Em “30”, álbum produzido entre 2019 e 2020, Adele revela os seus sentimentos mais íntimos, inspirada pelo “período mais turbulento” da sua vida. O divórcio da cantora está no centro do quarto álbum de estúdio, lançado a 19 de novembro, a par de temáticas como a maternidade, a solidão, o recomeço e o amor-próprio. A música é o meio que Adele usa para contar ao filho de 9 anos, Angelo, a sua versão do que aconteceu.

O verso de abertura do disco – “I’ll be taking flowers to the cemetery of my heart” – é revelador da profunda dor e do longo processo de luto amoroso exposto no mais recente projeto musical da cantora britânica. “Strangers by Nature”, que o verso integra, é uma canção marcada pela cultura jazz e pelas baladas cinematográficas, não fosse ela coproduzida pelo compositor de bandas sonoras, vencedor de um Oscar, Ludwig Göransson.

A segunda canção do álbum, “Easy On Me”, foi uma aposta segura para primeiro single da cantora em seis anos. A balada reflete sobre o final do casamento, focando-se nas dificuldades em manter uma família, agora dividida: “You can’t deny how hard I have tried / I changed who I was / To put you both first / But now I give up”.

A forte necessidade de explicar o divórcio ao filho levou Adele a escrever “My Little Love”. Abalada pela tristeza e por uma intensa desilusão, a terceira canção do álbum mostra o coração de uma mãe solteira, que se sente em falha com o filho: “I know you feel lost, it’s my fault completely”; “So I ain’t surprised you can read through all of my lies / I feel so bad to be here when I’m so guilty”.

O ouvinte imerge no círculo privado da cantora ao ouvir uma gravação de voz de uma conversa entre Adele e o filho, comprovando a cumplicidade entre ambos. “My Little Love” é uma canção crua e honesta, que ilustra a vulnerabilidade das relações. A canção muda o foco das relações amorosas para a maternidade, a única relação que verdadeiramente é para a vida toda.

A meio do álbum chega “I Drink Wine” com fortes influências gospel. A canção começa com perguntas que todos nós já fizemos em alguma fase da vida: “How can one become so bounded by choices that somebody else makes? / How come we’ve both become a version of a person we don’t even like?”. A letra canta os sonhos de criança e, uma vez mais, o fim da relação, mas numa perspetiva de superação e positividade. O remate final é dado por um desabafo da cantora.

“Hold On” é a música em que Adele confronta os seus sentimentos de vazio e solidão, aprendendo a viver e a superar os momentos mais tristes da sua vida. O refrão injeta um sentido de esperança numa música que também fala sobre a sensação de sufoco e desespero: “Let pain be gracious / Love will soon come / Just hold on”. A produção da faixa musical transmite a nostalgia de uma música de igreja. Certamente, vai tornar-se um hino ao amor-próprio e à superação pessoal.

A penúltima canção, “To Be Loved”, é a melhor do álbum. Em termos vocais, Adele entrega-se inteira, e atinge notas que nunca lhe ouvimos. A música traduz a imensa mágoa que a todos custa a navegar. Uma balada  melancólica de piano que agarra o ouvinte desde o primeiro segundo. “Let it be known that I tried” é a frase que resume, na perfeição, a canção que seria mais do que suficiente para garantir o lugar de Adele no pedestal das grandes divas do mundo da música.

Adele encerra estrategicamente o álbum com “Love Is A Game”, uma canção que reflete o quão complicadas as relações amorosas podem ser, mas que no fundo procura dar esperança aos corações despedaçados. Apesar do amor ser um jogo para os tolos jogarem, como canta Adele, o ser humano, naturalmente, acaba sempre por querer voltar a esse estado: “I love me now like I loved him / I’m a fool for that / You know I, you know I’m gonna do it”.

É um dos melhores trabalhos musicais de 2021 e, na nossa opinião, o melhor da carreira da artista. O LP elevou Adele a um novo nível de qualidade artística. Não é mais um álbum sobre desgostos amorosos, mas sim uma obra-prima, resultante de um longo processo de luto e superação pessoal. É uma reflexão interior transformada em arte que inspira, um disco que ultrapassa a perfeição.

Artigo editado por Filipa Silva

Este trabalho foi originalmente realizado para o jornal Invicto no âmbito da disciplina de AIJ/Online e Imprensa – 3.º ano