O período de estabilidade mundial e de boas relações entre países permitiu a manutenção do espírito olímpico nas últimas três Olimpíadas. Começando por Pequim, com passagem por Londres e chegada ao Rio de Janeiro, a história mais recente dos Jogos foi escrita por atletas icónicos, que marcaram uma era no desporto.
Michael Phelps (Estados Unidos) e Usain Bolt (Jamaica), foram símbolos de longevidade e sucesso na competição, com feitos que permanecerão para sempre no historial dos Jogos Olímpicos.
Pequim 2008: O epicentro das lendas olímpicas
O espírito olímpico chegou pela primeira vez à China, que se tornou na 22.ª nação a organizar a competição, batendo as candidaturas de Toronto (Canadá), Paris (França), Istanbul (Turquia) e Osaka (Japão).
Um forte investimento do governo chinês permitiu a criação de dois palcos olímpicos que ficariam para a história dos Jogos, quer pela sua arquitetura, quer pelo plano desportivo: o Estádio Nacional de Pequim, mais conhecido como “Ninho de Pássaro” e com uma capacidade para quase 90 mil pessoas e o Centro Aquático Nacional de Pequim, que recebeu a alcunha de “Cubo de Água”.
O percurso da chama olímpica principiou a 24 de março de 2008 na Grécia, viajando por todos os continentes, exceto a Antártida, visitando cidades situadas na antiga “Rota da Seda”, simbolizando o histórico elo de ligação entre a China e o resto do mundo.
O design da tocha olímpica baseou-se nos tradicionais pergaminhos, utilizando um desenho chinês tradicional, conhecido como “Nuvens Propícias”, e o lema das Olimpíadas de Pequim era “Um Mundo, Um Sonho”, sendo mais uma referência à união mundial e ao espírito olímpico.
A Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, no “Ninho de Pássaro”, esteve repleta de momentos icónicos, como o que foi protagonizado por Li Ning. O antigo ginasta chinês, medalhado nas Olimpíadas por dez vezes, foi escolhido para acender a chama olímpica no topo do Estádio Nacional, dando uma volta pelo recinto enquanto estava suspenso no ar. Estavam assim lançadas as Olimpíadas de 2008, que decorreram de 8 a 24 de agosto.
O “cubo” foi de Michael Phelps
Após a prestação em Atenas 2004, onde conquistou seis medalhas de ouro e duas de bronze, os olhos do mundo estavam colocados no nadador norte-americano Michael Phelps. Inscrito novamente em oito eventos, Phelps tinha os olhos postos no recorde de uma lenda olímpica da natação, Mark Spitz, o “tubarão americano”, que em Munique 1972 conquistou sete medalhas de ouro, feito único até então.
Com um metro e 92 centímetros, o “peixe voador” era, aos 23 anos, já considerado o nadador mais completo de todos os tempos, conseguindo resultados de destaque em todas as variantes da modalidade e um domínio quase absoluto na mariposa. Num espaço de sete dias, a possibilidade de Michael Phelps fazer história encheu o “Cubo de Água” de emoção e suspense.
Após uma vitória confortável no medley de 400 metros, a segunda final foi a dos 4×100 metros em estilo livre, uma das competições em que Phelps tinha sido medalhado de bronze em Atenas.
O quarteto francês tinha vantagem perante o conjunto norte-americano antes dos últimos 100 metros da estafeta, tendo Alain Bernard como aposta, que havia estabelecido o recorde mundial nos 100 metros livres no dia anterior. As esperanças de Michael Phelps estavam depositadas no experiente colega Jason Lezak, que fez o esforço da sua vida, ao nadar o último percurso em 46 segundos e 6 centésimos, mais de um segundo abaixo do recorde mundial de Bernard, mantendo a esperança de Phelps viva.
Outro momento de maior aperto para o norte-americano surgiu na sétima final, nos 100 metros mariposa. Após seis finais vencidas, com seis recordes mundiais, o “peixe voador” partia para o evento como claro favorito. A prova foi mais renhida do que se antevia, especialmente devido à forte pressão de Milorad Cavic, nadador sérvio que liderou grande parte da prova, e só foi ultrapassado por Michael Phelps na última braçada. A diferença de somente um centésimo, manteve o sonho acesso, que vinha a tornar-se realidade no medley de 4×100 metros a 17 de agosto.
Oito medalhas de ouro, sete recordes mundiais e uma prestação que fica para sempre na história dos Jogos Olímpicos.
O “ninho” conquistado por Usain Bolt
No Estádio Nacional de Pequim, outra lenda olímpica mostrava-se pela primeira vez ao mais alto nível. Usain Bolt, sprinter jamaicano, tinha-se estreado discretamente nas Olimpíadas de Atenas, com apenas 18 anos. Com recordes mundiais na categoria júnior, Bolt apareceu ao mais alto nas competições seniores nos Campeonatos do Mundo de Atletismo de 2007, na cidade japonesa de Osaka, sendo medalhado de prata nos 200 metros.
Em 2008, Usain Bolt teve uma evolução drástica, especialmente nos 100 metros, onde passou a focar a sua atenção, juntamente com os 200 metros. Entrou nos Jogos de Pequim como recordista mundial do hectómetro e favorito às medalhas.
O que aconteceu no “Ninho de Pássaro” superou todas as expectativas. Nos 100 metros, Bolt teve uma excelente partida, numa das suas (poucas) lacunas, e melhorou o seu recorde mundial, estabelecendo a marca de 9.69 segundos como novo máximo na prova rainha do sprint.
De seguida, veio a sua especialidade, os 200 metros. Uma vitória do atleta jamaicano igualava o feito de Carl Lewis, sprinter norte-americano que venceu os 100 e 200 metros em Los Angeles 1984. Todos os especialistas esperavam o ouro de “Lightning Bolt”, mas poucos acreditavam que o recorde mundial de 19.32 segundos, estabelecido em 1996 nas Olímpiadas de Atlanta por Michael Johnson pudesse ser superado.
A verdade é que Usain Bolt conseguiu, por um centésimo, escrever novamente o seu nome no livro de recordes, levando o público à euforia no Estádio Nacional de Pequim.
O terceiro ouro de Bolt surgiu nos 4×100 metros, onde a Jamaica ia dividindo o protagonismo com os Estados Unidos da América. O domínio do quarteto jamaicano, composto por Nesta Carter, Michael Frater, Asafa Powell e Usain Bolt foi claro, conseguindo tirar 30 centésimos ao recorde mundial, concluindo a prova em 37.10 segundos.
Em janeiro de 2017, esta conquista foi anulada, devido às análises ao sangue feitas a Nesta Carter que acabou suspenso por doping, e retirou as medalhas a todos os seus colegas, incluindo Usain Bolt.
Para além de Bolt, outra lenda do atletismo deixou a sua marca em Pequim, a saltadora com vara Yelena Isinbayeva. Depois do ouro em Atenas, quatro anos antes, a atleta russa voltou a bater recordes, saltando 5.05 metros, o seu 24.º recorde mundial, fazendo crescer ainda mais o seu pecúlio no salto com vara.
O quarto ouro português
O “Ninho de Pássaro” foi palco da quarta conquista nacional em Jogos Olímpicos, novamente no atletismo, mas desta feita fora da vertente do fundo. Nélson Évora, atleta do triplo salto, foi o autor da proeza.
Depois do título mundial conquistado em Osaka, no ano anterior, o saltador português partia para Pequim como uma das esperanças nacionais para as medalhas, e não desiludiu. Perante a forte competição de Phillips Idowu (Grã-Bretanha) e Leevan Sands (Bahamas), o atleta de origem cabo-verdiana confirmou o favoritismo, saltando 17.67 metros e trazendo o quarto ouro para história de Portugal nas Olimpíadas.
A outra medalha portuguesa em Pequim foi conquistada por Vanessa Fernandes, que concluiu o triatlo feminino na segunda posição, acumulando mais uma medalha de prata para o histórico das “quinas”.
A China foi a grande conquistadora de medalhas de ouro nos “seus” Jogos, ao vencerem por 48 vezes, num total de 100 medalhas para o país anfitrião. Os Estados Unidos conquistaram 112 medalhas, mais 12 do que a China, embora apenas 36 fossem de ouro.
Londres 2012: Um ano de poderio feminino e grandeza olímpica
Com o slogan “Inspire a Generation” (“Inspira uma Geração”), os Jogos Olímpicos de Londres tinham toda a capacidade de deixarem a sua marca na história desta competição. A preparação da cidade inglesa começou muito cedo. Data de 2005 o início do processo de remodelações e adaptações para uma receção marcante e de destaque do grande torneio mundial de desporto. Pela terceira vez, a cidade londrina foi a anfitriã das Olimpíadas, tornando-se na primeira cidade a conseguir este feito. As edições anteriores decorreram em 1908 e 1948.
Num período antecedente de construção e revitalização de Londres, foram várias as transformações a que a cidade foi submetida e vários os lesados por determinadas apostas. De forma a serem construídas todas as infraestruturas necessárias, foi inevitável proceder a remodelações dos transportes públicos e de fazer algumas demolições que causaram polémica. Muitos proprietários demonstraram a sua insatisfação relativamente à destruição de habitações – como foi o caso dos inquilinos de Clays Lane Estate – e às indeminizações recebidas. Para além disso, surgiram preocupações sobre o impacto que o aumento turístico em zonas como os Jardins Allotments, poderia causar, o que inspirou a comunidade a lançar uma campanha de apoio.
A cidade de Londres foi dividida em três zonas: a Zona Olímpica, a Zona do Rio e a Zona Central. Estas foram as sedes principais dos Jogos Olímpicos britânicos.
Chegado o ano de 2012, o Reino Unido estava pronto a receber o grande evento olímpico. Entre dia 27 de julho e dia 12 de agosto, a cidade londrina foi o palco de mais magia e brilho na XXX edição dos Jogos. Com a presença nos 302 eventos de 10.568 atletas oriundos de 204 países, estava apontado mais um ano de sucesso participativo e desportivo.
Ano histórico para a comunidade olímpica mundial
O calendário olímpico para os Jogos de Londres não foi o ideal para os representantes de países muçulmanos, que viram o período de competição colidir com o seu tradicional Ramadão. Tal circunstância levou alguns líderes a alertar para a possibilidade de existir alguma desvantagem na competição, tendo sido solicitada a alteração do calendário do torneio de 2012.
Apesar desta inquietação, os Jogos Olímpicos mantiveram o plano estipulado e foram um ponto de viragem. Pela primeira vez, a Arábia Saudita, o Catar e o Brunei enviaram mulheres para representar as respetivas nações e disputar os eventos da competição, situação que tornou as Olimpíadas de Londres no torneio inaugural em que todos os comités olímpicos tiveram mulheres a competir. Este foi um marco na história que deu o mote para uma mudança que perdurava desde o início dos Jogos.
Num ano memorável de transição para vários países, alguns pesadelos aparentes acabaram solucionados. A dissolução das Antilhas Neerlandesas levou à anulação da sua filiação com o Comité Olímpico, em junho de 2011. Porém, isso não significou a ausência dos atletas antilhanos qualificados nos Jogos de Londres, pelo contrário, os mesmos foram autorizados a participar de forma independente com a bandeira olímpica.
Mas esta possibilidade não se cingiu a uma nação. Em julho de 2012, o Comité Olímpico Internacional anunciou uma permissão especial para que o maratonista sul-sudanês Guor Marial pudesse competir. Guor, que na época vivia nos Estados Unidos da América e era refugiado, participou na competição também de forma autónoma, sob a bandeira olímpica.
Londres foi a cidade da mudança e do prestígio olímpico
Com os olhos virados para o Reino Unido, as Olimpíadas preparavam-se para trazer grandes novidades ao formato de diversas modalidades. A primeira alteração deu-se com a exclusão do beisebol e do softbol e a sua substituição pelo râguebi e golfe. E a frescura ansiada para a competição de 2012 não ficou por aí. O boxe também sofreu mudanças com o surgimento da modalidade para o lado feminino com 3 categorias a juntarem-se às outras 13 na vertente masculina.
Já na canoagem, deu-se a substituição das classes de 500 metros por classes de 200 metros para o lado masculino. Para além disso, foi removida a categoria C2 500 metros dos homens e introduzido o K1 200 metros feminino, atribuindo, desta forma, e pela primeira vez, dois eventos na modalidade para as mulheres.
Outras alterações ocorreram no pentatlo moderno onde a modalidade de tiro ao alvo passou a ser disputada por pontos corridos, no ténis que viu ser adicionado o evento de duplas mistas, e no ciclismo em que as classes femininas aumentaram de três para cinco.
O evento na capital inglesa deu frutos para muitas nações, mas o pódio ficou entregue a três comités que elevaram a fasquia dos Jogos Olímpicos de 2012. Sem surpresa, os EUA conseguiram 103 medalhas, seguidos pela China, com 91 conquistas e, a fechar com o terceiro lugar, o anfitrião Reino Unido, com 65 medalhas.
Num ano de glória mundial, os feitos dos atletas não passaram, nem passarão, despercebidos. Dong Hyun Im, da Coreia do Sul, bateu, contra todas as adversidades, o primeiro recorde olímpico desta edição, ao marcar 699 pontos no tiro com arco. Com uma visão bastante reduzida, e sendo legalmente considerado cego, o atleta sul-coreano colocou o seu nome na lista dos melhores da modalidade, quebrando o recorde que já vigorava desde a competição em Atlanta, no ano de 1996.
Na ginástica, Gabrielle Douglas fez o hino dos Estados Unidos da América entoar na arena, após a conquista da medalha de ouro no “All Around”. A atleta tornou-se na primeira ginasta afro-americana a conseguir alcançar o primeiro lugar do pódio.
O atletismo viu a grande estrela que é Usain Bolt, demonstrar a sua qualidade de lenda da modalidade. O atleta jamaicano conseguiu, novamente, três medalhas de ouro, nos 100 metros, nos 200 metros, e nos 4×100 metros, onde a equipa da Jamaica bateu o recorde mundial. Bolt tornou-se no primeiro atleta bicampeão dos 100 metros, desde as conquistas de Carl Lewis, em Seul 1988.
Também nos 4×100 metros, mas do lado feminino, a equipa norte-americana conquistou o ouro e estabeleceu, também, um novo recorde mundial. Estes Jogos Olímpicos foram brilhantes para a classe de equipas.
Ainda neste evento, o britânico Mo Farah, a correr em casa, consagrou-se campeão olímpico em duas classes, ao vencer nos 5.000 metros e nos 10.000 metros, tornando-se no primeiro atleta da Grã-Bretanha a ganhar estas provas.
No futebol, o prestígio também se fez ouvir. O futebolista galês, Ryan Giggs, titular na seleção britânica, estabeleceu dois recordes ao tornar-se no atleta mais velho a disputar o torneio olímpico da modalidade, com 38 anos, e ao estabelecer- se como o mais velho a marcar um golo na competição, numa partida frente ao Emirados Árabes Unidos.
O torneio realizado num país integrado na Commonwealth, viu, pela primeira vez, um membro da família real impor-se e conquistar uma medalha, neste caso de prata. A atleta que alcançou esta conquista foi Zara Philips, neta da rainha Isabel II, que fez parte da equipa britânica na modalidade de hipismo.
O grande ícone dos Jogos da Grã-Bretanha foi o nadador norte-americano, Michael Phelps, que bateu o recorde da ginasta soviética Larissa Latynina, ao alcançar 19 medalhas olímpicas, que o consagraram como o atleta olímpico mais galardoado da história. Na competição, Phelps foi o primeiro a conseguir virar tricampeão na mesma prova de natação, ao conquistar o ouro nos 200 metros estilos. Mas esse não foi o único feito do nadador, já que alcançou outro título de tricampeão, agora, nos 100 metros mariposa.
O ano de 2012 significou uma evolução de enorme relevo para os Jogos Olímpicos, mas a história não parou aqui. A 4 de agosto de 2012, o primeiro atleta biamputado competiu numa Olimpíada. Oscar Pistorius, da África do Sul, usou uma prótese de lâminas de fibra de carbono e foi autorizado pelo Comité Olímpico a correr. Embrulhado num ambiente de grande apoio no estádio, o atleta sul-africano conseguiu classificar-se para a semifinal dos 400 metros, com o segundo melhor tempo. Já na semifinal, não foi além do último lugar. Mais tarde, Pistorius subiu à ribalta pelos piores motivos, visto que foi acusado e condenado pelo homicídio da namorada, Keeva Steenkamp.
Para Portugal, os Jogos Olímpicos de Londres não significaram grandes conquistas. A equipa das quinas conseguiu apenas uma medalha de prata, com o feito de Fernando Pimenta e Emanuel Silva na canoagem de K2 1000 metros.
Polémica também marcou presença em Londres 2012
Como em todos os Jogos Olímpicos, a controvérsia também se fez ver e ouvir na cidade londrina. E começou pelos atletas da casa.
Nas estreias das seleções britânicas masculinas e femininas de futebol, os futebolistas que não eram ingleses recusaram-se a cantar “God Save The Queen” (Deus salve a rainha), o hino nacional britânico. Na equipa feminina, Kim Little e Ifeoma Dieke, da Escócia, mantiveram o silêncio enquanto o hino entoava, e, na equipa masculina, os galeses Ryan Giggs e Craig Bellamy fizeram o mesmo. A atitude dos atletas foi bastante criticada pelo público do Reino Unido.
A 30 de julho, o Comité Olímpico desqualificou dois atletas das Olimpíadas por comentários racistas: a grega, Paraskevi Papahristou, atleta de triplo salto, e o futebolista da Suíça, Michel Morganella.
O ambiente polémico não terminou. No mesmo dia, uma decisão bastante contestada dos juízes de esgrima decretou a derrota de Shin A Lam, da Coreia do Sul. No último segundo do confronto, foi contabilizado um ponto à esgrimista alemã Britta Heidemann, depois de a cronometragem não registar o segundo regulamentar para a finalização da disputa. Com o resultado atribuído, e enquanto a equipa sul-coreana apelava à mudança de decisão, Shin A Lam permaneceu na pista, como exige o regulamento, durante mais de uma hora. No dia a seguir à confirmação do resultado, a Federação Internacional de Esgrima admitiu o erro e decidiu premiar a atleta com uma medalha especial. Contudo, Shin recusou o prémio ao afirmar que não se tratava de uma medalha olímpica e que não a iria consolar, visto que não se deu a mudança no resultado do confronto.
Num ano de 2012 que, por si só, já se declarava marcante, o Reino Unido assumiu o controlo da tarefa à qual se candidatou e, com os olhares de todo o mundo, não desiludiu. A XXX Olimpíada voltou a trazer grandes vitórias e transições na realidade mundial e competitiva, e apresentou-se como um grande sucesso organizativo e monetário para o país anfitrião, dando, novamente, provas da grandiosidade que esta competição transpõe.
Rio de Janeiro 2016: Do investimento ao fairplay olímpico
Pela primeira vez na América do Sul, os Jogos Olímpicos tiveram lugar no Brasil. Mesmo sabendo que apenas uma vez na história os Jogos deram lucro – Los Angeles 1994 – , o país esperava um retorno financeiro, a longo prazo, proveniente da promoção da nação e fluxo de turistas associado. Se em Los Angeles não foram necessárias obras profundas e construção de equipamentos, no Brasil a história é bem diferente e resume-se a 40 mil milhões de euros de investimento. Os turistas, estimados em 1,17 milhões, acorreram ao estado do Rio de Janeiro, uma vez que ali, entre 5 e 21 de agosto, foram realizados 306 eventos, dos quais 71 foram finais, distribuídos por 28 modalidades.
Além do olhar atento à competição em si, os brasileiros estiveram atentos ao investimento público e privado que tornaram os Jogos possíveis. A maior obra foi o Parque Olímpico, em Jacarepaguá. Com mais de um milhão de metros quadrados de área, os três pavilhões desportivos têm capacidade para 36 mil lugares. Este complexo foi utilizado para 16 modalidades olímpicas e 9 paraolímpicas. O Sambódromo foi alvo de uma reforma, de modo a receber provas de tiro com arco e maratona. Mais ainda, foram construídos o Parque dos Atletas, o Campo de Golfe Olímpico, o Complexo Desportivo de Deodoro.
Nesta edição dos Jogos Olímpicos, Portugal competiu com 96 atletas em 16 modalidades, e apenas trouxe uma medalha, de bronze, por intermédio de Telma Monteiro, na prova de judo feminino (-57kg). A delegação portuguesa foi uma das que se queixou das condições de alojamento na Barra da Tijuca, o local escolhido para alojar 17 mil atletas e treinadores. Dados os problemas com a canalização, gás e eletricidade encontrados, várias federações, recusaram o alojamento, entre elas a australiana e a equipa de futebol feminino da Suécia.
Alistair Brownlee chegou ao Brasil com a missão de revalidar o título em provas de triatlo e cumpriu. Depois de nadar 1.500 metros e completar 38,49 quilómetros a pedalar, nos últimos 10 quilómetros de corrida, Alistair debateu-se com o seu irmão mais novo, Jonathan, que tinha alcançado o bronze em Londres. No decatlo, apesar de Ashton Eaton igualar o recorde olímpico (8.893 pontos), a medalha de ouro parecia novamente em discussão quando o francês Kévin Mayer reduziu a distância pontual com desempenhos no salto à vara e lançamento do dardo melhores do que o rival mais velho. O resultado dos 1.500 metros de corrida, no último de dez eventos, foi favorável a Eaton.
Os Jogos de 2016 marcam o fim de uma era no atletismo. Usain Bolt competiu pela última vez, e os resultados não ficaram aquém do “esperado”. O jamaicano conquistou três medalhas de ouro, nas três vertentes em que competiu: 100 metros, 200 metros e 4×100 metros.
400 metros intensos com ou sem barreiras
Na final dos 400 metros da corrida de obstáculos masculinos, quatro atletas chegaram à meta com um tempo inferior a 48 segundos, sendo que o grande vencedor foi Kerron Clement. O americano que tinha alcançado o segundo lugar, em Pequim, completou a prova em 47.73 segundos, não deixando dúvidas da recuperação das lesões com que se debateu em Londres. Já na vertente feminina, mesmo correndo sob uma chuva intensa, Dalilah Muhammad liderou do início ao fim, e terminou a corrida em 53.13 segundos.
Shaunae Miller, natural das Bahamas, impediu Allyson Felix de se tornar na primeira atleta feminina a vencer cinco medalhas de ouro. Como? Mergulhando para a pista em cima da linha da meta. Ao percorrer os 400 metros em 49.44 segundos, Miller ultrapassou Felix por 0.07 segundos. Desta forma, Miller conseguiu vingar-se da derrota no Campeonato do Mundo de 2015, no qual terminou em segundo lugar atrás de Allyson Felix.
O melhor Brasil da história dos Jogos
Os Estados Unidos da América lideraram o quadro de medalhas, tanto em número de medalhas de ouro conquistadas (46) como no total (121), respetivamente. A “nação da casa” alcançou um inédito 12.º lugar na classificação final, com 19 medalhas conquistadas. Acumulando sete medalhas de ouro, seis de prata e seis de bronze, o Brasil superou os resultados obtidos em Atenas – cinco medalhas de ouro – e as 17 medalhas de Londres. O Brasil teve também direito a medalha e recorde olímpico. No salto à vara, o brasileiro Thiago Braz da Silva superou o francês recordista do mundo, Renaud Lavillenie, ao superar a marca dos 6,03 metros.
No voleibol de praia, Alison Cerutti e Bruno Oscar derrotaram o par italiano, Paolo Nicolai e Daniele Lupo, perante um ambiente frenético no estádio, em Copacabana. Este foi o primeiro triunfo, em 12 anos, na modalidade para os brasileiros. Um exemplo de estreia absoluta aconteceu no boxe, quando Robson Conceição garantiu o ouro para o Brasil pela primeira vez. No voleibol de pavilhão, Serginho, pivot da seleção brasileira, tornou-se tornou o primeiro atleta de desportos coletivos do país a disputar quatro decisões pelo ouro olímpico.
Na canoagem, em C1 200 metros, o brasileiro Isaquias Queiroz terminou a final em terceiro lugar, pelo que se tornou no primeiro atleta do país a conquistar três medalhas olímpicas na mesma edição dos Jogos. Isaquias falhou assim o pleno, depois de conquistar duas medalhas de prata nas categorias C-1 e C-2 100 metros. Já na final dos k-2 1000 metros, Portugal terminou em quarto lugar, por intermédio de Emanuel Silva e João Ribeiro, no entanto, foram os alemães Max Rendschmidt e Marcus Gross que levaram a melhor sobre sérvios e australianos.
A jogar em casa, a seleção “canarinha” de futebol venceu a Alemanha no desempate de grandes penalidades. Os brasileiros converteram cinco penalidades contra quatro dos alemães, após o empate a um golo no tempo regulamentar. No futebol feminino, as germânicas derrotaram a seleção da Suécia por 2-1.
Rescrever a história
Pela primeira vez na história, o Egito teve mulheres em competição em voleibol de praia olímpico. A imagem de Doaa Elgobashy a jogar de calças e hijab percorreu o mundo e mostrou evolução ao nível da participação feminina no desporto no país. Por outro lado, a atleta de taekwondo e vencedora de uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro de 2016, Kimia Alizadeh, fez duras críticas à forma como as mulheres são tratadas no Irão. Assim, a primeira mulher a vencer uma medalha nos Jogos Olímpicos enquanto representante do país, oficializou, em janeiro de 2020, que desertou.
A vitória da Argentina em hóquei frente à Bélgica por 4-2, resultou na primeira medalha de ouro para a delegação nesta modalidade. O bronze foi entregue à Alemanha, que venceu os holandeses através de grande penalidades (1-1, 4-3 nos penaltis). Por sua vez, a Dinamarca causou espanto ao abalar o domínio da França, em andebol. A vitória por 28-26, desolou os franceses, campeões olímpicos em 2008 e 2012, campeões do mundo em 2009, 2011 e 2015, e campeões europeus em 2010 e 2014.
Competiu em cinco finais, ganhou quatro medalhas de ouro (e uma de bronze) e igualou os quatro títulos numa só edição da soviética Larissa Latynina, 1956, da checoslovaca Vera Caslavska, em 1968, e da romena Ecaterina Szabo, em 1984. Simone Biles, ginasta de 1 metro e 44 centímetros, entrou de rompante, deixou a concorrência para trás e revolucionou a modalidade. Mais tarde, por exemplo, em 2018, deu nome a movimentos técnicos inventados por si. No polo oposto, a entrar na “reforma”, Michael Phelps, lenda das piscinas, reforçou o estatuto de atleta olímpico com mais medalhas, ao marcar presença em seis pódios, cinco das vezes ocupando a primeira posição.
Já a atleta chinesa, Ren Qian, entrou para o livro das curiosidades, uma vez que se estreou como campeã olímpica no mergulho, a partir de uma plataforma a 10 metros da água, com apenas 15 anos e 180 dias. Por fim, o recorde do lançamento do martelo que pertencia à polaca Anita Wlodarczyk foi batido pela própria, três vezes no mesmo dia. O segundo lançamento constituiu a melhor marca (80.40m, 82.29m e 81.74m). Nunca uma atleta feminina tinha ultrapassado os 80 metros.
Fairplay e amizade para a vida
Terminamos a edição desta semana com uma história que mostra o sentido dos Jogos Olímpicos, do espírito de sacrifício, perseverança e entreajuda. A neozelandesa Nikki Hamblin e a norte-americana Abbey D’Agostino não se conheciam, mas estavam a competir na mesma prova de 5.000 metros. Na fase inicial da corrida, a atleta da Nova Zelândia tropeçou e caiu, derrubando a americana que seguia no seu encalço. D’Agostino parou e ajudou Hamblin a recuperar, no entanto, a americana prontamente se queixou das dores que sentia no tornozelo. A atleta americana foi assistida pela adversária, não desistiu e completou 2.000 metros em visível sofrimento.
As fotografias da entreajuda e do abraço entre estas duas figuras pouco conhecidas, percorreu o mundo. Dado o significado deste momento, ambas as atletas receberam a oportunidade de competir na final, contudo, dada a severidade da lesão de D’Agostino, apenas Hamblim disputou a final. O Comité Olímpico Internacional atribuiu-lhes o prémio de desportivismo, que só foi atribuído 17 vezes.
Participar em várias edições dos Jogos Olímpicos é uma realidade para vários atletas profissionais, só que não é eterno. Ginobili, Scola e outros veteranos da seleção argentina de basquetebol, que tinham alcançado a medalha de ouro em Atenas e o bronze em Pequim, fizeram a sua última partida no Rio de Janeiro, frente aos Estados Unidos. Na despedida, saíram sem medalhas, após a derrota por 105-78, nos quartos de final.
No “A a T”, chegamos ao fim da viagem pelas Olimpíadas. Mais de um século de histórias, com o lema da união, superação e festa como elementos basilares de uma saga com muitos capítulos por escrever. Daqui a três meses, a chama regressa a Tóquio, um ano depois do esperado, com Paris (2024) e Los Angeles (2028) no horizonte.
Artigo editado por João Malheiro