A líder parlamentar do PAN, cabeça de lista pelo Porto, sai em defesa do partido e considera que há uma "estratégia organizada" para atacar a visão do PAN. A agricultura, a saúde, os direitos dos animais e a alimentação dominaram a conversa, motivada pelas Legislativas do dia 30.

Entrou como voluntária, em 2011, e chegou a deputada em 2019, a primeira eleita pelo PAN no Porto. Nas Legislativas antecipadas do dia 30 de janeiro, Bebiana Cunha, 36 anos, psicóloga, volta a ser, sem surpresa, a aposta do partido.

Mas se, em 2019, o PAN foi um dos vencedores da noite eleitoral, ao ver multiplicado por quatro o número de deputados eleitos, no presente, o partido tem somado episódios conturbados e ouvido que críticas que, nesta entrevista ao JPN, Bebiana Cunha não deixou sem resposta. Em defesa do partido, a líder parlamentar do PAN fala numa estratégia organizada” que visa combater a visão que o partido tem para o país, “um caminho ético e civilizacional que alguém tem que fazer”, diz.

Quanto a fazer parte de soluções de Governo, e reconhecendo que foi possível “fazer avanços” com o PS nesta legislatura, a deputada prefere deixar a discussão para depois de domingo. Tudo vai depender da “força” que os eleitores confiarem ao PAN.

A agricultura, a saúde, os direitos dos animais e a alimentação dominaram a conversa, na qual se falou também do apoio à saúde mental no Ensino Superior: “Está a falhar a rapidez, a frequência dos atendimentos e a continuidade” no acompanhamento, na opinião da deputada.

JPN – Por que razão escolheu o Jardim Botânico do Porto para esta entrevista?

Bebiana Cunha (BC) – Porque os espaços verdes de proximidade são espaços que nos relaxam e trazem bem-estar. São muito importantes do ponto de vista da saúde mental e, claro, da preservação e da promoção da biodiversidade. Uma das grandes missões do PAN é reduzir a perda de biodiversidade a que temos assistido por ação humana e este é um espaço que entendemos, até, que devia ser replicado. O Porto, estando tão pressionado pela construção e o betão, ainda mais. Se queremos ter qualidade de vida e qualidade ambiental, precisamos destes espaços.

JPN – Em 2019, o PAN foi um dos vencedores da noite eleitoral, multiplicando por quatro o número de deputados. A Bebiana foi eleita pela primeira vez para o Parlamento. Pessoalmente, como foi a experiência para si? E que diferença fez, no contexto do partido, ter uma deputada eleita pelo Porto?

BC – Desde 2011 que era voluntária no PAN, quando surgiu o partido. Sempre tive o meu trabalho, sou psicóloga, exerci durante dez anos. [Com a eleição de 2019] É a primeira vez que assumo, do ponto de vista profissional, ser política, mesmo tendo, em 2017, sido eleita para a Assembleia Municipal do Porto. É uma responsabilidade imensa. Mas também um privilégio, de poder estar na casa da Democracia a defender aquilo com que nos comprometemos. 

Claro que isto causa alguns constrangimentos, como o de passar muito tempo em Lisboa. Aliás, até tenho uma ideia de que o Parlamento devia rodar por todos os distritos do país, um mês em cada distrito, para que todos os deputados possam conhecer bem as realidades de cada distrito e regiões autónomas, porque há diferenças enormes.

Foi também um marco para as causas que defendemos. É fundamental um distrito como o Porto ter vozes do PAN, e muitas vezes sentimos que somos a única voz em determinadas matérias. Por exemplo, sempre que entramos numa Comissão de Agricultura e defendemos propostas tão simples como acabar-se com o tiro ao pombo por desporto – que acontecia na Póvoa de Varzim -, sentimos que estamos a remar contra a maré, a fazer um caminho ético e civilizacional que alguém tem que fazer.

O Parlamento devia rodar por todos os distritos do país, um mês em cada distrito.

JPN – Agora, as sondagens apontam valores abaixo dos 3% para o PAN. André Silva saiu, a deputada Cristina Rodrigues incompatibilizou-se com o partido e mais recentemente houve uma polémica à volta da líder, Inês de Sousa Real. Que peso podem ter estes aspetos sobre o resultado do dia 30?

BC – O PAN é um partido que incomoda os interesses instalados. Não houve mais ninguém a falar sobre o impacto que a pecuária tem nas alterações climáticas ou a dizer que a Confederação de Agricultores Portugueses [CAP] é, afinal, a confederação dos caçadores e que apenas serve para alocar fundos aos grandes produtores e ignora os pequenos e médios produtores. 

E quando há um partido que incomoda, há que arranjar assuntos para o atacar. Nessa questão da Inês de Sousa Real, os agricultores – neste caso a CAP, que representa um nicho dos agricultores – atacaram, porque, supostamente, o PAN não percebia nada de agricultura, mesmo tendo uma porta-voz que já teve negócios ligados à agricultura. Então, agora, o que os incomoda é que o PAN tenha uma líder que perceba disso? Há aqui uma estratégia organizada para tentar prejudicar o PAN, mas nada disso nos demoverá e não deixaremos de pôr o dedo na ferida. 

Em relação à saída da deputada, é uma responsabilidade dela, ela é que falhou com os eleitores. As divergências deveriam tratar-se internamente e de forma democrática. Ela escolheu não o fazer. Não me revejo nessa postura, acho desadequada, porque as pessoas votam num partido e não em indivíduos.

JPN – Mas perspetivam ou não que estes episódios possam ter um peso no dia 30?

BC – O que temos procurado dizer é que estamos disponíveis para a responsabilidade que as pessoas em Portugal nos quiserem dar. Estaremos cá para arcar com os resultados e consequências, sejam mais ou menos positivos. 

Bebiana Cunha foi eleita deputada em 2019 pelo círculo do Porto. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – O primeiro-ministro mencionou o PAN no debate com Rui Rio como possível parceiro de uma nova geringonça, a já chamada eco-geringonça. Esta menção, como a interpreta o partido? Ele pode beneficiar ou prejudicar o PAN?

BC – Há aspetos que são importantes referir. Primeiro, tanto o PS, como o Livre, claramente têm-se aproximado das causas do PAN e isso é de saudar. O PAN também existe e tem como objetivo fazer diálogo e construir pontes e mostrar aos outros partidos que aquilo que defendemos é fundamental para o país. Evidentemente temos de saudar ambos.

Depois, também é verdade que, durante estes anos de Governo de António Costa, conseguimos negociar e fazer avanços. No Orçamento do Estado tínhamos aspetos fundamentais, como a reposição da carreira de Técnico Auxiliar de Saúde; o alargamento da lei dos maus-tratos a outros animais; uma verba a rondar 200 milhões para o apoio às pessoas a adaptarem as suas habitações para terem mais eficiência energética; os direitos das mulheres na gravidez e no parto.

O PAN tem um projeto para o país e estamos disponíveis para dialogar sobre ele. Não aceitaremos retrocessos civilizacionais. O que queremos é estar sempre ao lado dos direitos humanos e no combate à crise climática e ecológica. O PAN não se tem fechado, é a nossa forma de estar, enquanto do outro lado houver um recetor à mensagem. Não havendo, não é possível fazer avanços.

Aquilo que o CDS representa em Portugal é o mais profundo conservadorismo.

JPN – Numa perspetiva de acordo, quais serão, nesse cenário, as prioridades do PAN para viabilizar um governo socialista ou coligar-se a ele? 

BC – É uma conversa que só acontecerá depois do dia 30. Temos de ver se temos força e condições suficientes para fazer exigências. Já se mostrou que o PAN é um partido de pressão, de influência, que faz avançar as repostas para o país. Vai depender da força que as pessoas nos derem.  

JPN – O líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos disse em entrevista recente ao “Público”, que ter o PAN no Governo “é decretar já o fim da caça, da agricultura, das pescas, da produção animal, das tradições culturais do país”. Tem razão o líder do CDS?

BC – [risos] Aquilo que o CDS representa em Portugal é o mais profundo conservadorismo. O CDS está sempre alinhado com valores que ficaram parados no tempo. Teve o seu papel, mas agora representa o que nós precisamos de mudar na sociedade. Quando o líder do CDS diz que o PAN está contra a agricultura, isso é de quem nem sequer compreende a visão do PAN para o país.

Porque entendemos que o Ministério da Agricultura deve liderar o combate às alterações climáticas, à mitigação e adaptação do território. Devemos ter um ministério devidamente apoiado e não podem ser esquecidos nem os jovens agricultores – cujos programas de apoio [atuais] estão condenados ao falhanço por serem demasiado redutores em termos de verba e perspetiva  – nem os pequenos e médios produtores, constantemente asfixiados. 

É preciso produzir de forma ambientalmente responsável. O nosso objetivo é ajudar os agricultores que tenham práticas menos positivas a reconverter a atividade para modos de produção biológicos e equiparados, formas positivas do ponto de vista ambiental, e ao mesmo tempo atrair pessoas para a agricultura. E as boas práticas têm que ser recompensadas.

JPN – Refere que o Ministério da Agricultura deve estar na frente do combate às alterações climáticas. No programa, a intenção do PAN é criar um Ministério da Economia e das Alterações Climáticas. A agricultura estaria dentro desta pasta?

BC – Não, a agricultura estaria autonomizada na mesma, mas sempre com um profundo compromisso de estar na vanguarda neste combate. Porque aquilo a que temos assistido nas políticas agrícolas é que nem sequer reconhecem a importância de uma agricultura ambientalmente e socialmente responsável. Lembremo-nos do que se passou no sudoeste alentejano, onde, por fruto da crise sanitária, percebemos que havia um conjunto de pessoas a ser exploradas. 

O que queremos é que as pessoas que trabalham na agricultura sejam dignamente remuneradas e que haja condições compatíveis com os valores do século XXI e, evidentemente, tendo em conta o potencial que a agricultura tem, em produzirmos de forma o mais local possível, para termos soberania alimentar. Quando produzimos morangos que sentido faz ter de ir buscá-los a 4 ou 5 mil quilómetros de distância? Qual é o sentido? Nenhum.

Bebiana Cunha é psicóloga e tem 36 anos. Está no PAN desde 2011. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – Falava da Confederação dos Agricultores Portugueses e das tentativas de minimizar o PAN. A CAP apelou à rejeição do voto em qualquer força política que se pudesse juntar ao PAN, depois de António Costa o ter admitido. O facto não preocupa o partido?

BC – O que nos preocupa é que a CAP, em vez de estar ao lado dos agricultores, escolha estar ao lado dos caçadores, e apenas de um número reduzido de agricultores, que são os que procuram ter monopólios e ir destruindo os pequenos e médios produtores.

JPN – Vamos ao programa e comecemos pelo Porto. Se tivesse de escolher medidas do programa do PAN que vão ter especial impacto na vida das pessoas do distrito, que medidas seriam essas?

BC – Começaria pelas questões da saúde preventiva. Temos uma visão muito ligada às questões da saúde ambiental. O que sabemos de relatórios nacionais e internacionais é que 25% das doenças poderiam ser evitadas se se transformasse os contextos ambientais e se não tivéssemos os problemas que temos ao nível da poluição. 

Também é necessário incentivar uma alimentação mais saudável e consciente e hábitos de vida saudáveis, como a prática desportiva. Temos várias medidas de conciliação da vida laboral com a prática desportiva. A par disso, as 35 horas de trabalho para todos, tanto no setor público como no privado, e 25 dias de férias.

Outra medida fundamental está relacionada com os transportes. Uma pessoa que esteja na Trofa e que queira ir para a Maia, mesmo sendo estes concelhos vizinhos, tem de vir ao Porto. Não se entende que não haja ligações diretas. Temos de ter transportes públicos eficientes, tendencialmente gratuitos, com a frequência necessária, senão nunca vamos conseguir que as pessoas pousem o carro.

JPN – Além do Livre e do Volt, o PAN é o outro único partido que propõe um projeto-piloto de Rendimento Básico Incondicional (RBI). Em que moldes? E, num país com as limitações orçamentais vigentes, esta é uma medida exequível?

BC – Saudamos o Livre por se ter aproximado desta proposta do PAN, que já tínhamos em 2015. Qualquer proposta, do ponto de vista financeiro, é exequível. Tem é de se ir buscar dinheiro a algum lado. Há empresas em Portugal a produzir energia a partir de combustíveis fósseis que estão isentas de imposto – há forma de ir buscar dinheiro.

O que nós queremos é um projeto-piloto, que tem de começar por algum lado. Mil pessoas, por exemplo, para experimentar, uma amostra que seja representativa da população e a quem se possa atribuir uma verba mensal. Isto seria um estudo. 

Nos países em que já se realizou um projeto-piloto de RBI, verificou-se a diminuição da criminalidade, as pessoas tiveram oportunidade de criar negócios, aumentou os níveis de bem-estar e reduziram-se problemas de saúde mental. 

Pretendemos verificar se este tipo de projetos poderia ser uma solução em Portugal, para que as pessoas possam ter melhor qualidade de vida. Temos muitas pessoas que passam a vida inteira a fazer um trabalho que não gostam, só para pagar contas. Queremos trazer bem-estar e felicidade às pessoas, defendemos que é possível viver numa sociedade em que as pessoas são apoiadas.

JPN – O RBI já teve algumas experiências. No caso da Finlândia, o Governo acabou por abandonar.

BC – O projeto na Finlândia não foi muito bem gerido, mas há indicadores positivos que não foram falados. São aqueles que referi. Temos de ver prós e contras e em Portugal queríamos esse projeto-piloto, que não é mais do que isso. 

Uma pessoa que adote um animal deve ser apoiada pelo Estado, porque está a fazer algo para a sociedade.

JPN – Sobre a lei que proíbe o abate de animais nos canis municipais como forma de controlo: a Ordem dos Médicos Veterinários e a associação dos veterinários municipais foram, na altura da entrada em vigor da lei, muito críticos da medida que, disseram, poderia pôr em causa a saúde pública. Que balanço faz desta medida?

BC – Quando alguns médicos veterinários tiveram essa posição, tivemos oportunidade de lhes dizer que era altura de reivindicarem mais médicos municipais para os centros de recolha em vez de criticarem a medida, que era uma oportunidade de criarem mais trabalho e de se colocarem mais médicos veterinários, que neste momento é uma profissão que precisa de vários lugares.

Esta é uma medida ética na forma como nos relacionamos com os animais. Porque é que um animal que é abandonado, só porque é mais velho ou considerado mais feio, tem de ser condenado à morte, porque teve a infelicidade de ir parar a uma família que não conseguiu ou não tinha condições para cuidar dele?

JPN – Em caso de doença, o abate continua a justificar-se?

BC – Em caso de doença não tratável, continua a ser possível a “boa morte”. Qualquer animal que esteja em profundo sofrimento, que não tenha tratamento possível, pode ser eutanasiado. São conceitos diferentes. O abate é determinar a morte daquele animal porque alguém considerou que não há espaço para ele viver. 

Sempre dissemos que esta política do fim do abate tinha de ser acompanhada por outras medidas que temos proposto. Por exemplo, por uma campanha nacional de esterilização de animais, para prevenir mais ninhadas, um procedimento bastante caro que deve ter uma linha estatal disponível para ajudar as pessoas, evitar ninhadas desnecessárias que aumentam o número de animais que vão parar aos canis.

Há outro aspeto: uma pessoa que adote um animal deve ser apoiada pelo Estado, porque está a fazer algo para a sociedade. Deve existir uma rede pública de cuidados veterinários, para que as pessoas que não têm a possibilidade financeira de estar a pagar tratamentos aos seus animais possam recorrer a essa rede. Sabemos que, muitas vezes, a impossibilidade de cuidar dos animais é um dos motivos de abandono.

JPN – O PAN quer alterar a Lei de Proteção dos Animais de forma a clarificar e atualizar o conceito de sofrimento injustificado. Como define o sofrimento injustificado? Não será algo difícil de avaliar?

BC – Já temos escalas, feitas por especialistas em sofrimento animal, que permitem avaliá-lo. No fundo, é trazer estas escalas para a legislação. Um dos problemas que se verifica em tribunal é a questão de a lei ser demasiado subjetiva. Por isso estas escalas são fundamentais para que possa ser menos dúbio se determinado animal estava em sofrimento. 

Entendemos que as consequências para quem maltrata um animal devem estar subordinadas ao grau de sofrimento que lhe causou.  

A deputada defende o partido de críticas e polémicas em que tem estado envolvido. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – Falou há pouco sobre alimentação saudável. No ano passado, uma longa lista de alimentos teve de sair dos bares das escolas. Que caminho julgam que ainda há a fazer nesta matéria?

 

BC – Houve uma diretriz emanada do Ministério da Educação, por fruto, também, daquela que tem sido a insistência do PAN na lógica de serem disponibilizados alimentos mais saudáveis para as nossas crianças e jovens. 

Saudamos uma parte desta medida, mas somos críticos em relação a outra. O PAN entende que é preciso uma estratégia nacional de promoção da literacia alimentar e da educação para uma alimentação saudável. Todas as pessoas devem ter na sua posse informação sobre isto e depois tomam as suas decisões. Precisamos de uma estratégia para uma alimentação saudável nas escolas e, depois, até no Ensino Superior. Mas quanto mais cedo se começar a educar, melhor. 

A lista de alimentos do Ministério da Educação tem de ser revista, questionamos porque alguns alimentos continuam na lista, como o leite ou o fiambre light.

JPN – Na oferta das cantinas das escolas e universidades, têm algo a propor em relação a produtos de origem não-animal na alimentação, outras opções?

BC – Graças ao PAN e à sociedade civil, em 2016, lançou-se uma petição com vista a haver a obrigatoriedade de uma opção 100% vegetal [nas ementas das cantinas], numa perspetiva de inclusão de quem quer fazer uma alimentação vegetariana e oferecer uma terceira alternativa a todos, a lei está em vigor desde 2017. A lei está a funcionar bem? Não está. Em algumas escolas, obrigam as pessoas a tomar esta decisão para o ano todo. Mas alguém sabe o que vai comer o ano todo?

Também nos preocupa que o prato vegetariano – a par dos outros [de carne ou peixe] – [possa não ter] qualidade nutricional. Temos inserido nos Orçamentos do Estado (OE) que queremos um relatório sobre o que se está a servir nas escolas e universidades. 

JPN – O programa do PAN não fala de propinas no programa. Não têm uma posição sobre a matéria?

BC – Temos. Defendemos que o Ensino Superior deve caminhar para a gratuitidade e temos apoiado as propostas que, de forma equilibrada, o fazem. Queremos garantir que se encontre financiamento para a instituição, permitindo aliviar as propinas aos alunos. 

Na nossa visão de sociedade, aqueles que mais têm devem contribuir para que os que menos têm possam estar em pé de igualdade. 

O Ensino Superior devia ser um desígnio nacional. Devemos dar a oportunidade a todas as pessoas que querem estar lá, que estejam, e que o fator económico não seja obstáculo. reconheço que no programa podemos não o ter escrito, mas temos feito esse caminho no Parlamento. E temos várias questões relativas a bolsas de estudo. 

JPN – Quais são?

BC – Primeiro, rever a atribuição de bolsas de estudo numa perspetiva atualista da realidade da pessoa. Vivemos num mundo em que as coisas estão sempre a mudar- podemos ter uma família que agora está bem economicamente mas que, daqui a dois meses, pode não estar. A atribuição de bolsa devia ser sempre referente ao momento o mais atual possível.

Depois, deve-se garantir que a pessoa, antes de ir fazer a matrícula, já saiba que bolsa vai ter. Os alunos sabem demasiado tarde e têm de estar um período a fazer contas e ginástica financeira sem saber se vão conseguir suportar custos. 

JPN – Propõem, no programa eleitoral, rever o Modelo de Acesso ao Ensino Superior para um modelo que considere, também, “interesses, aptidões, projetos desenvolvidos, experiências dos/das estudantes”. O que mudariam?

BC – Temos problemas nas nossas políticas de educação desde muito cedo. Tudo o que tem sido feito ao longo do ensino básico é exercitar a memória, só a decorar, quando devíamos sair com conteúdos muito claros. Partimos mal e devemos rever esses conteúdos e objetivos. 

Os alunos chegam ao secundário e têm de estar obcecados com uma média, os professores também. Os que têm o objetivo de entrar depois numa determinada licenciatura num determinado sítio passam todo o ensino secundário com o único foco na média. Isto não valoriza o que sejam experiências adicionais – associativismo, educação não formal, prática desportiva, voluntariado, tudo fundamental para o nosso desenvolvimento enquanto indivíduos. 

Entendemos que o modelo de acesso deveria contemplar todas estas experiências que a pessoa teve, as competências que desenvolveu, as aprendizagens e não haver uma obsessão unicamente com décimas, na nossa perspetiva um modelo obsoleto. Queremos promover uma discussão séria e ampla, com participação dos estudantes.

JPN – Mas como se avaliavam essas aptidões e experiências?

BC – O modelo pode ter um peso atribuído aos exames, outro a estas experiências de vida e também, por exemplo, a entrevistas. É fundamental as pessoas poderem ter um acesso ao Ensino Superior mais humanizado, não totalmente baseado em números. Estamos abertos a um modelo híbrido, que possa contemplar estes vários aspetos.

A entrevista à deputada do PAN decorreu no Jardim Botânico do Porto. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – O PAN dá especial relevância a questões de saúde, mental ou física, no ensino, também no ensino superior. Qual a relevância de se prestar atenção a esta área?

BC – As respostas de saúde mental no nosso país têm estado na gaveta e têm sido um parente muito pobre. Basta vermos uma aprovação que conseguimos em 2018, a de 40 psicólogos para o SNS, cujo concurso abriu – e estes profissionais ainda não estão colocados. Isto denota a fraca priorização desta matéria.

Temos um plano nacional de saúde mental que tem estado fechado. Visa a constituição de equipas de proximidade nos centros de saúde para que qualquer pessoa que tenha um problema ao nível da saúde mental possa ter uma resposta rápida. Sabemos que as respostas tardias neste campo têm um peso negativo de cerca de 4% do nosso PIB. Se não fosse por mais, por razões economicistas devia ser resolvido. Além disso, quanto mais tarde for dada resposta à pessoa, maior a probabilidade de uma pessoa poder desenvolver outros quadros mais preocupantes. 

No Ensino Superior, temos visto que estas respostas ficam dependentes de cada instituição, que decide o que quer ter e que investimento fazer. Não há uma estratégia por parte do Ministério, temos insistido que deveria existir, para garantir respostas rápidas aos estudantes. Perante esta crise sanitária, recebemos imensos contactos de alunos a dar nota da falta destas respostas e como estavam ansiosos e deprimidos. 

JPN – As instituições têm vários gabinetes. Têm é, por vezes, uma resposta espartilhada entre serviços. Na oferta que têm, o que está a falhar?

BC – Está a falhar a rapidez, a frequência dos atendimentos e, porque os recursos humanos associados são poucos para o universo de cada instituição de ensino, há uma resposta fraturada. Não permite, por isso, fazer um trabalho de continuidade. Por vezes, é o mesmo que não estar a intervir.

As respostas são escassas e precisam, por parte do Governo, de uma estratégia, sempre em articulação com as universidades, garantindo essa rede. 

O mesmo acontece em casos de educação inclusiva. Uma pessoa surda, por exemplo, tem de andar de instituição em instituição a ver se lhe podem garantir um intérprete. E muitas vezes têm de abdicar dos sítios para onde queriam ir, porque essas instituições não têm condições. É mais um exemplo de que deve haver uma estratégia ministerial para garantir estas respostas, não se pode deixar assim as pessoas. 

JPN – Falam bastante, também, de desporto nas escolas, mesmo no Ensino Superior.

BC – No que toca ao desporto, entendemos que, logo desde o primeiro ciclo, devia existir a disciplina – que agora é uma Atividade Extra-Curricular (AEC), mas devia ser integrada. Se educarmos as crianças, desde cedo, a perceber que o desporto é algo positivo que as faz sentir bem, vamos incutir hábitos que vão ficar para a vida e reduzem-se problemas como a obesidade ou a hipertensão, danosos à pessoa e ao SNS. 

Ao nível do Ensino Superior, devem ser encontradas estratégias, também por parte do Ministério em articulação com as universidades, para que se garanta que todos os estudantes, se assim entenderem, podem ter acesso à prática desportiva, proporcionando essa oportunidade. Se as pessoas vierem com esses hábitos de antes.

Poderia ser criada a opção, até nos quadros de cada licenciatura, de haver ECTS ligados à atividade desportiva, porque não? Queremos uma estratégia nacional do ministério, para que qualquer instituição possa disponibilizar aos estudantes a prática desportiva de acesso gratuito. 

Numa ideia, o que tem a dizer sobre:

Saúde
Saúde preventiva e de proximidade. 

Ecocídio
Queremos consagrar o ecocídio no código penal. A partir do momento em que há um atentado ambiental que lesa o ecossistema e a vida das pessoas, estamos a falar de um ecocídio.

Touradas
Abolição.

Pecuária
Fazer a ligação da produção pecuária ao impacto nas alterações climáticas. Não pode ser ignorado. 

Cultura
Rever o estatuto dos profissionais na perspetiva de melhor os apoiar. É preciso um compromisso com a cultura e as artes a nível nacional.

Corrupção
É fundamental prevenir, quer na administração pública e nas ligações que o Estado tem com os privados, na perspetiva de garantir maior transparência. Com transparência, previne-se corrupção.