A iniciativa une seis galerias da cidade em exposições simultâneas sob o mote “Histórias com amanhã – uma cartografia solidária da relevância das galerias do Porto”, comissariada por Miguel von Hafe Pérez. O JPN foi visitar a exposição “Contemporâneos Extemporâneos” antes da abertura desta quinta-feira.

O projeto “Situação 21” inicia-se com a colaboração de seis galerias históricas do Porto – Galeria Fernando Santos, Galeria Nuno Centeno, Galeria Pedro Oliveira, Galeria Presença, Galeria Quadrado Azul e KUBIKGALLERY – no âmbito da valorização do papel económico e cultural destes espaços na cidade.

Miguel von Hafe Pérez é o comissário convidado pelo grupo de seis galeristas e, em entrevista ao JPN, afirma que esta é uma iniciativa que “se pretende afirmar como montra de visibilidade a uma das atividades que mais sofreu com o contexto pandémico”. O crítico nomeou seis curadores para dar forma à exposição de cada uma das galerias e escolheu como mote “Histórias com amanhã – uma cartografia solidária da relevância das galerias do Porto”.

Neste contexto, e para uma “reabertura que se pretendia forte e que mostrasse que há esta solidariedade”, o comissário escolheu um grupo de jovens curadores “que não têm a maior visibilidade” no meio.

“Curiosamente, acabou por ser um grupo bastante ligado às Belas Artes, o que acho que tem alguma piada, porque traz uma abertura de uma atividade mais científica, no contexto universitário, para um contexto diferente”, explica. Tendo convidado profissionais de áreas como a Arquitetura e a História, que também se dedicam à curadoria, Miguel von Hafe Pérez afirma que “esse lado híbrido acaba por ser bastante interessante”, uma vez que “cada um traz para a sua proposta um pouco também daquilo que é a sua personalidade profissional”.

Aos curadores foi dada “a liberdade absoluta de, mediante um pensamento mais ou menos abstrato”, para não só mostrar aquilo que as galerias produzem num contexto habitual, mas também abrir espaço para colaborações com novos artistas “que no futuro podem dar frutos”, revela o comissário.

“Contemporâneos Extemporâneos”

Focada na ideia do tempo e de todas as suas dimensões, “Contemporâneos Extemporâneos” é uma das seis exposições integradas na “Situação 21”. A visitar no número 526 da Rua de Miguel Bombarda, na Galeria Fernando Santos, a exposição divide-se no “Tempo da Palavra”, o “Tempo da Estória”, o “Tempo do Espaço” e o “Tempo da Matéria”, quatro “micro exposições” que ilustram as várias vertentes do conceito central.

Para dar vida às exposições, foi lançado aos curadores o desafio de convidarem alguns dos artistas já associados a cada galeria para participar, mas também de chamar “sangue novo”, artistas externos sediados preferencialmente na zona do Porto, indica Andreia Garcia, arquiteta e curadora, ao JPN.

“Mais do que a procura pelo sangue novo, a minha procura pautou-se pelos artistas que eu entendia que poderiam criar diálogos interessantes nos subtemas desta exposição, nas tais exposições que esta exposição contém”, explica Andreia Garcia. Relativamente às obras selecionadas de artistas como Ana Vidigal e Hernâni Reis Baptista, a curadora afirma que “é curioso tentarmos constelar diálogos entre gerações distintas e perfis artísticos muito distintos”, um dos objetivos da iniciativa.

No que toca à Situação 21, que a curadora considera “muito pertinente”, espera que se torne na “primeira pedra de uma iniciativa que ganhe escala com o tempo” e se venha a repetir em situações futuras, possibilidade também reforçada pelo comissário Miguel von Hafe Pérez.

Andreia Garcia considera que o Porto estava “em devir” no que diz respeito a uma iniciativa do género que “primeiro cria um diálogo entre as galerias da cidade, depois convida para esse diálogo curadores que nada têm a ver com a galeria e depois pede a esses curadores que tragam artistas que nenhuma relação tenham com a galeria ainda”, explica, afirmando que nunca tinha trabalhado com a Galeria Fernando Santos até ao momento.

Na visão da curadora, o projeto colaborativo “é um trabalho de rede em escalas que parte da cidade para o objeto artístico dentro das paredes da galeria. São muitas redes, a rede urbana, a rede artística, a rede espacial, a rede de pessoas, de gerações, são muitos diálogos e são muitas constelações possíveis e eu acho isso muito bonito”, considera.

Andreia Garcia, arquiteta e curadora da exposição "Contemporâneos Extemporâneos"

Andreia Garcia, arquiteta e curadora da exposição “Contemporâneos Extemporâneos”. Foto: Sara Cardoso

A “relevância das galerias do Porto”

A ideia de “solidariedade” contida no mote do projeto parte de uma perspetiva de entreajuda no meio artístico, num momento de crise que “tanto é material como é também uma crise de visibilidade” dos espaços culturais, indica Miguel von Hafe Pérez.

De acordo com o comissário, as galerias “mantêm sempre um lado comercial”, mas também são instituições culturais e são “absolutamente centrais naquilo que é a vida cultural da cidade”.

Se, por um lado, estas instituições acrescentam valor artístico ao meio onde se inserem e contribuem como agentes para a internacionalização de artistas e obras nacionais, as galerias agem também como “produtores culturais” que envolvem uma rede de diferentes profissionais na sua atividade. “As galerias são lugares em que uma economia estrutural ligada à cultura que se desenvolve porque não é só o galerista e o artista que estão em jogo quando se entra numa galeria e vê obras no seu espaço”, refere Miguel von Hafe Pérez.

Por outro lado, o projeto vem dar voz ao trabalho de incitação da criação e da criatividade de novos artistas posto em prática pelas galerias. Servindo como um primeiro palco de exposição, “a galeria é a primeira casa dos artistas”, afirma o comissário. A apresentação de obras nestes espaços culturais “é normalmente o primeiro momento de exposição pública do artista, que depois pode passar por outros setores, como os museus” e, por essa razão, “toda esta ação fundamental das galerias tem de ser acarinhada porque tem uma dimensão essencialmente cultural”.

A “Situação 21” conta com o apoio material e institucional da Câmara Municipal do Porto, que Miguel von Hafe Pérez considera “um gesto solidário num momento de crise profunda”. O comissário afirma que este apoio é “um sinal claro de que a autarquia tem uma visão estratégica que passa pela assunção da cultura como um vetor fundamental do desenvolvimento da cidade”. Refere também que, à semelhança do que já acontecia em Lisboa, a Câmara Municipal começou a adquirir obras de arte anualmente às galerias, algo que o crítico e curador considera “absolutamente fundamental”.

As portas das galerias abrem-se ao público esta quinta-feira (15), pelas 15 horas. As exposições podem ser visitadas até ao dia 5 de junho. Nas seis galerias incluídas no projeto integram-se as exposições:

  • “Contemporâneos Extemporâneos” – Galeria Fernando Santos
  • “Pontas duplas / Split ends /” – Galeria Presença
  • “Os conviventes” – Galeria Nuno Centeno
  • “Ária do encanto – uma flor que talvez não distinga o céu e a terra” – Galeria Quadro Azul
  • “We Want Electricity” – Galeria Pedro Oliveira
  • “Uteropias” – KUBIGALLERY

Artigo editado por João Malheiro