Desde o início deste ano que as competências de concessão, licenciamento ou autorização de equipamentos, apoios de praia ou similares passaram para a esfera das autarquias, por força da nova lei da descentralização. Por isso, na opinião da professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Fernanda Paula Oliveira, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) “não dispõe (…) de poderes para revogar o contrato de concessão para a utilização do domínio público hídrico” na Praia do Ourigo, no Porto, onde a construção de uma estrutura em betão está envolta em polémica desde finais de maio.

No parecer que realizou a pedido da autarquia – e ao qual a Agência Lusa teve acesso – a jurista contraria largamente a solução preconizada pela APA, e deixa o alerta à autarquia: “Sendo a Câmara Municipal do Porto o órgão competente para revogar (fazer extinguir) o contrato de concessão, caso entenda fazê-lo, ainda que, aderindo para o efeito aos argumentos da APA, será a Câmara Municipal o órgão que tomará a decisão provocadora dos prejuízos e, por isso, a entidade responsável, em primeira linha, por esses prejuízos”.

A opinião jurídica aconselha a Câmara Municipal do Porto a “reagir pelos meios adequados”, “designadamente comunicando de imediato à APA este entendimento de modo a inviabilizar aquela decisão [de revogar a concessão]”.

O assunto voltou a ser discutido esta segunda-feira durante a reunião pública do Executivo. O vereador do PS, Manuel Pizarro, manifestou-se algo inconformado com as conclusões do parecer: “se a conclusão significa que depois do Estado – no sentido lato – admitir uma licença, essa licença nunca mais pode ser revogada, nem que quem recebeu a licença possa ser indemnizado por isso… Devo dizer que, se a conclusão for essa, isso parece-me muito impressionante.”

Sem contestar que há “direitos indemnizatórios evidentes” a garantir ao concessionário, o vereador insistiu que “aquela obra não pode prosseguir”. Ilda Figueiredo, da CDU, defendeu o mesmo.

O presidente da CMP, Rui Moreira, defendeu as orientações do parecer: “Nós passamos a ter o ónus de ser o concedente [com a lei da descentralização], já não é a APDL e o que eu quero é ter a certeza, enquanto concedente, que ao cessar direitos ao concessionário, que a Câmara Municipal do Porto não é responsabilizada financeiramente.”

Para o presidente da autarquia, o parecer “não diz que aquilo [a estrutura de betão] não deve ser demolido”, “o que diz é que é preciso tomar algumas medidas para salvaguardar a Câmara”.

Em resumo, concluiu, “alguém vai ter de indemnizar o concessionário. Sem dúvida. O que é que eu não quero é que seja a câmara a pagar”.

O projeto de reconstrução do restaurante Shis na praia do Ourigo entrou na ordem mediática em finais de maio, por altura da montagem no areal de uma estrutura de apoio em betão pré-fabricado. A obra, licenciada pela Câmara do Porto e alvo de pareceres favoráveis quer da Agência Portuguesa do Ambiente quer da Direção Regional de Cultura do Norte, foi suspensa algum tempo depois. A 7 de junho, a APA comunicou que ordenou a suspensão da obra e a demolição da estrutura sem esclarecer os fundamentos da mudança de sentido do seu parecer. Ao JPN, o advogado que representa o concessionário considerou, na altura, “gravíssima” a decisão.