Numa das épocas que leva mais pessoas aos cinemas, a semana entre o Natal e o início do novo ano, a afluência foi este ano comparável ao início de 2021, antes do confinamento de janeiro. Entre 27 de dezembro e 2 de janeiro, quando passou a ser exigido teste negativo à Covid-19 ou a realização de autoteste para se entrar nas salas, os números caíram a pique.

Segundo dados revelados pelo Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), entre 27 e 29 de dezembro (com as salas fechadas no dia de Natal) foram aos cinemas pouco mais de 34.500 pessoas, uma quebra de 79% face às 164 mil que frequentaram salas na semana anterior entre 20 e 22 de dezembro, apenas com necessidade de apresentação de certificado digital. Já entre 30 de dezembro e 2 de janeiro, excluindo o primeiro dia de 2022, foram vendidos 32 mil bilhetes.

Entre os filmes em exibição, “Homem-Aranha: Sem Volta a Casa”, a nova sequela da saga sobre o herói da Marvel, é o que tem levado mais pessoas aos cinemas. No último período referido, ocupou 56% das vendas de bilhetes, números fora do comum que inflacionam os baixos resultados perante as restantes longas-metragens em exibição. Retirando estes números, a quebra de espectadores para os restantes filmes a contar para o box office nacional foi de 74,58%.

Os números do ICA relativos a receitas e a espectadores em sala deixam visível a queda que a pandemia produziu no setor.

“Sentimos uma quebra enorme”, diz diretor do Trindade

A queda na afluência sente-se por salas de todo o país, sejam de grandes cadeias ou cinemas independentes. No caso do Cinema Trindade, no Porto, a situação tem agravado a já menor afluência em período de pandemia. Em especial nesta semana: no primeiro domingo do ano, fim de semana que, fora da pandemia, leva muitos às salas, as já pequenas salas não chegavam a um terço da lotação na exibição de filmes como “Licorice Pizza”, o aguardado novo filme de Paul Thomas Anderson.

“Há muitas pessoas que preferem não fazer teste para ir ao cinema e nesses casos a entrada tem sido vedada”, explica Américo Santos, diretor do Cinema Trindade, ao JPN.

“Sentimos uma quebra enorme. Ainda não temos dados comparativos, mas tem-se mostrado essa diminuição de forma muito clara”, afirma.

As medidas do Governo para conter a propagação da pandemia depois das festas de dezembro, que contemplam a obrigatoriedade de teste negativo para entrada em espaços culturais até 9 de janeiro, são “muito penalizadoras para o cinema”. O diretor do Trindade considera que a medida “é incompreensível, sendo que há outras atividades que continuam a funcionar sem a exigência de teste”.

“É muito complicado. Estamos a funcionar um pouco no dia a dia, à espera que haja uma alteração, porque vai ser inviável permanecer assim muito mais tempo. Se continuarmos com este tipo de regra, temos de pensar se compensa [o Cinema Trindade] continuar aberto. A continuar assim temos de encerrar até haver condições mais estáveis”, revela Américo Santos.

O Trindade, no entanto, descarta qualquer contorno às medidas do Governo – a Medeia Filmes, que explora a sala de cinema do Teatro Campo Alegre, no Porto, e o cinema Nimas, em Lisboa, revelou no final do ano a intenção de contrariar a recomendação da Direção-Geral da Saúde (DGS).

“Estamos focados em cumprir a lei. Apesar da medida ser injusta, é essa a nossa norma de funcionamento, foi assim desde o início e vai continuar a ser. Entendemos o protesto, mas é o nosso compromisso com os nossos espectadores e somos coerentes com a posição tomada desde o início da pandemia”, explica o diretor.

Medidas são “inadequadas à realidade das salas”, diz a APEC

Em comunicado enviado à redação do JPN, a direção da Associação Portuguesa Empresas Cinematográficas (APEC) lamenta “as medidas restritivas assim como os timings” do Governo e da DGS, que “têm afetado gravemente o setor da exibição de cinema”.

A associação considera as medidas em vigor até 9 de janeiro “inadequadas à realidade das salas”, uma vez que “criam a sensação de que ir a um cinema é potencialmente mais arriscado do que ir a um restaurante”. Estas medidas implicam “preparação de equipas (milhares de trabalhadores), espaços, assim como a adaptação dos respetivos procedimentos operacionais e comunicação ao público”.

Os diretores referem que “para os clientes é inviável saber o que precisam, quando e de que forma podem entrar nos cinemas”, decisões “tomadas por quem não conhece o negócio” que levam a “desânimo, incompreensão e até conflitualidade na entrada dos espaços”.

A quebra destes dois últimos anos é visível a todos os níveis, do número de espectadores ao de sessões em sala e de estreias, o que por sua vez reflete também o abrandamento do lado da produção. Em 2021, de acordo com os dados provisórios do ICA, estrearam apenas 190 filmes nas salas portuguesas, menos de metade do que em 2019.

Artigo editado por Filipa Silva