 100 mil espectadores encheram as bancadas do Camp Nou, e a vitória por 3-2 foi resultado do encontro. A seleção espanhola marcou 14 golos em toda a competição, sendo que o primeiro, frente à Colômbia, foi marcado por Pep Guardiola, atual treinador do Manchester City.
Outro momento histórico foi a presença de Carlos Front na equipa de remo espanhola. Aos 11 anos de idade, tornou-se no mais jovem participante nas olimpíadas desde 1900, fazendo parte do remo de oito espanhol que concluiu na 14.ª posição.
Em termos individuais, Barcelona 1992 teve como principal dominador o ginasta bielorrusso Vitaly Scherbo. Representando o CIS (Commonwealth of Independent States), que aglomerou quinze atletas dos estados independentes após o fim da União Soviética, como a Bielorrússia, Cazaquistão, entre outros, conquistou seis medalhas de ouro, sendo que quatro delas vieram no mesmo dia, ficando a uma medalha do recorde estabelecido pelo nadador norte-americano Mark Spitz, em Munique 1972.
No que diz respeito à participação portuguesa, após o sucesso de 1984 e 1988, Portugal não conseguiu conquistar uma única medalha, levando até Barcelona, 80 anos após a estreia das “Quinas” em Jogos Olímpicos, 102 atletas, entre os quais se destacavam Fernanda Ribeiro, com apenas 19 anos, que se estreou nas olimpíadas sem conseguir chegar à final dos 3 mil metros.
O CIS superou os Estados Unidos no quadro de medalhas, sendo que a equipa “unificada” saiu de Barcelona com 45 medalhas de ouro, 38 de prata e 29 de bronze. Destaque também para a Espanha, que para além da vitória no futebol, deixou em casa mais 12 medalhas de ouro, sete de prata e duas de bronze.
Sem medalhas nas Olímpiadas de Barcelona, Portugal voltaria a colocar atletas no pódio nas duas edições seguintes, no regresso dos Jogos Olímpicos aos Estados Unidos, em Atlanta, e à Austrália, em Sydney, bem como à Grécia, em Atenas. Estas e outras histórias entram no próximo capítulo da série “Jogos Olímpicos de A a T”.
Artigo editado por Filipa Silva