A tarde caminha para o fim e na sala de concertos dos Maus Hábitos faz-se ouvir o soundcheck dos Cassete Pirata. A horas do concerto que servirá para apresentar ao público portuense “A Semente”, João Firmino, o vocalista da banda, fez uma pausa para falar com o JPN sobre o novo disco, lançado em outubro pela Rastilho Records.

Regendo-se pela visão de três gerações – crianças, adultos e idosos – e pelas suas diferentes perspetivas sobre o mundo, os Cassete Pirata optaram por dar, neste álbum, “um passo em frente na exploração das vozes” e apostar num disco conceptual.

Formada em 2016, a banda constituída, além de Firmino, por António Quintino (baixo), João Pinheiro (bateria) e por Margarida Campelo e Joana Espadinha (vozes e teclas) está muito feliz pelo regresso aos palcos – “As pessoas estão com uma fome brutal de concertos” – e pelo sucesso que as suas canções tiveram na série “Até que a vida nos separe”.

Para o futuro próximo, fica enunciado um desejo: “Entrar mais no circuito das festas académicas.”

JPN – “A Semente” cruza três gerações e o olhar delas sobre o mundo atual. Que mundo é esse?

João Firmino (JF) – O que nós tentamos fazer neste disco não é propriamente fazer um retrato do mundo atual. É uma coisa mais humilde. É dar uma visão daquilo que poderia ser uma criança adolescente que de repente não pode estar a viver os dramas da adolescência normal; uma geração de meia-idade que se pergunta que semente é que vai plantar para os filhos, no futuro, poderem sonhar com outro mundo. E uma geração mais velha que vê o mundo como está, mas não se sente necessariamente culpada por isso. É esta a ideia que acaba por unir todo o disco. No fundo, não é um disco de acusação, é um disco de esperança. Não se foca nos culpados, mas no que é que a nossa geração pode e vai conseguir fazer para podermos sonhar com um mundo diferente.

JPN – Qual a importância de colocar esses problemas no disco?

JF – Foi um processo natural que tem um bocadinho a ver com as bandas e os artistas que eu gosto. No caso, todas as minhas influências sempre quiseram falar sobre o mundo, sobre o caminho que está a tomar. Já tinha há muito tempo vontade de experimentar fazer um álbum conceptual, que tivesse uma história que unisse todas as canções de uma forma coerente e não forçada. Decidi fazer um disco conceptual como segundo disco, fazer mais um exercício artístico do que um exercício comercial de conseguir provar-me na indústria.

João Firmino durante o ‘soundcheck’ no Maus Hábitos. Foto: Inês Cristina Silva

JPN – Se tivesses de distribuir as canções por gerações, qual é que era qual?

JF – Isso é estar a abrir o livro. O que posso dizer é que não é taxativo, a piada é quem ouvir tentar descobrir. Se calhar há umas canções mais obvias, mas há outras que podem ser até interpretadas pelas três gerações de uma maneira diferente. Um artista que eu gosto muito, o Rodrigo Amarante, que era de Los Hermanos, diz sempre que, para nós, que escrevemos a música, no dia em que ela é feita, ela deixa de ser nossa e passa a ser de quem a ouve. Na minha curta carreira como autor de canções, é muito fixe quando alguém tem uma interpretação completamente diferente para uma canção que tu fizeste e que é igualmente válida e rica.

JPN – O que distingue “A Semente” do vosso primeiro disco “A Montra”?

JF – É um disco que tem mais portugalidade, se calhar também no processo de querer ter um tom… não digo mais critico, mas mais de observador, de pôr o dedo na ferida. Também me obrigou a ter de abordar a língua de maneira diferente. Neste disco, há um discurso mais direto nas letras. Também na questão das melodias, talvez por necessidade desse discurso mais direto, a maneira como a minha voz aparece está quase como aquela voz ancestral, a solo, como os cantares populares. É um disco mais pesado do que o outro, é um disco em que demos um passo em frente na exploração das vozes, principalmente das meninas.

JPN – O processo de criação e produção do disco foi fácil?

JF – Para mim, não foi nada fácil, porque de repente ficamos todos confinados. De todos os trabalhos que já fiz, foi o mais desafiante, por todas as razões. A pré-produção foi feita à distância, cada um em sua casa ia gravando a bateria, o baixo…. Estivemos todos um bocado a patinar na saúde mental durante aqueles meses e, honestamente, compor um disco não era algo que me apetecia estar a fazer naquele momento. Por outro lado, sinto que ele ganhou por estar nessas circunstâncias.

Capa do novo álbum. Foto: Martim Torres

JPN – Como está a ser dar vida ao álbum nos palcos?

JF – Está a ser uma maravilha. Estivemos durante algum tempo com concertos em que as circunstâncias não eram muito naturais para uma banda de rock, ou seja, as pessoas estarem sentadas, de máscara, toda a gente com um ar aflito [com medo] de incumprir alguma regra. Portanto, agora, poder voltar é maravilhoso, as pessoas estão com uma fome brutal de concertos e isso sente-se no olhar da malta.

JPN – Atualmente, há alguma dificuldade em formar uma banda, principalmente de jazz e indie rock, em Portugal?

JF – Portugal é um país muito pequenino que não exporta muita música, sem ser o fado. Num mundo em que, cada vez mais, se começa a viver de redes sociais e plataformas de streaming e já não se vendem CD, acho que a dificuldade é essa. Mas também sinto que neste meio quem faz as coisas, faz porque ama muito e porque não se vê mesmo a fazer outra coisa. Quanto ao jazz, nunca entendo como está em termos de pulso, se está mais vivo ou mais morto. Mas eu penso que é assim, todos os estilos têm as suas dificuldades. Portugal é um país onde, de facto, ainda há muito a fazer pela cultura. Claro que precisamos de investimento, mas também precisamos de educar as pessoas para consumirem a cultura portuguesa. De facto, é preciso muito amor e resiliência.

JPN – Têm projetos separados, qual foi a motivação para se juntarem?

JF – A motivação foi um ato egocêntrico de querer fazer as minhas canções. Já os conhecia a todos de diferentes projetos e, se calhar, foi esse o mote para também sentir que gostava de ter as minhas canções e fazer a minha banda. Nunca quis estar naquele lado isolado de ser um autor em nome próprio. Chamei-os, obviamente, porque são excelentes músicos, mas principalmente porque são ótimas pessoas. A cumplicidade é uma coisa difícil de se explicar e, nesse sentido, acho que somos uma banda muito cúmplice, funcionamos como uma família que gosta muito de estar na estrada.

Margarida Campelo e Joana Espadinha tratam das vozes e das teclas. Foto: Inês Cristina Silva

JPN – A série “Até que a vida nos separe” recorreu a várias músicas do vosso primeiro álbum “A Montra”. Sentem que ganharam mais reconhecimento e proximidade com o público após a estreia da série?

JF – Sim, sem dúvida. Estamos a voltar aos concertos e isso sente-se. Agora começa a aparecer malta que nunca tínhamos visto antes nos concertos e que vieram através da série. Obviamente, que a televisão continua a ser muito decisiva para as bandas. Ainda por cima a série estava com muita qualidade, então, ainda mais orgulhosos ficamos de unir as nossas canções àquele trabalho.Sim, sem dúvida. E agora é muito engraçado porque estamos a voltar aos concertos e isso sente-se. Agora começa a aparecer malta que nós nunca tínhamos visto antes nos concertos e que eu acho que veio muito através da série. Até na questão das redes sociais, apesar de não ser uma extravagância e das plataformas de streaming. Obviamente que a televisão continua a ser muito decisiva para as bandas e ainda por cima a série, eu pelo menos achei que estava com muita qualidade, então ainda mais orgulhosos ficamos, de unir as nossas canções àquele trabalho.

JPN – A escolha das músicas para a série foi a boa notícia. A pandemia e o facto de não poderem dar concertos foi a má.

JF – Completamente. Eu lembro-me perfeitamente de estar de férias e ser muito deprimente olhar para a agenda e ver as datas que estaríamos a ter. Obviamente que trouxe um equilíbrio na parte emocional. Tivemos uma oportunidade altamente e ainda por cima as músicas já estavam gravadas, portanto, não houve aquela pressão e necessidade de ir de repente para o estúdio gravar à pressa. É uma felicidade brutal as músicas parecerem, de facto, que tinham sido feitas para a série.

JPN – Têm algum palco particular que ambicionam pisar?

JF – Gostava de poder entrar mais no circuito das festas académicas, pelo tipo de banda que somos e pelo tipo de som que fazemos. Acho que ia casar bem. O natural é quereres fazer o que ainda não fizeste e quanto maior, melhor.

JPN – Qual é o futuro próximo para os Cassete Pirata?

JF – É desafiante este início em que continuo a ser músico como sempre fui, mas agora sou músico e sou pai. Honestamente, eu quero descansar um bocadinho da pressão de ter de escrever um disco novo. Por outro lado, estou cheio de vontade de o fazer. No próximo ano, vou começar a pensar, com calma, o que é que vou fazer para o terceiro disco. A ideia com que esta banda começou mantem-se. Essa ideia é ir resistindo e continuar a fazer discos bons.

Artigo editado por Filipa Silva