A coloração amarela vibrante não passou despercebida aos olhares daqueles que se cruzam com a instalação móvel que, esta terça-feira (11), percorreu quatro espaços públicos da cidade do Porto. Mal a equipa encarregue do projeto saiu à rua, logo ouviu o comentário de um homem que, enquanto pedia para tirar uma fotografia, vocalizava aquele que era, afinal, o propósito da obra: “dar voz ao povo, isso mesmo!”
A paragem inicial estava por minutos, mas Mariana Almeida, arquiteta responsável pela criação da estrutura e pela inquietação que a envolve, já começava assim a questionar-se sobre o impacto que o objeto iria despertar no público.
Construída em madeira, num amarelo vivo, e equipada com travões de segurança nas rodas, a estrutura, facilmente comparável a um púlpito, faz-se de degraus. Quem sobe, depara-se com um círculo de contornos negros e a frase “ocupe o vazio”. Mais acima pode-se ler a indagação: “Qual é a voz da tua cidade?”
Mariana Almeida explica que a peça parte da premissa que “existe um vazio aqui que é preciso ocupar”. A reflexão proposta dirige-se ao indivíduo e ao coletivo, com a arquiteta, em jeito de provocação, a tentar promover o questionamento sobre a participação – ou a ausência dela – no espaço público, na cidade, no Porto.
Denominado “Ecoante”, o trabalho de Mariana Almeida pretende levar o cidadão a uma análise sobre a existência ou não de plataformas e mecanismos para ouvir a comunidade, a acessibilidade ao cidadão comum dessas plataformas, a burocracia existente para que a participação cívica seja efetiva e a falta de espaços informais de discussão cidadã.
A obra é a primeira a arrancar, no âmbito do coletivo Living City, composto por um total de dez participantes, de diferentes zonas do país e áreas profissionais. Com origem em setembro de 2020, no âmbito do programa Criatório, o projeto, coordenado por Orlando Gilberto-Castro, é composto por um total de nove trabalhos. Após a impossibilidade de divulgação do projeto, no inicio de 2021, por conta das medidas de confinamento, começa a ser divulgado agora com perspetivas de decorrer entre os meses de maio e junho.
Mesmo antes da estreia, a instalação móvel já tinha sido usada em público, no contexto do movimento “Por um Jardim na Boavista”, que se opõe à ocupação do espaço da antiga estação ferroviária da Boavista, pela construção de um El Corte Inglés. A estrutura, na altura, serviu para que os presentes pudessem visualizar, para além dos muros que cercam a antiga estação, o espaço em que está projetada a intervenção.
Pensada para percorrer diversos pontos da cidade do Porto, a instalação móvel iniciou o seu percurso no Jardim da Arca d’água, onde acabou por dividir espaço com uma iniciativa independente liderada por Guilherme. O jovem, inspirado por outros movimentos que reclamam por mais jardins na cidade, pede a maximização do “potencial verde de uso público.”
A próxima paragem fez-se na Praça da República. Apesar de boa parte dos bancos estarem ocupados e haver uma significativa circulação de pessoas durante o horário de almoço, apenas os olhares curiosos cercaram a infraestrutura e ninguém se atreveu a subir.
“Um dois e quatro!” Pelas 14h00, foi hora de levantar a estrutura em peso e seguir para a terceira paragem do dia. O trajeto foi feito a pé e, à passagem pela estação de metro da Trindade, o grupo ouviu um “corajosos!”, exclamado por um senhor que identificou a peça por se ter deparado com ela noutro local.
A seguir, a paragem ocorreu em frente à Câmara Municipal do Porto, contornando imprevistos como a quebra de uma das rodas da instalação. Mesmo antes de ser reparada, a peça não deixou de ser usada. À estrutura subiram as primeiras pessoas.
Eram dois estudantes de São Tomé e Príncipe, Carla de 21 anos e Leandro de 20. Estavam a passear pela cidade do Porto, quando o amarelo da peça lhes captou a atenção. A jovem pensou que haveria uma relação entre a instalação e o imponente edifício que lhe servia de fundo. Já Leandro estava convencido que o propósito era outro: “sinceramente, pensei que fosse um lugar para tirar fotos, eu não fui mais longe do que isso”, afirma o jovem em tom de riso.
Não demora muito até à chegada de Rossana Ribeiro, de 34 anos, que de imediato assumiu acompanhar o coletivo pelas redes sociais, e destacou estar no local de propósito para ver a instalação móvel. A também arquiteta realçou o seu interesse na obra, por se tratar de um projeto participativo a propor ocupação do espaço público, e ainda sublinhou que a peça isolada “tem esse carácter de púlpito que também é forte, especialmente, em frente à Câmara, onde ganha ainda mais essa simbologia.”
O percurso foi concluído na Praça Carlos Alberto, onde a instalação foi posicionada no centro e deixada a sós por mais um período antes de se concluir a ação.
O sobe e desce da estrutura não foi grande, mas Mariana Almeida comenta que não será a falta de “atrevimento” daqueles que só observaram e não exploraram a estrutura. A arquiteta considera antes que essa ausência reflete a própria falta de participação no debate. Outras razões apontadas passam pelo teor de novidade diante de “algo estranho” ou mesmo a falta de “confiança” para alguém se expor no espaço público.
Esse foi o primeiro trabalho apresentado pelo coletivo Living City. As datas e locais das próximas ações vão ser divulgadas no site do projeto. Assim como outras informações sobre o trabalho desenvolvido pelo coletivo e a atividade final, que será a produção de um manifesto impresso.
O projeto tem o prazo de conclusão previsto para setembro de 2021, no entanto, Orlando Gilberto-Castro, coordenador do projeto, afirma que é “possível” que o projeto tenha continuidade: “algumas relações que estão a estabelecer-se, podem originar outros projetos, outras iniciativas. Está tudo em aberto, nesse sentido”.
Artigo editado por Filipa Silva