Seis anos depois de ter dado início à revisão do seu Plano Diretor Municipal (PDM), a Câmara Municipal do Porto aprovou, na segunda-feira (24), a nova versão do documento.
Com os votos favoráveis dos vereadores do Movimento de Rui Moreira, a abstenção do PSD e os votos contra do PS e da CDU, a proposta segue agora para nova votação na Assembleia Municipal.
Depois de ter estado em discussão pública entre outubro e dezembro do ano passado, a autarquia tomou em linha de consideração 370 das cerca de 400 contribuições que recebeu. Destas, 10% foram “totalmente acolhidas” e 15% foram “parcialmente acolhidas” de acordo com os dados revelados pelo vereador do Urbanismo na sessão.
Pedro Baganha classificou o documento – que é, na realidade, um conjunto de vários planos e regulamentos – como “um plano equilibrado, realista, pragmático e exequível, mas ao mesmo tempo ambicioso, moderno e inovador”.
A adjetivação da oposição foi também positiva na apreciação da qualidade técnica do documento. Já não alinhou pelo mesmo diapasão no que respeita à substância “política” do plano, sobretudo se ultrapassadas “as grandes prioridades” – com as quais, genericamente, todas as forças políticas mostraram acordo. O problema, notaram os vereadores do PS, PSD e CDU está nos detalhes.
Cinco “grandes prioridades”
Pedro Baganha enunciou os cinco grandes objetivos da autarquia com o novo PDM:
- uma nova abordagem à estrutura ecológica municipal, com o aumento da área verde pública e a qualificação da sua rede hidrográfica de rios e ribeiras;
- o aumento da dotação de habitação disponível, com particular enfoque na sua acessibilidade, tendo como pano de fundo a recuperação demográfica e a regulação do mercado imobiliário;
- a aposta nos modos suaves, no transporte coletivo e na qualificação do espaço público;
- a proteção da identidade, da atmosfera e do património da cidade;
- e a promoção da competitividade económica e do emprego, área fundamental para a promoção da coesão social e territorial.
Álvaro Almeida, do PSD, aplaudiu estes objetivos em conjunto “com algumas inovações introduzidas” como “a opção de sobrepor a rede hidrológica com o ordenamento de áreas e corredores verdes na carta de estrutura ecológica municipal. É muito sensato e vai contribuir para tornar o Porto mais verde”, considerou.
Contudo, frisou, este “não é o PDM que o PSD faria por várias opções políticas” adotadas. A principal está relacionada com “a opção pela densificação”, isto é, “pelo aumento da área de construção [em algumas zonas da cidade] que não é devidamente acompanhada das soluções necessárias para manter a qualidade de vida dos cidadãos do Porto.”
O vereador do Urbanismo respondeu ao social-democrata argumentando que “quando temos mais gente a viver mais próxima uma da outra e mais próxima de onde trabalha, estamos tendencialmente a reduzir fluxos de mobilidade e estamos a conter a expansão dos perímetros urbanos”, acrescentando que as zonas escolhidas pela autarquia para o aumento da densificação construtiva “são aquelas onde há oferta de transporte coletivo”.
Álvaro Almeida mostrou-se ainda “preocupado” com “o excessivo recurso ao financiamento bancário para financiar a execução do PDM”. Apesar de ser uma estimativa, o facto de se prever “um financiamento bancário adicional de cerca de 28 milhões de euros por ano, todos os anos, durante pelo menos a próxima década”, tal significaria, “a ser executado dessa forma, [que] no final da década, a CMP atingiria cerca de 300 milhões de euros [de dívida] o que nos faz lembrar aquela situação que a câmara vivia no final do século passado e que obrigou a sacrifício significativo nos anos seguintes”, recordou.
Pedro Baganha acredita que isso não acontecerá porque “nenhum plano” é “cumprido a 100%, seria lírico afirmar isso”, e porque o vereador do Urbanismo acredita no respaldo que a autarquia vai encontrar, em termos de financiamento, no nível de receita que o futuro Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e Urbanística – “uma absoluta novidade no município” aprovado também esta segunda-feira – venha a reunir.
PS vê problemas no acesso à habitação
“Não estamos nada seguros que as soluções do PDM conduzam a uma melhoria do acesso à habitação, sobretudo numa perspetiva interclassista, isto é, de quem realmente precisa do acesso à habitação: pessoas de baixos rendimentos, classes médias e mais jovens” destacou, pela sua parte, o socialista Manuel Pizarro.
O que é o “zonamento inclusivo”?
É uma das novidades do PDM. Segundo informação da autarquia, por causa deste instrumento as “operações urbanísticas com uma área de edificação relevante, situadas no centro da cidade terão que afetar uma percentagem da área para habitação acessível. Em alternativa, poderá ser cedida à Câmara Municipal parcela (ou parcelas) com a edificabilidade correspondente ou efetuado pagamento da respetiva compensação”, que reverterá para o Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e Urbanística. Pedro Baganha acrescentou na reunião que entram no radar deste instrumento operações urbanísticas que excedam os “1500 metros quadrados de área bruta de construção”. E pode não estar em causa construção nova: “basta que haja uma alteração de uso para cair nesta ferramenta, por exemplo, a transformação de habitação num hotel ou serviços.” A opção pela compensação monetária por parte do promotor será a última opção “não a regra” e “será a CMP a ter a competência de decidir, operação urbanística a operação urbanística, se aceita uma compensação monetária ou um terreno com a mesma capacidade construtiva. É uma decisão política”, informou ainda o vereador do Urbanismo.
Apesar do plano contemplar o “zonamento inclusivo” (ver caixa), o vereador socialista considerou, dadas as alternativas oferecidas pela autarquia, que em lugar de construírem habitação para arrendamento acessível “provavelmente, os promotores preferirão pagar o que tiverem a pagar ao Fundo.” “Há aqui uma compensação, mas temos medo que essa compensação seja muito insuficiente em relação àquilo que são as necessidades. O drama do acesso à habitação no Porto em 2021 é muito diferente de há 10 anos”, concluiu.
Ainda no plano da habitação, os socialistas consideram que o plano “é praticamente omisso em relação às ilhas” onde ainda vive “5% da população da cidade”.
Pizarro apontou ainda que com um PDM “expansionista” é preciso “uma reforçada atenção aos valores patrimoniais”, nomeadamente ao nível dos imóveis inventariados pelo município. E mostrou também reservas ao nível da classificação de equipamentos desportivos que não estão a ser utilizados como tal, dando os exemplos dos campos do Ramaldense Futebol Clube e do Sport Clube Progresso.
“O que acontece com este PDM é que ele permite, em vários casos, a desclassificação parcelar de espaços que eram equipamentos desportivos, ainda que, reconheço, sejam equipamentos que não estejam em utilização como tal. Mas esse ónus existe e facilita uma potencial negociação da câmara com os proprietários privados”, disse na reunião.
Pedro Baganha refutou as alegações, dizendo que no caso do antigo campo do Ramaldense a autarquia não abdicou “do interesse público do solo”, estando assegurado que o espaço deve ser usado como equipamento desportivo. Já no campo do Sport Clube Progresso, a autarquia também mantém o “interesse público do solo, não como equipamento, mas como forma de espaço verde público para fruição da população”, por ali ter sido identificada essa necessidade.
CDU fala em “contradições profundas”
Ilda Figueiredo, que votou, a par dos vereadores socialistas, contra a proposta de PDM, queria que o documento pudesse ter sido alvo de uma sessão de debate dentro do Executivo antes da votação.
E essa não foi a única crítica que fez em matéria de diálogo. Apesar das várias sessões públicas organizadas pela autarquia sobre o PDM, nomeadamente nas juntas de freguesia, a vereadora reclamou “uma outra forma de encarar o diálogo com a comunidade, com as diversas comunidades” do Porto por considerar que “há uma falha enorme desta câmara”.
Por considerar ainda que há várias matérias que extravasam a escala do município e que na sua visão “exigiam uma planificação metropolitana e regional”, a vereadora considerou que as propostas do PDM “não vão ao encontro das prioridades” elencadas.
A Estrada da Circunvalação foi uma das que mereceu a sua referência: “faz ferida séria no desenvolvimento urbano, não só do Porto”, não vislumbrando no PDM resposta para a “eliminação da segregação espacial” que resulta do ordenamento viário.
“Consideramos que as contradições são profundas e não permitem um acordo com o PDM, pese embora o enunciado dos objetivos”, concluiu.