A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) anunciou, na segunda-feira, em comunicado, que determinou a suspensão imediata e demolição” do Equipamento de Apoio de Praia que está a ser construído na Praia do Ourigo, no Porto. 

Tal como o ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes tinha anunciado a 28 de maio, a agência reviu a avaliação que fez do projeto, ao qual tinha dado um parecer “favorável condicionado” em 2017, depois de um primeiro de sentido negativo. 

Em causa, está o projeto de reconstrução do antigo restaurante Shis, na Foz do Porto, que inclui, do lado sul, uma estrutura em betão pré-fabricado.

Numa nota publicada no seu site, a APA justifica a decisão de suspender a obra e demolir o equipamento por se considerar ilegal a intervenção e para acautelar a segurança de pessoas e bens, assim como para evitar e minimizar danos ambientais de uma intervenção em área afeta ao domínio público marítimo e numa zona costeira vulnerável a galgamento marítimo e a inundações, ao abrigo dos princípios da precaução e da prevenção.”

O que vai ser ao certo demolido, como e por quem, não é esclarecido no comunicado. Por que razão a APA considera agora “ilegal” a intervenção, também não. O JPN tentou, sem sucesso, obter mais esclarecimentos sobre o assunto junto da Agência Portuguesa do Ambiente.

Decisão “é gravíssima”

Contactada pelo JPN, a empresa promotora da obra, a Prepara Surpresa, garantiu não ter recebido, até a meio da tarde desta terça-feira (8), qualquer “notificação formal” da decisão da APA, desconhecendo por isso os seus fundamentos. O advogado que representa a empresa, Ricardo Afonso, está, contudo, seguro que o processo de “licenciamento cumpriu escrupulosamente a lei”, não vislumbrando por isso que haja “cobertura legal” para a decisão da agência.

Considerando “lamentável” que a empresa não tenha ainda sido contactada neste processo por qualquer entidade pública, desde que a polémica estalou em torno da estrutura de betão, o advogado espera para saber, com maior detalhe, a decisão da APA.

“A demolição pode querer dizer coisas muito diferentes e é evidente que a gravidade da situação pode variar em função daquilo que a expressão queira dizer em concreto, sendo certo que queira ela dizer o que queira, é sempre gravíssima, porque traduz uma revogação de direitos constituídos de um particular”, acrescentou o advogado.

A obra está, para já, “parada” e os potenciais prejuízos são, segundo o advogado, muito elevados: “Estamos a falar obviamente de muitos milhões de euros. Importa perceber que o que está em causa não é o custo da concessão, não é o prejuízo do investimento já realizado na obra, é o resultado da supressão de um direito que estava constituído. Há aqui uma lógica expropriativa que não pode senão determinar um quadro indemnizatório brutal, porque há que contabilizar tudo aquilo que a minha constituinte deixa de ganhar durante o período de vigência da concessão e isso não é uma coisa qualquer”, concluiu. 

A concessão, cujos direitos a Prepara Surpresa agora detém, foi renovada por 20 anos em 2017 pela Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), entidade que tinha jurisdição sobre a área, por um valor de 780 mil euros, segundo informação levada à reunião pública do executivo camarário do Porto de 24 de maio pelo vereador do Urbanismo do município, Pedro Baganha.

Aquiteto fala em “desinformação”

Além da empresa promotora, também o arquiteto que assina o projeto, Carlos Prata, lamenta que a opinião pública tenha tomado “a parte pelo todo” e defende a opção tomada: “Eu gostava de estabelecer uma diferença entre betão e betão pré-fabricado. Também estou de acordo que não se construa em betão. Agora, betão pré-fabricado é uma coisa muito diferente”, refere em declarações ao JPN.

“O betão pré-fabricado desmonta-se em dois ou três dias, com recurso a uma grua, da mesma maneira que se montou. Mais facilmente do que se desmonta uma estrutura de madeira ou aço”, acrescenta, em defesa do caráter amovível da construção.

O arquiteto nota ainda que a área ocupada “é praticamente a mesma” da que “há 40 anos” se encontra naquela praia, e que a opção pelo betão pré-fabricado se justifica pela necessidade de reforçar a resistência da estrutura perante a força do mar. 

Recorde-se que o antigo restaurante Shis foi destruído pelo mar em 2014 e por um incêndio em 2015.

O que Carlos Prata também reforça é que o aspeto final da estrutura não é o que agora se vê: “A base do edifício foi feita em betão, depois em cima tem uma estrutura metálica, e depois é tudo revestido a madeira. O betão deixa de se ver”, conclui.

“A primeira coisa é dizer mal. Não foi perguntar o que é que vai sair daqui”, desabafa o autor do projeto que considera ter havido “desinformação” sobre a obra nas redes sociais, acusando também o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, de ter “uma posição fundamentalista” no processo.

Construção contraria futuro POOC

Há cerca de três semanas, por altura da montagem no areal do Ourigo da referida estrutura de betão, várias pessoas usaram as redes sociais para criticar a construção, tendo-se juntado a elas várias forças políticas.

A dimensão, os materiais de construção e o impacto paisagístico da obra, em cima do areal da Praia do Ourigo, foram alguns dos aspetos colocados em causa.

A propósito, no dia 21 de maio, a APA publicou um primeiro esclarecimento, para informar que tinha “emitido um parecer favorável condicionado” ao projeto. Na mesma nota, a agência concluia que “os equipamentos e os métodos construtivos” que estavam a ser utilizados no Ourigo “não serão aceitáveis no futuro Programa da Orla Costeira entre Caminha e Espinho”.

Contudo, referiu a APA, o programa não está ainda em vigor e só após a sua publicação, “que se prevê para muito breve, as áreas sob jurisdição das autoridades portuárias passarão a estar obrigadas ao cumprimento das regras determinadas neste programa.”

No mesmo dia, o ministro João Pedro Matos Fernandes tomou a iniciativa de convocar uma reunião entre todas as entidades envolvidas no licenciamento do projeto – APA, APDL e CMP – para o reavaliarem.

Isto porque, explicou o ministério na nota que enviou à Imprensa, “independentemente de não se aplicarem as regras do Programa de Ordenamento da Orla Costeira ao tempo do licenciamento, uma vez que a praia está sob gestão portuária, não se afigura compatível com o dever de proteção costeira a existência de um edifício com estrutura em betão num areal”.

A 24 de maio, o vereador do Urbanismo do Porto, Pedro Baganha, defendeu, na reunião de câmara desse dia, que o método construtivo não era a “questão central deste problema”. Na sua visão, “o edifício não deveria ter sido concessionado” pela APDL. Mas assegurou: “o projeto está licenciado porque cumpre todas as normas em vigor”, tendo merecido “os pareceres favoráveis de todas as entidades com competência para se pronunciarem”.

Além da APA e da APDL, também a Direção Regional de Cultura do Norte se pronunciou – também favoravelmente – por o projeto se inserir na área de influência do forte de São João Baptista.

A 27 de maio realizou-se a reunião promovida pelo ministério e, no dia seguinte, o ministro informava os jornalistas, à margem de um evento de inauguração, que tinha havido “um consenso muito grande” entre as entidades reunidas e que a obra ia ser alvo de um novo parecer da APA, desta vez, desfavorável. 

Na reunião pública da CMP que se seguiu, a 31 de maio, Pedro Baganha, citado pelo jornal “Público”, admitia que o anunciado parecer desfavorável da APA não seria “o suficiente, provavelmente, para juridicamente resolver o problema”.

O JPN contactou a autarquia para tentar saber mais informações sobre o tema, mas sem sucesso até ao fecho deste artigo. Aos vereadores, e ainda de acordo com o jornal “Público”, foi distribuído, na reunião do dia 31, uma proposta de memorando, encomendada pela CMP à professora de Direito, Fernanda Paula Oliveira, que deveria ser também partilhado com a tutela. A autarquia estudava, então, o melhor “caminho” a seguir.