Agregando poemas de quase meia centena de autores com origem em nove países distintos, a antologia “Volta pra tua terra” é um livro que parte de Portugal e se “dirige ao mundo”. É assim que o define Manuella Bezerra de Melo, em entrevista ao JPN.

“Queríamos fazer algo para escritores e imigrantes residentes em Portugal, que tivesse o caráter antifascista e antirracista”, explica a poeta e investigadora na área da Literatura que, em conjunto com Wladimir Vaz – em representação da Editora Urutau que publica o livro – integra a curadoria dos poemas presentes na antologia.

Volta para tua terra: uma antologia antirracista/antifascista de poetas estrangeirxs em Portugal

Volta para tua terra: uma antologia antirracista/antifascista de poetas estrangeirxs em Portugal Foto: Editora Urutau

Da América Latina à África, passando por alguns países europeus, a obra dá visibilidade a poetas estrangeiros para publicarem o seu trabalho e a realidade que experienciam diariamente. “A literatura portuguesa precisa de saber que houve escritores estrangeiros que residiram em Portugal, que produziram em Portugal e que questionaram certas lógicas que são oriundas de uma memória que precisa de ficar nos livros de história, que não pode ser perpetuada”, refere a investigadora.

Lógicas essas que, de acordo com Manuella Bezerra de Melo, se têm vindo a espalhar pelo mundo desde a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas, em 2016, e se manifestam em Portugal através de um preconceito colonialista. “O crescimento da lógica fascista mundial expressa-se muito aqui através da memória colonialista. A memória do Portugal colonizador ainda está muito viva”, afirma. Essa perceção motivou o título da obra, “uma frase muito emblemática” que não é estranha aos ouvidos de quem já sofreu casos de xenofobia.

Numa sociedade cada vez mais global, onde mudar de país se torna simultaneamente mais simples, a investigadora refere que é importante perceber que emigrar “é algo que mexe profundamente com as estruturas do ser humano, com as questões identitárias, com a nossa noção de ser, de existir como ser humano, como pessoa, como cidadão”.

O próprio tema das barreiras linguísticas é abordado na obra, mesmo quando a língua é a mesma. “A questão da variação da língua portuguesa foi muito tratada pelos autores brasileiros, no sentido da opressão, da língua como fator de segregação, como um fator de tratamento hierárquico”. Também o racismo se faz muito presente, principalmente partindo dos autores afrodescendentes que “sentem isso de forma muito evidente porque a pele já é um revelador de que teoricamente seriam de fora”, explica a investigadora.

Manuella Bezerra de Melo, poeta e investigadora.

Manuella Bezerra de Melo, poeta e investigadora. Foto: Manuella Bezerra de Melo

Apesar de se focar nos problemas sociais vividos por estrangeiros em Portugal, Manuella Bezerra de Melo sublinha que esta “não é uma antologia contra portugueses” e que espera que os “portugueses que compreendem se juntem a nós porque esta não é uma questão de Portugal, é uma questão do mundo”. Mais do que tudo, a obra tem “um papel de sensibilização do fator subjetivo, de se prestar atenção no que é que se diz e quais são as dores que estão ali expostas como carne viva”. Para a investigadora, “não são só as dores dos autores que ficam aqui [expostas no livro], são as dores de Portugal porque quem fere também está sendo ferido, Portugal também está ferido”, reforça.

A obra “Volta pra tua terra” reúne 49 poemas de 49 autores e conta com a publicação bilingue dos textos que não são escritos em português. O primeiro volume da antologia poética, um projeto que se adivinha que continuará, está já disponível no site da Editora Urutau e será apresentado pela primeira vez no dia 8 de maio, no Selina Hotel, no Porto.

Artigo editado por João Malheiro