Representam "uma forma de estar na vida”. “São casas do Povo”. As palavras dão conta da importância que muitas coletividades assumem para as comunidades locais. Existem para todos os gostos: desportivas, culturais, recreativas. Mas apesar das diferenças de cada uma, há um sentimento que as une: “o amor à camisola”. Mas afinal o que são coletividades? Como funcionam? O que é o coletivismo? Esta é a quinta de uma série de reportagens que o JPN volta a dedicar ao tema das comunidades.

Se abrir o dicionário e procurar a palavra “coletivismo” vai encontrar o seguinte significado: “espírito de grupo”. No entanto, pertencer a uma coletividade é muito mais do que isso. A coletividade é um espaço onde se partilham sorrisos e lágrimas, alegrias e tristezas, vida e morte. Estas associações podem ser caracterizadas como pequenas comunidades onde reina o espírito familiar.

De géneros variados e impactos distintos ao nível local, distrital e nacional, a malha associativa em Portugal estende-se por mais de 30 mil associações, que têm na Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD) a entidade principal na luta pelos direitos associativos.

A CPCCRD conta com 43 anos de existência e organiza-se em 38 estruturas decentralizadas (federações distritais e concelhias). Com 4.300 filiadas, a CPCCRD tem como função a valorização do Movimento Associativo Popular.

O representante do Gabinete Norte da CPCCRD, Adelino Soares, explica ao JPN que o trabalho da confederação é “agregar” todo o tecido do “movimento associativo” com o objetivo de “criar melhores condições de representação” e “de funcionamento estrutural” das coletividades.

Em Portugal, de acordo com dados da CPCCRD, existem no total cerca de dois milhões de associados em coletividades. No distrito do Porto, são 70 mil e distribuem-se por diferentes faixas etárias. A maior parte dos associados – 50 mil – são pessoas entre os 50 e os 75 anos. Logo depois, a faixa etária entre os 30 e os 50 anos, que representa 15 mil. Por fim, apenas cinco mil associados têm idade igual ou inferior a 30 anos.

Quem faz parte de uma coletividade ganha uma segunda família. Embora passem por algumas dificuldades, a união continua a imperar. No Porto, o presidente da Associação Recreativa e Desportiva São Pedro de Miragaia, Jorge Sequeira, afirma que “enquanto houver miragaienses, a coletividade vai estar aberta”.

Diretores da Associação Recreativa e Desportiva São Pedro de Miragaia

Diretores da Associação Recreativa e Desportiva São Pedro de Miragaia Foto: José Pedro Barbosa

Para além do espírito de grupo, as coletividades são também veículos de cultura e levam os costumes e as tradições portuguesas além-fronteiras. Um bom exemplo disso é o Rancho Folclórico do Porto, que em 40 anos de existência já passou “pelos quatro continentes a mostrar a cultura da cidade”, conforme explica ao JPN o fundador, António Fernandes.

Fundador do Rancho Folclórico do Porto

António Fernandes, presidente e fundador do Rancho Folclórico do Porto. Foto: Alice Carqueja

As coletividades são importantes pilares de socialização e na Associação Recreativa Malmequeres de Noêda, em Campanhã, o cenário não é diferente. “Os jovens de hoje em dia, a socialização que têm é por plataformas através do telemóvel”, refere o coordenador do grupo de dança MK, Rui Santos. Já nos Malmequeres, as crianças e jovens adquirem competências, que lhes permitem a interação direta com os pares, fazendo da coletividade um coeducador juntamente com os pais.

Presidente da Associação Recreativa Malmequeres de Noêda

Presidente da Associação Recreativa Malmequeres de Noêda Foto: José Pedro Barbosa

As coletividades não são apenas lugares de convívio e socialização. Estas comunidades proporcionam aos seus membros oportunidades de adquirir novos conhecimentos. Na Sociedade Musical 1.º de Agosto, as crianças podem frequentar uma escola de música, permitindo-lhes melhorar a sua experiência no mundo musical.

Diretor (esquerda) e Presidente (direita) da Sociedade Musical 1º de Agosto

Diretor (esquerda) e Presidente (direita) da Sociedade Musical 1.º de Agosto Foto: Tânia Cardoso

O ambiente familiar como pilar das coletividades

A existência de vários membros da mesma família numa coletividade é algo bastante comum. Um dos exemplos mais marcantes é o de António Fernandes, fundador do Rancho Folclórico do Porto. Toda a sua família passou pelo grupo. Até os netos representaram o papel de Menino Jesus nos Autos de Natal organizados pelo Rancho.

Na Associação Recreativa Malmequeres de Nôeda também se formaram algumas famílias. Rui Silva é, atualmente, o coordenador do grupo de dança MK que tinha sido criado pelo seu pai, quando tinha apenas quatro anos. Foi também no grupo que Rui Silva “conheceu a esposa” quando tinha apenas 17 anos.

Diversificar e inovar na oferta

O trabalho que cada coletividade desenvolve tem um papel importante para a comunidade, seja ao nível cultural ou ao nível social. 

A Sociedade Musical 1.º de Agosto, como o próprio nome indica, concentra os seus esforços em atividades ligadas à música. O maestro José Alexandre Sousa refere como principal atividade as atuações em festas e romarias tradicionais. No entanto, nos últimos anos, a banda começou a diversificar as suas atuações e a “participar noutro tipo de eventos” como, por exemplo, encontros de bandas e concertos dentro de igrejas em épocas sazonais como a Páscoa e o Natal.

Em 2019, a banda gravou um CD com uma atuação no Convento Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia. Segundo o maestro este é “o primeiro CD que uma banda filarmónica portuguesa grava só com músicas de procissão”.

Na Associação Recreativa Malmequeres de Noêda os esforços concentram-se no grupo de dança infanto-juvenil MK. O coordenador, Rui Silva, explica que o grupo, que conta com sete anos de existência, foi crescendo e criando projetos com as Galerias Mira, em Campanhã, tendo também participado no programa Cultura em Expansão, há alguns anos organizado pela Câmara Municipal do Porto para expandir a Cultura para lá do centro da cidade. Paralelamente, os jovens realizam espetáculos de dança em vários pontos do país e também na sede da Associação.

“Fizemos os nossos espetáculos de dança e enchemos esta sala com quase 200 pessoas”, recorda Rui Silva. Para além do grupo de dança existe também uma equipa de bilhar que já conquistou vários troféus. “Somos sempre campeões todos os anos”, reforça o presidente da Associação Recreativa Malmequeres de Noêda, Filipe Lourenço.

Com quase 40 anos, o Rancho Folclórico do Porto diversificou a sua atividade cultural. Para além da dedicação ao folclore, o grupo criou várias produções teatrais de que é exemplo a peça “Poetas do Porto”, na qual foram representadas as biografias de Almeida Garrett, Alexandre Herculano, António Nobre, Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis, Guerra Junqueiro e Antero de Quental.

O Rancho também editou um CD intitulado “Fado do Porto”, no qual é feita a reconstituição do fado da cidade. Ocasionalmente, o grupo canta em missas e representa Autos no Natal e na Páscoa.

O impacto do associativismo na sociedade local

As coletividades são importantes pilares das comunidades em que se inserem. Sem elas muitas pessoas não teriam oportunidade de vivenciar determinadas experiências.

O fundador do Rancho Folclórico do Porto dá o exemplo, dizendo que sem o rancho muitos elementos “não sabiam o que é pisar um palco”. Na Associação Recreativa Malmequeres de Nôeda, o cenário é semelhante. As crianças e jovens que integram o grupo de dança têm a possibilidade de participar em projetos culturais de maior envergadura, como o “Cultura em Expansão”, promovido pela Câmara Municipal do Porto, que levou centenas de pessoas à associação.

Também na Sociedade Musical 1.º de Agosto é prestado um forte serviço à comunidade através da escola de música. É através desta instituição que as crianças têm o seu primeiro contacto com a música. Muitos dos alunos ingressam posteriormente na banda filarmónica e acabam por experienciar o ambiente que se vive nas romarias tradicionais, até então desconhecido.

José Sousa, maestro da Sociedade Musical 1.º de Agosto, explicou ao JPN que em meios mais pequenos “os jovens (…) conhecem muitas dinâmicas das festas e da romarias tradicionais”. Em localidades mais urbanas, como é o caso de Coimbrões, em Vila Nova de Gaia, essa situação não acontece e “a banda acaba por ser uma mais-valia, porque alarga muito o conhecimento que [os jovens] têm do meio à sua volta”.

Sala de aula da Sociedade Musical 1º de Agosto

Sala de aula da Sociedade Musical 1º de Agosto Foto: Tânia Cardoso

O esforço diário para preservar as tradições

Embora desempenhem papéis de elevada importância no seio das comunidades onde se encontram, as coletividades enfrentam inúmeras dificuldades, nomeadamente de cariz económico. Os apoios autárquicos revelam-se insuficientes.

A pandemia da Covid-19 veio agudizar a situação das coletividades, uma vez que estas deixaram de ter “receitas próprias”, explica Rui Santos, membro do conselho fiscal da Associação Recreativa São Pedro de Miragaia.

A incerteza do futuro, mas a certeza da importância do coletivismo

As coletividades representam o conceito de família, partilha, entreajuda e diversão. Assim o descrevem os vários membros associativos ouvidos pelo JPN, que provaram que uma associação é bem mais do que “um grupo de amigos que se juntou” um dia. Mas o futuro não brilha para todas as coletividades. 

No caso dos Malmequeres de Noêda, a manutenção de custos de funcionamento, sobretudo com o encerramento devido à Covid-19, não tem sido fácil de suportar. Filipe Lourenço, presidente da Associação, lamenta até porque, como faz questão de frisar: “Isto são casas do povo. São casas que nunca deveriam fechar”.

Também na Associação Recreativa São Pedro de Miragaia, a perspetiva do futuro não é a melhor. A crise económica dos últimos anos, a falta de apoios e a desertificação em Miragaia, levaram a Associação a abrir mão de várias atividades como o desporto e o teatro. Rui Santos, membro do conselho fiscal, não tem muita esperança no futuro e afirma que se não forem os membros a lutar e a dar continuidade às coletividades, estas “fecham pura e simplesmente”.

Já José Alexandre Sousa, diretor artístico da Sociedade Musical 1.º de Agosto, acredita que o projeto da nova sede da coletividade é um ponto positivo na projeção do futuro: “é deixar para quem vier daqui a um, cinco, dez, 20 anos, muito melhores condições”. E esta é uma das características mais marcantes das coletividades, o pensar no próximo. Tal como refere o maestro, “esse será o legado mais importante que nós e que qualquer pessoa quando entra numa associação destas deve deixar: condições melhores para quem vem depois”.

Local onde será construída a nova sede da Sociedade Musical 1.º de Agosto, em Coimbrões, Vila Nova de Gaia.

Independentemente das perspetivas de futuro de cada uma das coletividades, há algo que as une: a resiliência. A vontade de nunca desistir e de fazer sempre melhor é um dos pilares que sustenta o coletivismo. As coletividades fazem-se da união de muitas vontades que culminam num único sentido: o bem da comunidade.

Trabalho editado por Filipa Silva e João Malheiro

Esta reportagem multimédia integra a série “Comunidades” estreada em 2020 pelo JPN. A série de 2021 teve o seu pontapé de saída a 1 de março no âmbito da atividade Editor por um Dia, este ano a cargo da jornalista Catarina Santos.