A terceira e última fase da operação urbanística de conclusão do Parque da Cidade do Porto começou na semana passada. A nova configuração do Parque da Cidade resulta de modelações do terreno e da expansão para norte, ocupando 6.500 metros quadrados previamente alcatroados, do Queimódromo. A obra pretende ainda melhorar os acessos na zona de transição entre o Parque da Cidade, o viaduto e a frente marítima.
O investimento superior a 2,6 milhões de euros abrange a criação de três novas unidades de paisagem significativas. Na reunião pública da Câmara Municipal do Porto de 23 de novembro de 2020, Filipe Araújo, vice-presidente e responsável pelo pelouro da Inovação e Ambiente, elencou alguns dos pontos da intervenção numa extensão do parque que, em parte, “não é sequer passível de ser utilizado, hoje em dia”. “Criando novos miradouros, terá uma grande avenida de árvores e reabilitação do lago. Toda aquela zona será alvo de uma intervenção que irá possibilitar um uso completamente diferente daquilo que é hoje o parque”, assegurou.
Sidónio Pardal, professor e arquiteto paisagista, que desenhou o Parque da Cidade e é responsável pelas obras agora em curso na zona poente, começa por explicar ao JPN, que “o parque é uma obra de arte que tem de ser feita com muita calma e exige muito trabalho de campo”.
As obras que decorrem no Parque da Cidade proporcionam o avanço da área verde sobre uma parte alcatroada do Queimódromo. Filipe Araújo considerou que a empreitada é “um acerto de extremos” do parque urbano. Para Sidónio Pardal, a realização de eventos no Queimódromo não fica comprometida com este remate. “A Câmara Municipal tem utilizado aquele espaço como multiusos, isso é, uma coisa lateral ao Parque. Não vai afetar nada, pelo contrário. Esses eventos têm ali espaço que nunca mais acaba”, comenta. O arquiteto paisagista lembra ainda que a zona em questão “é um espaço que não está urbanisticamente resolvido”.
Quanto à composição do Parque da Cidade, marcado por maciços e clareiras, a identidade será preservada com a conclusão das obras na secção poente. Este segmento do parque, o mais próximo da orla costeira, é também o mais afetado por condições agrestes, como fortes ventos e salsugem. Motivos que, aliás, obrigaram a que as plantações iniciais, aquando da construção do parque, fossem de carácter experimental. O cipreste-de-leyland (x Cupressocyparis leylandii), o metrosídero (Metrosideros excelsior) e o pinheiro-manso (Pinus pinea) apresentaram os melhores desempenhos ao nível da resistência, “tendo, por isso, sido os mais utilizados nas primeiras plantações”, indica o livro de Sidónio Pardal, “Parque da Cidade Porto: Ideia e Paisagem”.
A Câmara do Porto reconhece que, para lá da necessidade de podar algumas árvores, vão ser abatidos alguns exemplares. Na informação disponibilizada no site da autarquia, lê-se que os espécimes abatidos “serão largamente compensados com novas plantações”. Após a plantação recente de quase 500 árvores para reforçar a vegetação existente, segue-se a plantação de mais 1.370 árvores e 1.430 arbustos, como confirmou Sidónio Pardal.
O arquiteto responsável pelo desenho do parque é pragmático. “A árvore é um elemento de composição urbana. Nós utilizamo-la para dar conforto, estética, beleza, harmonia, sombra, conforto ao nosso espaço urbano. A árvore quando cumpre essas funções está bem, quando contraria, está mal”, afirma.
Acessos ao parque e zona envolvente
Um dos objetivos do remate poente do Parque da Cidade é melhorar os acessos a este espaço verde e à zona envolvente. O viaduto pedonal que liga o Parque ao “Edifício Transparente” será mantido, mas Sidónio Pardal afirma que “toda aquela parte por baixo do viaduto, que está um lamaçal, uma confusão”, “vai ser alterada e ajustada”. Com o intuito de tornar a marginal mais confortável para ciclistas, peões e garantir o acesso automóvel para veículos de emergência, as obras permitirão criar uma continuidade e funcionalidade à envolvente do parque urbano.
Há ainda outras novidades sobre o acesso ao Parque da Cidade. “É uma praça. A cidade é feita de espaços padrão. A praça é um elemento importante da cidade. Ali, uma pequena praceta que eu meti, na parte baixa, que resolve uma transição entre aquela charca, que vai ser aumentada para um reservatório de água mais expressivo. E depois uma das maiores clareiras do parque virá dar a sul. Na base dessa clareira virada a sul, apeteceu-me, a arte é mesmo assim, criar ali uma praceta”, explica Sidónio Pardal ao JPN com entusiasmo.
Esse elemento de transição entre a praia e o Parque da Cidade vai ter uma forma oval. “É um espaço de contraste, dentro do parque, que define uma entrada muito especial. Dá-lhe uma alma e eu acho que a cidade vai ter ali uma referência, uma respiração diferente. É uma peça que faz parte daquele conjunto”, justifica.
Durante a obra, com um prazo de execução de 240 dias, o perímetro da zona de intervenção encontra-se cercado com uma vedação de segurança. Desta forma, até ao final de novembro, o acesso ao Parque da Cidade, continua a ser possível a partir da frente marítima, mas apenas pelo percurso junto às escadas de acesso ao “Sealife”.
Parque da Cidade em construção
Parte integrante da cidade e distinguido pela Ordem dos Engenheiros como uma das “100 Obras de Engenharia Civil no Século XX” em Portugal, o Parque da Cidade, no Porto, começou a ser pensado e desenhado nos finais do século XIX. Só em 1984 é que o projeto da primeira fase do Parque ficou concluído, três anos após o arquiteto Artur Andrade, vereador da Câmara Municipal do Porto à data, propor a realização de estudos para a construção do Parque da Cidade nos terrenos que, em parte, lhe estavam destinados na zona de Aldoar pelo Plano Diretor de 1961.
Segundo o livro de Sidónio Pardal, “Parque da Cidade Porto: Ideia e Paisagem”, a localização do Parque e a reserva dos cerca de cem hectares de terreno para a construção do mesmo foi “influenciada pela extensão da mancha de terrenos rústicos e, porventura, também pelo facto destes serem lameiros, onde a construção era problemática”. De referir que, para o vale onde se encontra o projeto confluem três ribeiras: a de Aldoar, a da Boavista e a de Nevogilde.
Para Sidónio Pardal, autor do Parque da Cidade, “o conceito de parque urbano era confuso e as pessoas pensavam que um parque era um jardim grande”. O arquiteto defende que um parque e um jardim são completamente diferentes, até porque um jardim “é o espaço doméstico da casa e o parque não é isso”. “No parque as pessoas podem estar vestidas, muita gente chega ao parque e põe-se em fato de banho, umas pessoas andam a correr, outros a dormir. As pessoas podem estar como se estivessem em casa, até melhor do que se estivessem em casa”, conclui.
Para projetar o Parque da Cidade do Porto, Sidónio Pardal inspirou-se nas “teorias dos mestres da Escola Paisagista Inglesa, com os paraísos sublimes de Pückler [arquiteto paisagista] e necessariamente com os ambientes pastoris de Olmsted [arquiteto paisagista]”, aponta o livro. Outras inspirações para o espaço verde na cidade do Porto foram os conceitos de parque desenvolvido em Birkenhead, em Inglaterra, Branitz e Muskau, na Alemanha, e no Central Park, de Nova York.
Em maio, a Câmara Municipal do Porto vai publicar um manual de manutenção do Parque da Cidade, escrito por Sidónio Pardal com a ajuda dos técnicos municipais.
O guia vai permitir que “ao longo das décadas ou dos séculos, as pessoas da manutenção do Parque tenham as referências da escala das paisagens, que saibam como podar, quando cortar, quando plantar, de modo a que a paisagem não se desfigure”, explica Sidónio Pardal ao JPN.
Atualmente, o parque na cidade Invicta divide-se em três bacias autónomas, o que, mesmo perante a flexibilidade posterior na evolução do parque, “constitui, seguramente, uma das decisões mais determinantes do projeto”, na opinião de Sidónio Pardal. A construção do Parque da Cidade, reformulou aquela zona do Porto, na qual os terrenos eram previamente “ocupados por um mosaico de lameiros, campos de semeadura abandonados, um choupal plantado nos anos trinta, uma mancha de pinhal, uma lixeira a céu aberto [que funcionou até ao fim dos anos oitenta]”, como são caracterizados no livro.
Além dos elementos da natureza, o Parque da Cidade mantém uma “paisagem rural remanescente”, como é disso exemplo “o núcleo de casario do centro de lavoura de Aldoar, com os edifícios e caminhos com pavimentos de calçada portuguesa, contidos entre muros”. Sidónio Pardal escreveu que “este conjunto é um exemplar de pura arquitetura popular, que merece ser preservado, através de restauro e de reconversão de usos”.
No lado norte do Parque da Cidade, fora do parque, existe o Pavilhão da Água e um complexo desportivo. Nesse local está a decorrer uma obra de acabamento – instalação de um muro – “para não serem de modo algum perceptados dentro do parque”, vinca o arquiteto. “Já está em obra. Esse campo de jogos de Aldoar já existia lá dantes, há 70 ou 80 anos, e durante a obra [inicial do Parque], como havia muita gente que ia para lá jogar, a Câmara Municipal entendeu que seria uma agressão retirar esse espaço desportivo às populações”, explica Sidónio Pardal.
A cidade conta com um pulmão que se conserva devido ao trabalho de vários técnicos e jardineiros, como realça o arquiteto. Durante a entrevista, Sidónio Pardal alertou, ainda, que perguntar pela opinião das pessoas sobre o Parque da Cidade não é a melhor forma de atestar a funcionalidade deste género de espaço: “A expressão do Parque escapa às intencionalidades do projeto e não lhe é cometido qualquer desempenho premeditado que não seja o de oferecer a paisagem como espaço livre descodificado, em contraponto com o corpo da cidade que o envolve. A funcionalidade do Parque testa-se no modo como é apropriado e utilizado. Há espaços que são utilizados e estimados por pessoas que nunca os visitaram, mas fazem parte do seu imaginário, das suas memórias e dos seus valores”, escreveu.
Artigo editado por Filipa Silva