Raquel Araújo não vendeu jornais no final da semana passada. Não houve falta de oferta ou de procura, houve sim um protesto de quem não quer ver implementada uma nova taxa de distribuição sobre a venda de publicações informativas.

Os postos de venda de periódicos juntaram-se para boicotar a venda de jornais, nos dias 18 e 19 de junho, e agora preparam-se para avançar com uma providência cautelar para travar a nova taxa. Os vendedores dizem que é impossível aguentar o valor face ao volume diário de negócio.

Raquel Araújo, da Tabacaria Clérigos, no Porto, aderiu ao protesto na esperança de que esta mobilização “crie algum impacto”. Ao JPN, no primeiro dia de protesto, explicou que todas as publicações que chegaram à tabacaria foram “guardadas” e “nenhuma foi vendida”. “Esta é a única maneira de eles perceberem que precisam dos postos para vender os jornais”, acrescenta.

“Os jornais que se vendem são cada vez menos”, lamenta Raquel Araújo, que classifica o valor recebido pelos comerciantes que vendem jornais como “irrisório: são cêntimos”. A aplicação da taxa é, por isso, “insuportável”, na perspetiva da comerciante.

Ivo Barros, da Papelaria do Carmo, também no Porto, conta ao JPN que tem a mesma opinião e demonstrou a sua indignação face à nova taxa: “Achamos que não faz sentido”. “Temos uma comissão na venda de jornais na ordem dos dez cêntimos por jornal. Muitas vezes vendemos três ou quatro jornais por dia e haveria dias em que teríamos uma despesa em vender jornais e não algum ganho”, prossegue. 

Apesar de não ter aderido à greve, o retalhista reforçou as dificuldades do setor: “As coisas estão tão más que, aderindo à greve, ainda ficam piores. No entanto, acredito nela e faz todo o sentido”. 

Ivo Barros acrescenta, ainda, a sua preocupação face aos idosos que compram os jornais diariamente: “Tenho tido pessoas com alguma idade já preocupadas com isso, porque ouviram esta informação. Telefonaram para cá a perguntar se poderiam vir na mesma buscar o jornal. São as pessoas com mais idade que, neste momento, ainda compram o jornal e custa-me dizer-lhes que nesse dia não o vão ter”.

Num comunicado a que a Agência Lusa teve acesso, a Associação Nacional de Vendedores de Imprensa (ANVI) revelou que, no mês de maio, a Vasp – Distribuidora de Publicaçõescomunicou aos vários pontos de venda em todo o país que iria passar a cobrar, aos cerca de 6.500 postos de venda e a partir de 4 de julho de 2021, taxas diárias de 1,50 euros acrescido de IVA, de segunda-feira a sábado, e de um euro, aos domingos, pelo serviço de distribuição do qual já lucra através das respetivas comissões junto das editoras”.

A associação garante, na mesma nota, que as novas taxas diárias são “insuportáveis para os postos de venda” e que está a preparar a “entrada de uma providência cautelar bem como uma participação à Entidade Reguladora [da Comunicação Social]”.

Em resposta ao JPN, o CNID – Associação dos Jornalistas Desportivos afirma que os interesses da Vasp “devem estar alinhados também com os interesses das publicações”, pois a empresa é detida pelas editoras. “A chamada taxa VASP está pensada para ser cobrada aos pontos de venda – tal como acontece em alguns países – que também não passam, em muitos casos, pelo seu melhor período”, esclarece.

Para a associação, o Estado “tem de ser capaz de ajudar estes setores fundamentais a manterem a atividade até que as condições estejam minimamente normalizadas”. “É um período difícil para todos e em que o Estado tem a obrigação de perceber que tem que ser ponte para que estas empresas tenham futuro”, refere ao JPN.

Pela sua parte, a Vasp vai reunir-se com o Governo no dia 28 de junho, avançou Paulo Proença, presidente da distribuidora, à Lusa. O objetivo da reunião, que contará com a presença dos secretários de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, João Torres, do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, e da Valorização do Interior, Isabel Ferreira, é negociar a eventual criação de apoios aos custos de transporte, entrega e recolha de publicações.

A ANVI criou uma petição pública que tem, atualmente, mais de 2.560 assinaturas e o grupo de Facebook “Agentes Vasp contra o pagamento de portes diários” conta com cerca de 600 membros. 

O JPN tentou sem sucesso contactar a ANVI e a Vasp.

Artigo editado por João Malheiro

Artigo corrigido às 9h12. Ao contrário do que foi mencionado no primeiro parágrafo,  Ivo Barros não participou na greve

Artigo atualizado às 9h12 com as declarações do CNID