Entre outubro e dezembro do ano passado, a Transparência Internacional (TI) inquiriu mais de 40 mil pessoas dos 27 Estados-Membros da União Europeia (UE) sobre corrupção e experiências de suborno. Se no conjunto da UE, 32% da população inquirida acha que a corrupção aumentou no último ano, no caso português, este valor sobe para 41%.
De acordo com o relatório “Olhar dos Cidadãos e Experiências de Corrupção” do Barómetro Global da Corrupção de 2021, “a pandemia da Covid-19 está a agravar esta situação. Em países como Hungria e Polónia, os políticos usam a crise como uma desculpa para minar a democracia. Outros veem isso como uma possibilidade de obter lucro, como demonstrado pelo lóbi da Alemanha e pelo caso da compra de máscaras”.
Perto de 90% afirmam que a corrupção é um grande problema em Portugal e 60% dos inquiridos avalia o trabalho do governo no combate à corrupção como “mau”. Aliás, de acordo com o estudo, 63% acreditam que a administração central e local é controlada por interesses empresariais e privados.
Em termos gerais, 28% dos inquiridos apontou os deputados, os empresários (25%), os banqueiros (23%), o chefe de Estado ou chefe de Governo (23%) como as figuras/instituições na Europa mais envolvidas na corrupção. A população inquirida dos 27 países acha que os casos de corrupção são raramente investigados. Em Portugal, a tendência mantém-se, verificando-se uma desconfiança em relação ao poder legislativo e executivo, com 27% das pessoas a dizer que a maioria dos deputados são corruptos, 16% acredita que os ministros e secretários de Estado também o são, e 15% crê que o próprio primeiro-ministro está envolvido em esquemas de corrupção. Dos portugueses inquiridos, 33% ainda suspeitam que os banqueiros são autores deste crime económico.
O relatório refere ainda como problemáticos os “escândalos [que] revelam que os políticos eleitos estão a enriquecer a si próprios (…) aceitando subornos para abafar os abusos dos direitos humanos num qualquer país vizinho e oferecendo passaportes a criminosos em troca de investimento. Enquanto isso, os bancos, os contabilistas e os agentes imobiliários não fazem o suficiente para impedir que corruptos e criminosos lavem ou estacionem o seu dinheiro sujo na União Europeia”.
Susana Coroado, presidente da Transparência e Integridade em Portugal, considera, em declarações registadas pelo site da organização, que esta realidade é “incontestável e preocupante”, exigindo uma “boa e transparente aplicação dos códigos de conduta do governo e dos deputados, bem como a regulação do lóbi que garanta eficácia e transparência”.
Segundo o relatório, mais de metade dos europeus pensam que as regras de contratação pública não são corretamente seguidas pelos governos. Na verdade, acreditam que os contratos públicos são atribuídos através de subornos e ligações pessoais entre governantes e empresários. Roberto Kukutschka, declarou, no webinar de apresentação do relatório, que na UE há uma maior noção de que o setor privado pode ser parte do problema da corrupção. Além disso, 74% dos portugueses acham que as grandes empresas fogem ao pagamento de impostos.
Pandemia terá agravado recurso a subornos ou “cunhas”
O relatório da TI procurou não só estudar a perceção da população europeia em relação à participação de instituições públicas e privadas em esquemas de corrupção, bem como a experiência pessoal dos cidadãos em ações corruptas no acesso a serviços públicos. Deste modo, 7% dos inquiridos admitem ter pago um suborno para obterem um determinado serviço público e 33% já usaram contactos pessoais para terem acesso a estes serviços. Assim, Roberto Kukutschka disse que “os subornos na União Europeia são um fenómeno raro, mas favoritismos em serviços públicos são comuns”. O autor do estudo também referiu que esta prática é mais comum na Europa do que em algumas regiões da Ásia, Médio Oriente e Norte de África.
A Transparência Internacional refere que esta conclusão é “particularmente preocupante” devido à pandemia da covid-19. De acordo com o relatório, “governos em toda a União Europeia estão a implementar planos de vacinação para proteger os mais vulneráveis, destinando milhares de milhões de euros para o pós-pandemia, através dos respetivos planos de recuperação e resiliência. A corrupção ameaça tudo isto com consequências bastante graves”. Nesta questão, Delia Ferreira Rubio, presidente da TI, frisou, no site da instituição, que “há vidas que podem perder-se quando pessoas recebem uma vacina [contra a] covid-19 ou tratamento médico antes das pessoas com necessidades mais urgentes porque fizeram uso de ligações pessoais”.
Os resultados revelam que em Portugal, apenas 3% das pessoas afirmaram ter pago algum tipo de suborno para aceder a serviços públicos, mas 48% usaram ligações pessoais e/ou familiares para o mesmo efeito. Mais especificamente, 49% dos inquiridos nacionais dizem ter recorrido a “cunhas” para obterem algum tipo de vantagem em serviços da Segurança Social, 46% em instituições de ensino obrigatório públicas, 43% em cuidados de saúde, 42% em serviços de documentos de identificação e 39% em assuntos relacionados com a polícia.
Roberto Kukutschka também referiu que a pandemia pode ter influenciado o aumento do número de pessoas que utilizou ligações pessoais para obter serviços médicos.
No que toca aos casos de extorsão sexual, 6% dos inquiridos em Portugal admitem ter passado por episódios deste género ou conhecerem alguma vítima.
“A corrupção é um problema na UE”
Por outro lado, a sociedade portuguesa está interessada em participar na luta contra a corrupção, pois 85% dos inquiridos acreditam que podem fazer uma diferença nesta área de ação. No entanto, a maioria dos portugueses inquiridos (58%) tem medo de sofrer represálias ao denunciar casos de corrupção. Assim, a TI afirma que é importante “saber de que forma se assegurará a correta implementação da lei em Portugal, assegurando que ninguém é excluído dos mecanismos de proteção”, sofrendo retaliações como o despedimento, processos em tribunal e/ou ofensas à integridade física.
Em entrevista ao JPN, João Paulo Batalha, consultor em políticas anticorrupção, avalia com alguma preocupação o valor tão elevado de portugueses que sentem que têm um papel na luta contra a corrupção, pois isso “reflete, em grande medida, o facto de não confiarem noutras instituições” para o desempenharem.
Deste modo, o relatório conclui que “apesar da crença generalizada do contrário, a corrupção é um problema na UE. As taxas de suborno podem ser baixas, mas muitas pessoas dependem de ligações pessoais para obter serviços, enquanto os governos parecem estar a fazer poucos progressos contra as várias formas de corrupção”.
Em Portugal, a Marktest foi a empresa responsável pelo estudo e reuniu as respostas de mil pessoas, com uma taxa de erro de 3,10%.
Artigo editado por Filipa Silva