Ana Catarina Monteiro é natural de Vila do Conde, mas pode dizer-se que fez da água o seu habitat natural. Começou a nadar aos dois anos, por força dos pais, que queriam que tivesse segurança neste meio. Mal sabiam que estavam a começar ali o que viria a ser a paixão de uma vida

Aos sete anos integrou a pré-competição, a convite do Ginásio Clube Vilacondense, clube que até hoje representa. Na altura, o ballet, modalidade que também praticava, ficou para trás e foi a natação que ganhou maior destaque na sua vida. Ao JPN, explica que a decisão não tem grande justificação: “acho que era o que me trazia mais adrenalina. O próprio convívio também, os meus melhores amigos andavam todos na natação”.

Para uma criança, os primeiros passos no mundo competitivo podem ser assustadores. Mas para Catarina, a competição foi sempre uma experiência “positiva”: “Nunca olhei para a competição como um bicho de sete cabeças, era algo positivo. Nunca fui demasiado competitiva, sempre fui muito mais competitiva comigo própria do que com os outros. E acho que isso também me ajudou em todo o processo e a aceitar tudo isto de forma mais natural”, afirma.

A entrada no patamar competitivo trouxe também mais responsabilidades, uma delas o aumento da carga de treinos, que foi, segundo Catarina Monteiro, “gradual”, como “subir os degraus de uma escada”. Dos dois treinos semanais para os três, depois quatro e por aí em diante, até à rotina que leva hoje, com 11 treinos por semana

A rotina não a cansa. Afinal, é dos treinos que tira o maior prazer: “Durante muito tempo, eu era aquela atleta que treinava mais do que o que rendia na competição. Com o tempo também fui aprendendo a competir, mas os treinos eram o que realmente me desafiava”.

E dos treinos começaram a aparecer os resultados nas competições nacionais e internacionais. A nadadora dá destaque ao ano de 2012, quando, aos 19 anos, atingiu os mínimos B de acesso aos Jogos Olímpicos – ficou em segundo lugar no ranking nacional, atrás da antiga recordista Sara Oliveira, que acabou por ser a atleta a conseguir o bilhete para os Jogos de Londres. Foi no momento em que atingiu o mínimo que percebeu que a natação podia ser mais do que um passatempo, que era algo no qual era realmente boa. “Acho que foi o momento em que eu pensei que podia chegar aos Jogos Olímpicos e mudei completamente a minha vida”, afirma. 

Foi também nesta altura que a atleta percebeu que o seu futuro na modalidade passaria pela mariposa. Esta sempre foi a categoria que a atleta mais gostou e, com o surgimento dos primeiros resultados, a mariposa foi ganhando, de forma natural, maior preponderância nos treinos. 

Da natação como hobby a ocupação a tempo inteiro

Perceber que o sonho olímpico não estava assim tão distante fez com que Ana Catarina Monteiro tivesse de tomar algumas decisões, uma delas a escolha entre a natação e a licenciatura. Estava no primeiro ano da faculdade, no curso de Bioengenharia, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).

Até aqui, conciliar a modalidade e o estudo tinha sido “fácil” para a atleta. Com a entrada no ensino superior e o aumento da exigência, tornou-se insustentável gerir ambas. Com o apoio dos pais, focou-se por completo na natação e o estudo foi relegado para segundo plano. 

Com a decisão, a atleta passou a concentrar os seus esforços na prática da natação. Os Jogos Olímpicos deixaram de ser um sonho e passaram a ser um objetivo. 

Do sonho olímpico ao bilhete para Tóquio

Em 2016, a atleta esteve perto de embarcar para o Rio de Janeiro, mas uma lesão já antiga no ombro afastou-a dessa possibilidade. Depois de ser submetida a uma cirurgia e de quase meio ano fora da água, relembra que teve de “começar do zero”. A época de 2016/2017 foi, então, uma época “em que só queria desfrutar e tentar acertar nos pequenos pormenores”, explica.

Mas, no ano seguinte, ninguém a parou. Em 2018, no Open Vale do Sousa, em Felgueiras, Ana Catarina Monteiro estabeleceu o recorde nacional absoluto de 200 metros mariposa em piscina curta. Passou a deter os recordes tanto em piscina curta como longa. Em 2019, em Coimbra, atingiu os mínimos necessários para garantir lugar nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. O momento deixa-a, ainda hoje, “sem palavras”. 

O adiar da chama olímpica

Março de 2020 deveria ter marcado o início da preparação final para os Jogos. O objetivo seria atingir o pico de forma aquando do início das olimpíadas, em julho. Contudo, como todos já sabemos, a tempestade de covid-19 que assolava o mundo, chegou a Portugal, deixando toda a gente desamparada. O desporto não foi exceção. 

Para Ana Catarina Monteiro, o grande medo era o cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Assim, o anúncio do adiamento “não custou muito a aceitar”. “No momento em que saiu a decisão, eu pensei “ok, isto é para todos. Não havia condições de os Jogos acontecerem este ano”.

A atleta reconhece que, “ao contrário de muitas rivais” tinha a oportunidade de continuar a usufruir das instalações na sua terra natal, Vila do Conde, retirando um lado positivo de toda a obscuridade que a pandemia trouxe consigo. 

Enquanto que o ano de 2020 não foi tão negativo como à partida se poderia pensar, 2021 chegou, arrastando consigo uma onda de inseguranças. O regresso à competição está a ser, segundo Ana Catarina, um verdadeiro desafio. 

Uma das maiores contrariedades tem sido a falta de controlo que a nadadora tem sentido durante os 200 metros. Apesar disso, as competições que teve recentemente em Nice, Marselha e Coimbra foram vantajosas, porque pôde voltar a sentir a competição, a adrenalina e a evolução da sua performance.

Tendo sempre presente a ambição de levar a bandeira das Quinas até à capital nipónica, a jovem destaca, mesmo em momentos de menor fulgor, a sua capacidade de resiliência, reconhecendo a importância do bem-estar mental para os resultados desportivos aparecerem. “O foco está todo em Tóquio, por isso, é continuar a trabalhar e desfrutar do caminho ao máximo”. 

Até lá, ao receio de ter alguma lesão acresceu o de ficar infetada com SARS-CoV-2, o que acabou por acontecer. Após esta entrevista ao JPN, a atleta testou positivo à Covid-19, o que a obrigou a ficar dez dias em isolamento. Ao JPN, conta agora que esteve sempre sem sintomas e “serena”. Acabou por perder um estágio, mas adaptou os treinos à sua circunstância. O foco nos Jogos ajudou no processo.

No regresso à água, e ao contrário do que estava à espera, “sentiu-se bastante bem”. Apesar de saber que a paragem pode comprometer a sua performance, a atleta vai marcar presença no Campeonato da Europa, daqui a três semanas. A três meses de Tóquio, o “principal objetivo”, tem “mais do que tempo” para se preparar, afirma..

Um exemplo para as gerações futuras da modalidade

No que diz respeito à relação entre os atletas “veteranos” e os mais jovens, Ana Catarina Monteiro tenta diferenciar-se, fazendo com que a relação com estes seja o mais próxima possível, “quer nas redes sociais, quer na piscina”. “A natação é um meio pequeno e temos que ser nós, os mais velhos, a puxar os mais novos, e acho que isso ainda não existe muito na natação. Há um grupo de elite que se afasta um bocadinho dos restantes”. 

Mas estar fortemente ligada aos mais novos não é suficiente. A mensagem que transmite é ainda mais importante e Ana Catarina tenta sempre dizer-lhes “que têm de desfrutar dos treinos, do desafio diário, agarrar-se a essas pequenas coisas e motivar-se sempre com isso”.

Os resultados nem sempre serão positivos e por isso o mais importante é sentir paixão pelo desporto, porque quando as conquistas surgem esse “momento de concretização vale por tudo o que está para trás”.

A atleta reconhece que os bons desempenhos internacionais estão intimamente relacionados com o desenvolvimento da modalidade, mas alerta para o facto de ainda haver um longo caminho a percorrer para “nos podermos pôr lado a lado com as grandes potências mundiais que efetivamente ganham medalhas”

A pandemia veio dificultar ainda mais as contas. Devido às especificidades do desporto – o facto de ser preciso uma piscina e estas se encontrarem fechadas – “vai existir uma quebra muito grande na natação”. Há atletas que terão de saltar de escalões, perdendo, por exemplo, a categoria de cadetes, a sua primeira experiência na competição e uma altura fundamental para cimentar bases, como nos explica Ana Catarina Monteiro.

Neste momento, o grande objetivo da Federação Portuguesa de Natação “passa por tentar lutar por uma final olímpica”, um feito não alcançado há já 37 anos – o primeiro e único nadador português a conseguir o feito foi Alexandre Yokochi em Los Angeles, 1984 sendo este um “grande sonho e um objetivo muito alto”. 

O futuro pós-natação sempre ligado ao desporto

Apesar de os estudos terem ficado em suspenso numa fase inicial, a nadadora vilacondense tem feito um esforço, ao longo dos anos, para nunca deixar cair esse lado por completo. “Para nós os cursos são uma segurança, porque quando a nossa carreira de natação acabar, não temos muito tempo para ingressar noutra vida, porque o que nós vamos conseguindo ganhar é para nos sustentar”. 

Uma vez que nesta modalidade a profissionalização não é possível sem apoio externo, os desportistas dependem do apoio de bolsas, como a do Comité Olímpico de Portugal e, no caso de Ana, da Câmara Municipal de Vila do Conde. Este cenário aumenta a responsabilidade nos ombros dos atletas e a imprevisibilidade do dia de amanhã. “Se um dia as coisas não saem, podemos perder tudo de um dia para o outro. Por isso, não se pode falar de uma profissão segura”. 

Assim, a necessidade de ter um plano B é maior. Para Ana Catarina Monteiro este passa por conjugar a bioengenharia com a sua grande paixão. O foco está para já em Tóquio e a atleta tem a ambição de marcar presença nos Jogos de Paris 2024, mas “depois disso gostaria de enveredar um bocadinho mais na minha área de formação, mas de certa forma também ligada ao desporto”. 

Tem a área da melhoria da performance desportiva em mira, dado que é um campo que lhe daria “muito prazer trabalhar”. “Tudo a seu tempo, agora o foco está na natação, e quando a natação terminar, tentar dar uma volta para perceber qual é o futuro profissional”, conclui. 

Artigo editado por Filipa Silva