O virar do século marcou mais uma época próspera para os Jogos Olímpicos e para todo o espírito competitivo que dele advém. Entre três edições, Atlanta, Sydney e Atenas, vimos de tudo – estreias recheadas de sucesso, regressos às origens Olímpicas e o nascer de autênticas lendas dos Jogos. Estas três Olimpíadas foram também bastante positivas para as cores portugueses, que conseguiram mais de uma medalha em todas elas.
Atlanta 1996: Críticas à organização não beliscam sucesso financeiro e desportivo
12 anos depois de ter recebido os Jogos Olímpicos em Los Angeles, os Estados Unidos voltaram a ser presenteados com a organização de uma Olimpíada, desta vez na cidade de Atlanta, no estado da Geórgia, que queria aproveitar a oportunidade para passar uma imagem renovada do sul do país, tão frequentemente associado a tensões raciais.
Ainda que os norte-americanos tenham, mais uma vez, comprovado a capacidade para organizar o maior evento desportivo do mundo sem avultados prejuízos, graças ao apoio de investimento privado, bem como de patrocínios e venda de direitos televisivos em valores recorde, foram apontadas várias críticas à organização e também ao excessivo mediatismo dados aos atletas da casa em detrimento dos vencedores de outras nações.
A nível logístico, houve críticas em relação à insuficiência dos transportes e problemas do sistema informático, para além de uma sensação generalizada de que havia uma comercialização em excesso dos Jogos Olímpicos. O facto de Atlanta ter retirado a Atenas a Olimpíada que representava o Centenário da Era Moderna da competição também não ajudou a imagem da organização.
Apesar das críticas vocais de vários países e comités, a principal mancha negra na XXVI Olimpíada foi o atentado à bomba no Centennial Olympic Park, a 27 de julho. O ataque no parque público construído para servir como foco de concentração para as festividades dos Jogos vitimou duas pessoas e provocou mais de uma centena de feridos.
Muitas estreias e medalhas para quase todos
Os Jogos Olímpicos de Atlanta contaram com a participação de mais de 10.300 atletas e um total 197 nações. 24 países fizeram sua estreia numa Olimpíada de verão, entre os quais 11 antigas repúblicas da União Soviética, que competiram pela primeira vez de forma independente, onde se incluem países como a Ucrânia, que conseguiu um lugar entre os dez países mais medalhados.
Eslováquia e República Checa estrearam-se também como nações independentes, depois da separação da Checoeslováquia. Azerbaijão, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau tiverem igualmente em Atlanta a sua primeira experiência olímpica. Como consequência do fim da União Soviética, a Rússia voltou, 84 anos depois, a competir sob essa denominação.
O fim do Bloco de Leste permitiu também aos Estados Unidos regressar ao topo do medalheiro, algo que não acontecia desde 1968 – excetuando a edição de 1984, na qual a União Soviética e a República Democrática Alemã não participaram. No entanto, o principal destaque de Atlanta foi a distribuição quase democrática das medalhas pelos vários países. No total, 53 nações tiveram campeões olímpicos e 79 saíram com pelo menos uma medalha, dois recordes até então.
Para além dos países da antiga União Soviética, Azerbaijão, Burundi, Equador, Moçambique, Tonga e Hong Kong, na sua última participação como colónia britânica antes da passagem da soberania para a China, conquistaram as suas primeiras medalhas olímpicas, naqueles que foram os primeiros Jogos Olímpicos de verão em que nenhuma nação foi capaz de conquistar as três medalhas (ouro, prata e bronze) no mesmo evento.
Outros sinais dessa maior distribuição de medalhas pelos países participantes foram a vitória de uma atleta síria no Heptatlo, assim como a vitória da Nigéria no torneio de Futebol, que representou o primeiro triunfo africano num desporto coletivo masculino. África bateu também o recorde de países com campeões olímpicos. Seis países africanos chegaram ao ouro em Atlanta.
Nigeria’s journey to Olympic Football gold. ⚽ @FIFAcom @NigeriaOlympic pic.twitter.com/WegdfTIrhz
— Olympics (@Olympics) July 13, 2017
Nos 13 títulos de modalidades coletivas em discussão, saíram vencedores oito países distintos. Apenas os Estados Unidos (com quatro), Holanda (2) e Cuba (2) somaram mais do que um título a este nível. De uma forma generalizada, praticamente todos os países com alguma expressão desportiva, incluindo Portugal, conseguiram levar para casa uma medalha de ouro. Em sentido inverso, os britânicos tiveram a sua pior participação de sempre, com apenas um ouro.
Nos Jogos Olímpicos que marcaram o fim dos eventos de demonstração, onde modalidades não olímpicas tentavam provar a sua valia para integrar no futuro o programa principal, houve a estreia de desportos como o Futebol feminino – ganho pelos Estados Unidos -, o Voleibol de Praia, o Softbol e o Mountain Biking.
Recordes e vários feitos históricos
Na Natação, a norte-americana Amy Van Dyken ganhou quatro medalhas de ouro e tornou-se na primeira mulher dos Estados Unidos a conquistar quatro títulos numa única Olimpíada. Por sua vez, Penny Heyns fez história para a África do Sul, ao vencer os 100 e os 200 metros de bruços, a primeira vez que um mesmo nadador conseguiu levar a melhor nas duas distâncias.
Já a irlandesa Michelle Smith conseguiu três medalhas de ouro e um bronze e permanece como a atleta olímpica mais medalhada da história da nação. Contudo, as suas conquistas acabaram ofuscadas devido às suspeitas de doping. Ainda que não tenha testado positivo em Atlanta, a nadadora foi castigada com uma suspensão de quatro anos, em 1998, por interferência numa amostra.
No atletismo, para além do inevitável Carl Lewis, que conquistou o quarto ouro olímpico no Salto em Comprimento, dois outros nomes emergiram com feitos assinaláveis. No feminino, Marie-José Pérec tornou-se a mais bem-sucedida mulher de França nos Jogos Olímpicos, ao vencer os 200 metros e defender o título nos 400, a primeira a conquistar essa distância em duas ocasiões.
Obra semelhante conseguiu Michael Johnson, que conquistou igualmente o ouro nos 200 e 400 metros. Na distância mais curta, fixou o recorde mundial nos 19.32 segundos. Donovan Bailey, do Canadá, também estabeleceu um novo mínimo nos 100 metros, com o tempo de 9.84 segundos, tendo ainda ajudado os Estados Unidos a vencer as estafetas 4×100 metros.
Noutras modalidades, o halterofilista turco Naim Suleymanoglu voltou a mostrar a sua superioridade e tornou-se no primeiro a conseguir três títulos olímpicos consecutivos no Levantamento do Peso, enquanto Andre Agassi igualaria o feito da sua futura esposa, Steffi Graf, ao ser o primeiro tenista a juntar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos aos quatro torneios do Grand Slam.
A ucraniana Lilia Podkopayeva foi a segunda ginasta a vencer a medalha num evento individual depois de vencer o título All-round nos mesmos Jogos Olímpicos. Já o austríaco Hubert Raudaschi tornou-se na primeira pessoa a competir em nove Olimpíadas, numa série que começou em 1964.
O terceiro ouro português
Portugal apresentou-se em Atlanta com um comitiva de 107 atletas e com vontade de regressar às medalhas depois do fracasso em Barcelona, quatro anos antes. Foi precisamente isso que conseguiu. Nuno Barreto e Hugo Rocha chegaram ao bronze na prova da Classe 470 de Vela, mas foi Fernanda Ribeiro, com o ouro nos 10 mil metros, quem brilhou mais alto.
Campeã europeia, em 1994, e mundial, em 1995, a atleta que representava, à data, o FC Porto comprovou as suas credenciais, que lhe tinham valido a honra de ser porta-estandarte das cores nacionais na cerimónia de abertura, com uma sensacional vitória. Depois de um forte ataque da chinesa Wang Junxia, recordista mundial na distância e já com o título olímpico conquistado nos 5 mil metros, Fernanda Ribeiro operou uma impressionante ultrapassagem na reta de meta.
A atleta natural de Penafiel não só venceu, como estabeleceu um novo recorde olímpico e conseguiu um feito apenas ao alcance dos melhores desportistas do mundo. Ser simultaneamente campeã europeia, mundial e olímpica. Voltaria a marcar presença no pódio quatro anos mais tarde, em Sydney.
Sydney 2000: Clima de paz e glória olímpica
Num ano simbólico como o de 2000, as expectativas para os Jogos Olímpicos de Sydney eram muito elevadas. E os australianos fizeram jus à vontade dos comités e espectadores. Ao longo de duas semanas, a Austrália voltou a ser o palco de conquistas emblemáticas, provando a sua eficácia e capacidade organizativa que já havia sido evidenciada em Melbourne, no ano de 1956.
Com um visível amor ao desporto, tratava-se da segunda vez que a competição se realizava no hemisfério sul. Tendo em conta a localização do país australiano, os conhecidos “Jogos Olímpicos de verão” tomavam lugar entre o fim do inverno e o início da primavera no território da Oceânia.
Entre dia 13 de setembro e 1 de outubro, as Olimpíadas tornaram-se no foco mundial e a Austrália aproveitou essa visibilidade para pôr um ponto final num tema de grande controvérsia. Como forma de sarar umas das suas feridas mais antigas – o racismo direcionado para os aborígenes durante séculos –, os Jogos tiveram início com Cathy Freeman, atleta de origem aborígene, a acender a chama olímpica num estádio lotado. Este gesto carregou consigo um significado único e deu mote para a grandiosa XXVII Olimpíada.
Em Sydney, pela primeira vez, os Jogos Olímpicos tiveram três mascotes: o Olly em referência a Olympic (Olímpico), o Syd alusivo a Sydney e Millie em alusão ao novo milénio. Mas o torneio na Austrália permitiu muitas outras estreias. As Olimpíadas australianas bateram recordes no número de participantes, com a presença de 10.651 atletas, oriundos de 199 países, a concorrer em 300 competições. Os Jogos de 2000 tiveram uma cobertura mediática de destaque, com 16.033 jornalistas a dirigirem-se a Sydney.
Grandes surpresas e os triunfos australianos
Num ano que marcou o fim de um milénio, não faltaram novidades. Contudo, é de salientar que, apesar de Sydney ter sido uma cidade de recordes de presenças, uma ausência de relevo que participou nos Jogos de 1996 foi o Afeganistão, que, por razões políticas, foi afastado dos Jogos regressando apenas na edição seguinte.
Nesta XXVII Olimpíada foram introduzidas novas modalidades: o triatlo e o taekwondo, bem como, no lado feminino, o polo aquático, o pentatlo moderno e o halterofilismo. Com estas estreias, o número de medalhas também aumentou. Os Jogos Olímpicos da Austrália entregaram mais 27 medalhas de ouro do que em Atlanta, quatro anos antes.
Enquanto anfitriões, os atletas australianos deram muitas razões de festejo para o seu público. Ian Thorpe, um jovem de 17 anos, foi o “rei” das piscinas, conquistando três medalhas de ouro e uma de prata. Mas não foi o único a surpreender. Cathy Freeman, a atleta aborígene que deu o mote aos Jogos, venceu nos 400 metros para surpresa de muitos. O país dos cangurus arrecadou 58 medalhas, sendo a quarta nação mais bem-sucedida nesta edição.
No pódio, sem surpresas, ficaram os Estados Unidos da América, em primeiro lugar, com 93 medalhas conquistadas, seguidos pela Rússia com 89 e a China com o mesmo número do país anfitrião, tendo apenas ficado em terceiro lugar pelo maior número de medalhas de ouro conquistadas, 28 comparativamente com as 16 dos australianos.
Os “deuses” e a disputa pelo pódio
Na modalidade-rainha dos Jogos Olímpicos alguns atletas atingiram o posto de “deuses” dos estádios. Esse estatuto foi adquirido pelo etíope Haile Gebresselasie, que defendeu o título dos 10 mil metros, por Michael Johnson, dos EUA, que fez o mesmo nos 400 metros, e o checo Jan Zelezny, que alcançou o terceiro título consecutivo no lançamento do dardo.
Já no mundo aquático as surpresas fizeram a diferença. Na piscina, a Holanda não permitiu a hegemonia dos norte-americanos ou a supremacia esperada dos australianos. Peter Van der Hoogenband foi um dos atletas a “quebrar” as expectativas dos EUA e da Austrália, ao conquistar dois títulos (nos 100 e nos 200 metros livres) e mais duas medalhas de bronze. No lado feminino, Inge de Bruijn foi outra atleta a surpreender, sendo campeã olímpica nos 50 e 100 metros livres, bem como nos 100 metros mariposa. Para além disso, conseguiu, ainda, uma medalha de prata na estafeta de 4×100 metros estilos.
Nas provas aquáticas ao ar livre, foram conseguidas proezas inesperadas e estabelecidos novos recordes que revelaram que a longevidade no desporto se tornou um ponto marcante. O emblemático remador britânico Steve Redgrave arrecadou cinco medalhas de ouro em cinco jogos consecutivos, mas não foi o único a brilhar. Na mesma modalidade, Elisabeta Lipa, da Roménia, aos 37 anos de idade, tornou-se na remadora mais medalhada de sempre, após conquistar o seu quarto primeiro lugar olímpico e sétima subida ao pódio. As proezas de ambos tiveram início em 1984.
Na canoagem, a história foi semelhante. Birgit Fischer, representante da Alemanha com 38 anos, era já considerada um ícone do desporto, mas isso não a fez baixar os seus objetivos. Ganhou novamente e aumentou a sua vasta coletânea de conquistas para sete medalhas olímpicas de ouro e três de prata, à data. Com este feito, a alemã tornou-se na primeira mulher a conseguir ganhar medalhas em Jogos Olímpicos com 20 anos de intervalo, tendo a primeira conquista acontecido no ano de 1980, em Moscovo.
No ciclismo, a Holanda voltou a fascinar, visto que a ciclista Leontien van Moorsel venceu na competição de perseguição – tendo batido o recorde mundial da categoria –, na prova de estrada e de contrarrelógio e ainda somou uma medalha de prata na corrida por pontos.
No mundo do pugilismo, as proezas também não faltaram. O cubano Félix Savón venceu a terceira medalha de ouro consecutiva na modalidade tornando-se no terceiro pugilista a fazê-lo.
Felix Savon’s success 🥇 🥇 🥇 secured the legacy of Cuban 🇨🇺 boxing. Discover how it all began in The People’s Fighters. ▶️ https://t.co/tkoLPSpkrs pic.twitter.com/riYZPnoF5h
— Olympic Channel (@olympicchannel) June 2, 2018
Nos desportos coletivos, a grande surpresa surgiu no futebol, com a vitória dos Camarões frente à Espanha. Contudo, as maravilhas não acabaram aqui. Em estreia do halterofilismo nos Jogos Olímpicos, a Colômbia conseguiu a sua primeira medalha de ouro da história, através da deslumbrante exibição de María Isabel Urrutia.
Polémica de doping
Na época, a maior figura da competição foi a norte-americana Marion Jones, ao tornar-se na primeira mulher na modalidade de atletismo a subir cinco vezes ao pódio na mesma edição dos Jogos. Esta proeza foi possível com as vitórias nos 100, 200 e 4×400 metros, e através das medalhas de bronze conseguidas no salto em comprimento e 4×100 metros.
Contudo, a grande atleta dos Jogos de Sydney acabou por ver todas as suas medalhas olímpicas retiradas, depois de, já no ano de 2007, a mesma confessar o uso de esteroides durante a competição. Em consequência da enorme polémica gerada com a sua suspensão de dois anos do mundo do atletismo, Marion anunciou o fim da carreira enquanto atleta da modalidade.
Mas o caso de Jones não foi único. Em 2008, o Comité Olímpico Internacional retirou a medalha de ouro dos 4×400 metros, conseguidas pela equipa masculina dos EUA, em consequência das confissões feitas por Antonio Pettigrew. Ao atleta juntaram-se mais três corredores que admitiram ou testaram positivo ao uso de substâncias proibidas, sendo eles os gémeos Alvin e Calvin Harrison, dos 4×400, bem como o corredor da fase preliminar Jerome Young.
Nesta categoria, apenas Angelo Taylor, outro atleta da fase preliminar, e o recordista mundial, Michael Johnson, não foram implicados na polémica de doping. Para Johnson, a conquista nas estafetas, em que os seus colegas foram desclassificados, foi a quinta medalha para o recordista. Contudo, em consequência do caso, o atleta optou por devolver o seu título, estando a posição de ouro desta prova sem primeiro lugar atribuído.
Para além dos casos no atletismo, o ciclismo também sofreu com a desqualificação de Lance Armstrong, em 2013, e consequente perda da medalha de bronze conquistada nos Jogos de 2000, após o mesmo ter confessado o uso de doping desde 1998.
Sem ligação ao uso de substâncias proibidas, a medalha de bronze da China conseguida em ginástica artística, na categoria de “equipas”, do lado feminino, acabou por também ser retirada pela utilização de uma ginasta menor de idade na competição. O terceiro lugar acabou por ser concedido aos Estados Unidos da América.
Êxito das comunidades lusófonas
Para Portugal, os Jogos de Sydney não foram uma oportunidade de vislumbre. A comitiva das quinas conseguiu apenas duas medalhas de bronze, com os feitos de Fernanda Ribeiro nos 10 mil metros, e do judoca Nuno Delgado, na classe de -81kg.
Ainda assim, a cidade australiana foi marcante para a comunidade lusófona. Pela primeira vez, uma ex-colónia africana ouviu o seu hino tocar nos Jogos Olímpicos. O feito foi conseguido através da vitória nos 800 metros da moçambicana, Maria Mutola. Para Timor-Leste, que se encaminhava para se tornar na primeira nação independente do terceiro milénio, a participação foi simbólica, mas merecedora de destaque. No desfile olímpico participaram quatro atletas do país, que competiram sob a bandeira do Comité Olímpico Internacional.
Num ano que, à época, dava provas da qualidade dos atletas e dos grandes triunfos alcançados nos Jogos, os problemas que se vieram a desencadear tentaram tirar o protagonismo à beleza e excelência da Austrália na organização das Olimpíadas. Ainda assim, é de salientar a grandeza da maioria dos participantes na competição de 2000 que, sem recurso a substâncias proibidas, conseguiram deixar a sua marca, bater recordes e dar continuidade à essência pura dos Jogos Olímpicos.
Atenas 2004: O bom filho a casa torna
O ano de 2004 foi incrivelmente especial para o COI. Marcaram, 108 anos depois, o regresso dos Jogos Olímpicos à sua casa, a Grécia. Todo esse simbolismo teria sido suficiente para tornar os Jogos de Atenas inesquecíveis, mas o nível desportivo dos atletas que competiram entre 13 de agosto e 29 de agosto não deixou nada a desejar.
Depois de uma candidatura falhada a organizar os Jogos de 1996, que acabaram por recair na cidade de Atlanta, a cidade de Atenas foi confirmada novamente como palco da mítica prova em 1997, à frente de Roma e a Cidade do Cabo.
Os Jogos da XXVIII Olimpíada marcaram também a estreia do Kiribati e de Timor-Leste, tornando-se então na edição com mais nações a participar de sempre, com 201. Foram também os JO com maior acesso a transmissão televisiva, chegando a, segundo o COI, 3,9 mil milhões de pessoas, comparando com os 3,6 de Sydney. Os Jogos estavam ainda, pela primeira vez, disponíveis para visualização na Internet em alguns países, como os EUA e o Reino Unido.
A cidade e o país anfitrião não cortaram em nada para tornar estes Jogos o mais especiais possíveis. Deixaram a Grécia com uma série de infraestruturas de topo, como um novo aeroporto, uma circunvalação para a cidade e um sistema de metro também ele completamente novo. Os custos foram elevadíssimos, incluindo despesas nunca antes vistas em segurança, com crescentes preocupações de ataques terroristas.
O simbolismo do regresso às origens
Numa longa série de “primeiras vezes”, os Jogos de 2004 estrearam também o percurso internacional da tocha olímpica, antes desta chegar à Grécia. O icónico símbolo dos JO passou por 25 países, e, claro está, passou também pela antiga cidade de Olimpia, a casa dos Jogos Olímpicos da Antiguidade.
Como não poderia deixar de ser, os Jogos Olímpicos foram também lugar de vários momentos simbólicos, com os palcos em si das provas a serem um deles. Os eventos de lançamento do peso aconteceram em Olímpia, os de atiro com arco no estádio original de 1896, Panathinaiko Stadium, e as maratonas não só voltaram ao percurso do século XIX, como também às próprias origens do nome.
Isto porque o próprio termo “Maratona” data ao ano de 490 a.C. Nessa altura, os atenienses defendiam o seu território numa batalha devido à primeira invasão persa da Grécia. Acontece que o nome da localidade onde esta decorreu era, precisamente, “Maratona”. E a lenda conta que Pheidippides, um oficial do exército grego, aquando da vitória dos seus homens na batalha, correu de Maratona até Atenas para anunciar o resultado na cidade.
Foi esse o percurso percorrido em 1896, e, novamente, em 2004. Na corrida dos homens, o brasileiro Vanderlei de Lima estava na liderança da prova quando, com pouco menos de sete quilómetros a meta final, foi empurrado para fora da pista por um adepto. Este conseguiu recuperar, mas apenas foi capaz de segurar a medalha de bronze. Foi-lhe posteriormente atribuída a medalha “Pierre de Coubertin”, em reconhecimento do seu espírito olímpico.
A chegada de uma lenda olímpica
Os JO de 2004 marcaram também a afirmação de um dos maiores atletas olímpicos de todos os tempos – Michael Phelps. O americano havia participado nas olimpíadas de Sydney, onde, apenas com 15 anos, alcançou um 5.º lugar nos 200 metros de mariposa. Quando chegou a Atenas, era já um nadador conhecido mundialmente, e as expetativas eram grandes. Mas Phelps excedeu-as por completo, não dando quaisquer hipóteses à concorrência.
Foi inscrito em oito provas distintas, e conseguiu chegar às medalhas em cada um delas, um feito apenas antes alcançado pelo soviético Aleksandr Dityatin, em Moscovo, no ano de 1980. Na altura, o nadador havia conseguido três ouros, quatro pratas e um bronze. Já Phelps levou para casa seis ouros e duas pratas.
Começou pelos 400 metros estilos, onde arrecada o primeiro ouro e o primeiro recorde do mundo. Seguem-se os 100 metros e 200 metros mariposa, com mais dois primeiros lugares e dois recordes olímpicos. O ouro número quatro veio nos 200 metros estilos, novamente com a melhor marca de sempre em JO. Teve depois os seus dois bronzes, nos 200 metros livres, onde ainda conseguiu um melhor tempo nacional, e nos 4×100 metros livres, única prova que não quebrou qualquer recorde.
Finalizou o seu percurso quase perfeito com mais dois ouros nas provas de estafeta de 4×200 metros livres e 4×100 metros estilos. Michael Phelps estava agora nas bocas de todos os adeptos do mundo, e começava, apenas com 19 anos, a fazer história nos Jogos Olímpicos.
Recordes históricos e desilusões norte-americanas
Na canoagem, a alemã Birgit Fischer, com 42 anos, fez história a vários níveis. Ao conquistar o ouro no K4 500 metros e a prata no K2 500 metros, tornou-se na primeira mulher a ganhar medalhas em seis edições diferentes dos JO, a ganhar um ouro 24 anos depois do primeiro e ainda a primeira pessoa na história olímpica a conseguir duas ou mais medalhas em cinco edições distintas das olimpíadas.
No basquetebol, apesar dos JO não serem a prova mais importante da modalidade, os EUA surpreenderam tudo e todos ao não ganharem a competição. Foi a primeira vez que sofreram qualquer derrota desde que foram permitidos os atletas na NBA nos Jogos. A primeira derrota chegou numa partida contra o Porto Rico, e acabaram mesmo por sair do torneio nas meias finais, eliminados pela Argentina, que ganharia depois a final contra a Itália.
Novas medalhas para Portugal
Atenas foi um bom ano para a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos. Ainda que as medalhas de ouro tivessem fugido, as duas pratas conquistadas por Francis Obikwelu (100m) e Sérgio Paulinho (ciclismo) e o bronze por Rui Silva (1500m) culminaram num resultado muito respeitável para o país.
Obikwelu ficou a apenas um centésimo de segundo do primeiro, e apenas um à frente do terceiro, numa das corridas de 100 metros mais contestadas de sempre. O português ficou entre os americanos, com Justin Gatlin a ficar com o ouro e Maurice Green o bronze. Os cinco primeiros classificados ficaram separados apenas por nove centésimos de segundo.
Sérgio Paulinho ficou também ele muito próximo do ouro. Fez a última volta do circuito apenas junto do italiano Paolo Bettini, perdendo apenas no final ao sprint.
No final de contas, os EUA voltaram a ser triunfantes na tabela de medalhas geral, com 101 medalhas no total, incluindo 36 de ouro. Seguiu-se a China e a Rússia, com a Grécia a ter o seu melhor resultado desde 1896, com seis ouros, seis pratas e quatro bronzes. A Austrália tornou-se ainda no primeiro país a conquistar mais medalhas de ouro da edição diretamente seguinte da que organizou – em Sydney conseguiu 16, e em Atenas 17.
Até ver, faltam já menos de 100 dias para a tocha olímpica ser acesa em Tóquio, e no A a T estamos também a fazer as derradeiras viagens antes de todas as atenções virarem-se para o Japão. Mas para saciar a vontade de voltar a ver os Jogos Olímpicos em direto, contamos ainda, na próxima semana, todas as histórias das três mais recentes edições das Olimpíadas – Pequim, Londres e, finalmente, Rio de Janeiro -, no último episódio da série “Jogos Olímpicos de A a T”.
Artigo editado por João Malheiro