O ministro do Ambiente e Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, convocou para esta semana “uma reunião” com as entidades envolvidas no processo de aval à construção de uma estrutura em betão que está em curso no areal da praia do Ourigo, no Porto.

O Ministério do Ambiente e da Ação Climática defende, numa nota enviada sexta-feira às redações, que “independentemente de não se aplicarem as regras do Programa de Ordenamento da Orla Costeira ao tempo do licenciamento, uma vez que a praia está sob gestão portuária, não se afigura compatível com o dever de proteção costeira a existência de um edifício com estrutura em betão num areal”.

O ministério comunicou ainda que a Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território decidiu abrir um inquérito sobre este processo.

Câmara vai estar na reunião

Contactado pelo JPN, o gabinete de Matos Fernandes não adiantou a data do encontro, no qual a Câmara Municipal do Porto (CMP) já confirmou a presença.

“Saúdo o senhor ministro pelo envolvimento que tem tido nesta matéria”, começou por dizer o presidente da autarquia, Rui Moreira, na reunião pública do Executivo, que decorreu esta segunda-feira de manhã.

Além de confirmar a presença da CMP, Rui Moreira adiantou aos vereadores que solicitou um parecer jurídico para averiguar se houve alguma “nulidade no processo” e “mais do que isso” para perceber se a autarquia podia ter feito mais: “Poderia ter tido isto um veto político ou não? Essa é uma questão relativamente importante quer para este processo quer para outros”, afirmou.

O entendimento da autarquia é, contudo, “claro”, como afirmou o vereador do Urbanismo, Pedro Baganha, numa declaração que abriu os trabalhos do dia: “a Câmara Municipal não cometeu neste processo qualquer nulidade”.

“O projeto está licenciado porque cumpre todas as normas em vigor e mereceu os pareceres favoráveis de todas as entidades com competência para se pronunciarem”, afirmou o vereador, responsabilizando no processo sobretudo a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), responsável pela concessão do espaço – primeiro em 2006 e depois em 2017, já depois de o mar e um incêndio terem destruído o restaurante que ali estava instalado.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a quem cabia um parecer vinculativo sobre a construção e o método construtivo – parecer que, segundo a CMP, foi negativo numa primeira ocasião, mas favorável depois de ter sido apresentado um aditamento ao projeto – também foi visada, sobretudo por Rui Moreira.

“Como é possível que a APA nos tenha praticamente dito que coisas como a Casa do Fernando Távora passam a estar em risco de destruição [no âmbito do Plano de Ordenamento da Orla Costeira], considera que o Edifício Transparente está em risco, que a Pizza Hut tem de desaparecer, que o Antigo Aquário tem de desaparecer, está a dizer que é preciso demolir casas e, neste caso, tem esta decisão”, acusou.

A oposição fez eco das críticas à APDL e à APA, considerando também que o Executivo devia ter levado o assunto à Câmara, como apontaram PS e CDU. “Estamos a falar de uma licença de reconstrução de um edifício que já lá existia. Desde que tomei posse já vou em 9.800 atos praticados em processos de urbanismo. Os senhores vereadores querem que os traga aqui?”, respondeu Pedro Baganha.

“A competência do órgão político não se pode sobrepor a questões desta natureza, que são técnicas. Até porque cometeríamos uma ilegalidade”, completou Rui Moreira.

Questionado pelo vereador do PSD, Álvaro Almeida, sobre se a CMP podia ter interferido no modo de construção – elementos “pré-fabricados de betão” que “pouco difere de uma estrutura metálica em termos de facilidade de desmontagem”, segundo a CMP – o vereador do Urbanismo considerou que não: “Tinha de ser sustentado em parecer negativo da APA”, referiu.

Obra na praia do Ourigo

As obras na praia do Ourigo geraram uma onda de contestação nas redes sociais, por edificar-se uma estrutura em betão mesmo no areal da praia.

A Câmara Municipal do Porto esclareceu na sexta-feira, em comunicado, que a obra tem como objetivo “a reconstrução de um restaurante aí existente” – o restaurante Shis, junto ao molhe da Foz do Douro – destruído primeiro pelo mar em 2014 e depois por um incêndio em 2015.

O betão está no centro da discussão, mas a autarquia considera que essa não é “a questão central do problema” porque é “natural que o concessionário pretenda que o edifício seja o mais resistente possível”. Para a autarquia, segunda declarações desta segunda-feira do vereador Pedro Baganha, “a questão é a própria existência de um edifício naquela localização”, apontando de novo à APDL o dedo pela renovação da concessão do espaço, em 2017, por mais 20 anos.

“O edifício não deveria ter sido concessionado”, na opinião do vereador, que, tendo em conta o cumprimento das normas em vigor e “os pareceres favoráveis de todas as entidades com competência para se pronunciarem”, não “vislumbra como pode a Câmara Municipal do Porto revogar essa concessão sem elevados prejuízos para os portuenses”.

Partidos pedem explicações à Câmara do Porto

Além dos partidos com assento no Executivo municipal, outras forças políticas manifestaram-se sobre o caso. O Bloco de Esquerda refere ter “sérias dúvidas” se quanto à “dimensão, impacto paisagístico e materiais utilizados” a obra “enquadra-se nos critérios, características e valências previstas pelo Programa de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) para este tipo de estruturas/apoios de praia, ou outro tipo de edificado conexo”.

O partido informa que questionou a Câmara Municipal do Porto, a APA e a APDL para averiguar o teor dos pareceres emitidos, se foram considerados os impactos ambientais e paisagísticos para a construção da obra e “qual foi o teor da pronúncia dos serviços camarários responsáveis pela apreciação dos valores ambientais e paisagísticos deste tipo de intervenção”.

O PAN (Pessoas-Animais-Natureza) também já questionou o município do Porto para saber “o que fez e vai fazer a autarquia para reverter o licenciamento”, refere o partido numa nota à imprensa.

O Ministério do Ambiente também foi contactado pelo partido para averiguar a posição do Governo sobre este processo, “uma vez que esta construção se encontra em domínio público, domínio hídrico, zona inundável e é incompatível com o POOC”, refere-se em nota de imprensa.

A APDL foi igualmente questionada para confirmar a veracidade sobre estes acontecimentos, assim como, sobre “os motivos que levaram à emissão do parecer positivo, que considera incompatível”.

Bebiana Cunha, deputada municipal do partido, considerou que tendo em conta “o passado recente da destruição das estruturas naquele local, o país investe na elaboração de cartas sobre os riscos de inundações e cartas das zonas inundáveis, investe na elaboração de um Plano de Ordenamento da Orla Costeira e depois a APDL e a Câmara Municipal do Porto ignoram-no”.