O coordenador do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, em matérias de Trabalho e Segurança Social, é mais uma vez candidato pelo Porto nas próximas Legislativas. Em entrevista ao JPN, o sociólogo defende que a atual legislatura esteve sempre "sob ameaça" e que "não há razão para não haver acordo" à esquerda.

Aos 37 anos, já é longa a experiência política de José Soeiro. O deputado do Bloco de Esquerda, segundo da lista pelo Porto – Catarina Martins, a coordenadora do Bloco, tem sido a número 1 do círculo – enaltece os avanços conseguidos na legislatura de 2015 a 2019, quando a geringonça teve um acordo escrito a balizar o trabalho de negociação parlamentar.

É para esse nível de entendimento que o sociólogo, formado na Universidade do Porto, volta a apontar, até porque, diz, a legislatura agora interrompida esteve permanentemente sob ameaça”.

Em 2019, o Bloco perdeu votos, mas manteve a representação parlamentar e é numa maioria de esquerda no Parlamento, com o Bloco reforçado como terceira força política” que a campanha bloquista aposta.

Transportes públicos gratuitos, mais habitação pública e empresas estratégicas “desprivatizadas” são pretensões do partido, que lembra o seu papel na redução do valor das propinas e que quer acabar com a “avaliocracia” no ensino secundário. A conversa com o JPN – quarta de uma série de entrevistas com os cabeças de lista pelo Porto às Legislativas de domingo – começou, contudo, pela escolha simbólica do lugar do encontro.

JPN – Por que razão escolheu o Café Piolho para a entrevista?

José Soeiro (JS) – Por muitas razões. Primeiro porque o frequentei muito quando estava no Porto a estudar. Mas também por uma razão simbólica: foi neste local que, em 1999, quando o Bloco de Esquerda, era o Miguel Portas o cabeça de lista [às Eleições Europeias desse ano], a campanha começou com um ciclo de “Conversas de Café”, chamava-se mesmo assim. Aconteciam aqui, semanalmente. Há uma história do Bloco no Piolho e uma história de que a política também se pode fazer em conversas de café, de forma mais solta, com a qual me identifico. 

Por outro lado, sempre ouvi histórias das conspirações antifascistas aqui no Piolho. Essa ligação de um local onde se conspirou contra o fascismo e onde, em democracia, se falou sobre política numa mesa de café, são duas ideias bonitas e duas metáforas importantes para os dias de hoje.

JPN – Está no Parlamento há várias legislaturas. O que é que o motiva, estes anos passados, a voltar a ser deputado da nação?

JS – Acho que é o compromisso que estabeleci em torno das áreas que acompanhei mais e que estiveram no centro da discussão. Ninguém estava a contar com eleições. Na verdade, sem querer fazer a arqueologia do processo, nós já tínhamos sentido no ano passado que o PS não tinha vontade de negociar e acolher as propostas do Bloco. Aceitei ser candidato porque me identifico com o nosso programa e, também, porque, as áreas que eu acompanho – Trabalho e Segurança Social – estiveram no centro do debate que teve como desenlace estas eleições. Achei que era importante poder fazer a continuidade em relação a esse debate e dar a cara por isso.

JPN – Dada a experiência no Parlamento, como classifica esta legislatura que foi agora interrompida?

JS – Com eleição direta, apanhei três legislaturas. Apanhei a da maioria absoluta do PS, que começou em 2009, em que havia uma política do Governo muito arrogante e agressiva. O PS estava, em muitos aspetos, numa política de centro com aspetos liberais no sentido económico, de direita até em alguns aspetos, uma postura aguerrida em que o tema do combate à precariedade ganhou muita centralidade – próxima do seu fim houve até a manifestação da Geração à Rasca.

Já esta foi muito particular. Viemos de uma legislatura, a de 2015-2019, muito desafiadora. Tínhamos tido toda a destruição social da troika e havia uma enorme expectativa sobre o que era essa novidade chamada Geringonça, entre os partidos à esquerda e o PS. Sentia isso nas pessoas com quem falava. Esse período foi muito interessante do ponto de vista parlamentar, nomeadamente para um deputado de um partido como o Bloco, porque por um lado passamos a ter uma forma de atuação parlamentar que tinha uma outra dimensão para além da nossa iniciativa, que eram as negociações com o Governo. Com todas as suas limitações, foi uma legislatura em que havia um compromisso, uma estratégia. Houve uma série de conquistas e melhorias.

A legislatura interrompeu-se agora. O que sinto é que parece que não houve vontade [do Governo] de nos articularmos. É uma legislatura em que, desde o início – e responsabilizo muito o PS por isso – não houve conforto com os resultados que saíram das eleições e que, por isso, parece que esteve permanentemente sob ameaça.

José Soeiro já participou em várias legislaturas. A primeira vez que entrou no Parlamento, foi em dezembro de 2008. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – A geringonça é uma solução que “não dá confiança” ao primeiro-ministro. Mas a coordenadora do Bloco voltou a insistir num entendimento entre PS e BE para a governação. Como esperam recuperar a confiança perdida? E, por outro lado, podem os portugueses confiar que essa solução não vai desaguar num novo impasse político?

JS – Demonstrou-se em 2015 que, com um acordo escrito, há um compromisso que é cumprido. Havendo acordo sobre determinados conteúdos, isso é que faz a solidez da solução. O que determina as soluções políticas é a relação de forças entre os partidos. É saber se existe uma maioria absoluta ou se, pelo contrário, não havendo uma maioria absoluta, existe a necessidade de uma negociação. Acho uma negociação muito melhor para o país. 

As maiorias absolutas foram sempre péssimas experiências. As maiorias relativas, institucionalmente menos estáveis, têm a grande vantagem de obrigar a negociar. E o que se provou em 2015 é que quando há um acordo escrito e ele é cumprido, em que há um caminho e uma estratégia, mesmo com as tensões, as negociações duras e difíceis, os aspetos arrancados ao Governo a ferros, essa experiência mostrou que é possível.

JPN – Mas só é possível com um acordo escrito?

JS – Se houver vontade de criar uma solução política que sustente um Governo, não há razão nenhuma para não se fazer um acordo escrito, que tem imensas vantagens. E nós vimos que o PS fica com a vida facilitada quando não há acordo escrito. Porque sem acordo escrito, qual é a estratégia do PS? Negoceia com a direita o ano todo e chega ao momento do orçamento e faz chantagem sobre os partidos de esquerda, porque ‘a esquerda tem que aprovar o orçamento senão vem aí a direita’. Isto é uma forma de governar completamente inconsistente. 

JPN – O BE prefere um PS inconsistente à direita no poder?

JS – Nós preferimos que haja uma maioria de esquerda no Parlamento, com o Bloco reforçado como terceira força política, capaz de impor a necessidade de um acordo político. Acordo que naturalmente terá de ser produto de negociações, mas que incorpore aspetos e propostas da esquerda e que haja um compromisso sobre isso e sobre uma estratégia para o país que responda àquilo que temos posto como questões fundamentais. Algumas que, do ponto de vista retórico parecem ser áreas em que estamos de acordo que é preciso haver uma estratégia. 

Estou a falar dos serviços públicos com destaque para o SNS – travar a destruição e a desagregação do SNS, que está muito pressionado pelos interesses privados; a questão laboral e dos salários, na qual temos tido um grande bloqueio – porque ainda temos a lei laboral do PSD/CDS. Temos um salário mínimo baixo, com 10% dos trabalhadores em situação de pobreza e salários médios totalmente estagnados; e a questão climática, que alguns partidos são, nesse aspeto, negacionistas, nomeadamente as perspetivas mais liberais que acham que o capitalismo é que deve funcionar com a sua lógica destrutiva. Apesar dessas perspetivas, não é difícil à esquerda perceber que a justiça climática é um dos maiores desafios que estamos a viver e que tem ligação com a economia, com o trabalho.

Portanto, sim, acho que há condições para haver esse acordo. Dependerá dos resultados que existirem e da capacidade de haver um acordo escrito sobre determinadas matérias.

Entendemos que empresas como os CTT, a EDP ou a ANA devem ser públicas. Como é que se faz? Não dizemos que isso se faz de um momento para o outro.

JPN – No debate com Catarina Martins, António Costa pegou no programa do Bloco de Esquerda para dar um exemplo do que considerou ser irrazoável. A “desprivatização” da EDP, REN, CTT, ANA e Galp. Disse António Costa que seriam precisos 30 mil milhões de dívida pública pelo que considerou ser uma “bravata ideológica”. É razoável a vossa proposta?

JS – A legislatura de 2015 começou pela desprivatização dos transportes públicos aqui no Porto. Foi uma das primeiras medidas que fizemos, porque a direita quis privatizar quase tudo. E ainda bem que o fizemos. Por um lado, permitiu-nos ter um serviço reforçado no distrito e, por outro, sermos mais ambiciosos na resposta à crise climática por via da redução tarifária e podemos caminhar ainda muito mais no sentido de alargar a oferta, ter passes gratuitos e dar maior centralidade aos transportes.. 

O mesmo num setor como o da energia. A EDP era uma empresa altamente lucrativa para o Estado, foi privatizada e foi colocada nas mãos do estado chinês, com grande prejuízo para Portugal, que tem uma das energias mais caras da Europa. Conseguimos, felizmente, automatizar a tarifa social da energia, mas tem havido neste setor rendas aos privados excessivas, uma enorme rotatividade entre responsáveis políticos e essas empresas públicas e episódios lamentáveis como o Estado não cobrar imposto de selo na venda das barragens.

Portanto, sim, nós entendemos que empresas como os CTT – uma empresa com séculos que dava todos os anos lucros ao Estado e que a direita privatizou por uma bagatela e, por isso, o serviço degradou-se enormemente -, a EDP ou a ANA devem ser públicas. Foi a direita que iniciou ou concluiu esses processos e não há razão para que a esquerda não tenha como objetivo o controlo público dessas empresas. 

Sobre os custos, é importante dizer que são empresas que dão lucro. O erro foi privatizá-las e precisamos de corrigir esse erro. Nunca ouvi, por exemplo, um dirigente do PS a dar um argumento a favor da privatização dos CTT, a não ser o argumento de que ‘como já se fez agora é mais complicado desfazer’. Mas esse argumento conformista nós não o aceitamos. 

Como é que se faz? Não dizemos que isso se faz de um momento para o outro, que em um ano o Estado desprivatiza todas essas empresas. Isso passa por ganhar controlo acionista nas empresas, pode ser ter 51%. E sobretudo é preciso um plano. 

Não é feito num ano. Pode ser feito em quatro ou em oito. Mas o país deve ter como desafio, até por desafios imensos à economia e à transição climática, que estas empresas voltem a ser públicas, sim. É grotesco, do meu e do nosso ponto de vista, o que aconteceu com os CTT. Não há, noutros países, experiências bem sucedidas de privatização do serviço postal. 

Ao termos estes ativos do nosso lado, significa que, com os lucros que estas empresas dão todos os anos – e a EDP dá mesmo muito lucro -, teremos receita. Implica fazer uma despesa, que tem de ser programada, mas que, no médio prazo, também significa uma receita. 

Sociólogo é coordenador do grupo parlamentar do Bloco em matéria de Trabalho e Segurança Social. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – Mencionava a transição climática. Para que serviria o Ministério da Ação Climática, que propõem no programa?

JS – No fundo, para organizar e orientar todas as políticas públicas que precisamos para fazer face à crise climática. No nosso ponto de vista – os transportes são um exemplo, porque continuam a ser um dos grandes emissores de gases de efeitos de estufa, na Área Metropolitana do Porto cerca de 60% das deslocações continua a ser feita por transporte individual -, a ação climática inclui uma articulação muito forte entre as políticas públicas na área da economia, de sabermos quais os setores em que não devemos investir e os setores em que precisamos de investir e criar empregos para o clima. 

O setor dos transportes é evidente, mas não será o único. Temos insistido muito numa política pública de habitação, que tem uma relação direta com questões de mobilidade, porque precisamos de reduzir os circuitos que as pessoas poluem para se deslocar para as suas atividades diárias, reduzir a sua pegada ecológica – tudo isto, são coisas muito concretas a ser feitas no distrito. 

E também as questões da energia, também cruciais. Um dos problemas que temos em Portugal, que tem esta interseccionalidade entre as questões ambientais, sociais, da pobreza e climáticas. É a questão da pobreza energética. Temos uma parte importante da população que passa frio, casas que são construídas sem condições de isolamento, uma energia privada muito cara e em que as pessoas não se conseguem aquecer. Isto implica o cruzamento entre política de energia, construção, isolamento das casas, estímulo à microprodução de energia.

Este ministério seria, do ponto de vista da orgânica do Governo, o que articularia estas dimensões da política, dando centralidade à resposta à crise climática, uma das questões a que temos de dar mais importância se quisermos que o planeta continue a existir. 

Precisamos de um Serviço Nacional de Cuidados e, aqui no Porto, penso que é uma questão muito importante.

JPN – É pelo círculo do Porto que concorre. Dê-nos o exemplo de três medidas do Bloco que terão especial impacto nas pessoas do distrito. 

JS – Já falamos muito de transportes, mas temos no programa o alargamento das zonas em que a STCP opera. Temos, também, o desenvolvimento da política de gratuitidade dos transportes; alguns municípios alargaram até aos 18 anos, mas queremos generalizar no distrito, começar nessas idades e caminhar até à gratuitidade. Alargar, também, a rede ferroviária no distrito.

Uma segunda proposta, que não tem tido grande centralidade no debate público, é a da habitação. O distrito tem elevadíssimas carências de habitação e precisamos de uma política de habitação pública. Já conseguimos aprovar a proposta de transferir edificados do Ministério da Defesa para construir habitações de renda acessível, por exemplo, o edifício onde se fazia a inspeção militar junto ao metro da Casa da Música, e ainda na Lapa e em Lordelo do Ouro. Outra das prioridades é, nos próximos quatro anos, a disponibilização de 20 mil casas públicas para fazer face à crise da habitação. Não resolvem todo o problema, mas permite intervir no mercado. O Plano de Recuperação e Resiliência [PRR] deve ser usado para isso.

Como terceiro tema, a questão dos cuidados. Temos, no Porto, uma percentagem de cobertura de cuidados formais muito baixa. Só 35% das crianças têm creche dos 0 aos 3 anos, menos de 13% dos idosos têm acesso a respostas formais – lares, centros de dia, apoio domiciliário. Precisamos de um Serviço Nacional de Cuidados e, aqui no Porto, penso que é uma questão muito importante. Não podemos continuar a ter esta situação em que as pessoas dependentes são abandonadas ao autocuidado, quando ainda o conseguem, ou se imputa às famílias a responsabilidade de cuidar delas, é um regime de injustiça de género e divisão sexual do trabalho, porque são as mulheres que acarretam estas funções e é um regime altamente injusto.

Bloco quer que o Estado volte a ter controlo público de empresas como os CTT, a EDP e a ANA. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – Têm várias propostas ligadas à luta contra a discriminação, ao racismo, à promoção da igualdade de género. Por que é que seria importante fazer um Inquérito Nacional sobre a Diversidade Populacional, que propõem?

JS – Nós, para transformarmos, precisamos de conhecer. A ideia de que, se não perguntarmos, as realidades não existem, é uma ideia que nos desarma, até do ponto de vista das políticas públicas, para podermos perceber como podemos desenhar essas políticas para combater desigualdades. Se não fizermos o recenseamento dessas desigualdades, estaremos muito mais incapazes de as ver.

JPN – As leis que existem nestes campos não chegam? Que retrato faz o Bloco do país em relação a matérias de igualdade e discriminação?

JS – O primeiro problema é um hiato entre a lei escrita e a lei na prática. Temos, em muitas áreas, uma diferença entre o que a lei prescreve e as práticas sociais. Não basta haver uma lei, é preciso haver políticas públicas que tornem essa lei efetiva. É preciso que haja acesso à justiça para fazer cumprir essa lei. É assim no campo do trabalho, da igualdade de género, do combate à violência doméstica, do combate ao racismo. 

Em alguns aspetos, é preciso mudar o próprio enquadramento legal – fazemos propostas de alterações à lei de combate ao racismo, de aprofundamento da lei no que diz respeito ao crime de violação. Há ajustamentos a fazer aos enquadramentos legais que existem e é preciso, sobretudo, superar esse enorme hiato.

Ainda há áreas que, obviamente, estão muito mais atrasadas que outras. Numas avançou-se bastante, nomeadamente a legislação LGBT – agora lançamos, até, a questão sobre as “terapias de conversão”, que deve ser impedida pela lei -, mas há outras, como as políticas afirmativas de combate ao racismo, em que Portugal ainda está muito atrasado, sendo um debate que, por razões históricas, Portugal ainda não conseguiu fazer com a profundidade que ele exige. 

Não podemos fazer a apologia da democracia como um bom sistema de governo num país e depois achar que a democracia não é um bom sistema de governo numa faculdade.

JPN – Falando sobre Ensino Superior e Juventude. Que modelo de financiamento propõem para Universidades e Politécnicos para que não sejam, como referem, uma “fábrica de gente precária”?

JS – Há várias dimensões das políticas de Ensino Superior que se articulam. Na questão do financiamento, precisamos de financiamento que seja plurianual, que permita às instituições estabilidade e planeamento. Precisamos de alterar as políticas de gestão, nomeadamente, retomando uma lógica de democracia na gestão das instituições e abandonando um certo paradigma gerencialista que foi tomando conta da lógica de funcionamento das instituições e que, depois, se transmite não apenas para a lógica da formação universitária mas, também, para o campo da produção científica. 

Não podemos fazer a apologia da democracia como um bom sistema de governo num país e depois achar que a democracia não é um bom sistema de governo numa faculdade. É um pouco paradoxal que se incentive as pessoas a serem cidadãs, mas não possamos exercer essa cidadania nos espaços em que estamos – escolas, faculdades, empresas. 

Há aqui uma questão de articulação entre a formação e o emprego. O que vemos é que a oferta formativa não deve ser sobredeterminada pelo tipo de mercado de trabalho que temos. O papel das universidades é o contrário, achamos: o ensino superior deve ajudar a transformar o mercado de trabalho que temos. Temos uma sociedade com pouco emprego qualificado, muito emprego nos serviços, mal pago, muito centrada no turismo e em setores económicos altamente dependentes da conjuntura. 

Há problemas de precariedade, que se colocam diretamente no Ensino Superior nos seus profissionais, nos professores precários de que algumas instituições abusam, no recurso às bolsas como paradigma na produção científica. E também uma realidade, em relação à qual tem havido grande conivência, que é a questão dos estágios não remunerados em algumas profissões. 

O histórico Café Piolho foi o local escolhido para a entrevista. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – Propõem, no programa eleitoral, um Novo Modelo de Acesso ao Ensino Superior. De que forma se mudaria a entrada de alunos? O que está, na visão do BE, errado com o modelo atual?

JS – Devemos caminhar para a abolição dos numerus clausus, para uma oferta que permita responder e aproximarmos tanto quanto possível da ideia de que o ensino superior é um direito, que o país beneficia com a formação superior. Isso é mais delicado em certas áreas da formação e compreende-se que o planeamento não se faz de um momento para o outro, mas podemos formar mais e deve ser o setor público a fazê-lo. 

Há, depois, as questões do acesso do lado do ensino secundário. Os exames nacionais introduziram uma “avaliocracia” no secundário em que tudo é feito em função dos exames. Precisávamos de pensar o peso que os exames têm na organização do trabalho realizado no ensino secundário. 

JPN – Defendem a eliminação total da propina, primeiro nas licenciaturas, depois nos mestrados e doutoramentos, embora através de um processo faseado. Qual é a proposta para os vários ciclos do ensino superior? As instituições portuguesas podem sobreviver sem o pagamento de propinas?

JS – O Bloco, entre 2015 e 2019, conseguiu fazer com que se reduzissem as propinas na negociação orçamental. Não foi a abolição, mas foi caminhar para isso. Era o que dizia no início, haver uma estratégia. Queremos acabar com as propinas; nem sempre é possível fazer isso de um momento para o outro, mas estamos a fazer um caminho e sabemos para onde queremos ir. 

Somos contra a existência de propinas no Ensino Superior. Achamos que o Ensino Superior deve ser financiado de forma progressiva pelos impostos e que se deve caminhar para essa abolição, particularmente no primeiro e segundo ciclo [licenciaturas e mestrados], onde isso é mais evidente. Claro, a ambição que temos de ter maiores níveis de qualificação deve estender-se ao conjunto dos ciclos e, portanto, também ao terceiro, dos doutoramentos. 

JPN – É realista dizer que podemos chegar à propina zero?

JS – Já tivemos propina zero. E há imensos países na Europa que não têm propina. O fim das propinas nas licenciaturas e mestrados é totalmente exequível. No curto prazo, em um, dois anos, é possível fazer isso.

JPN – O alojamento é o ponto que representa maior despesa mensal dos estudantes deslocados. O Plano Nacional de Alojamento, que o atual Governo desencadeou, teve um início de fracasso. Acreditam que este Plano ainda pode resolver o problema de escassez de alojamento para estudantes?

JS – Nós temos tido um problema em várias áreas, que são muitos anúncios que não se traduziram em medidas concretas. É preciso que haja, da parte do Governo, um impulso que pode ser articulado com as instituições e autarquias para que haja uma disponibilização muito maior de habitação, residências para estudantes. 

Há coisas que são incompreensíveis e nas quais a Universidade do Porto também tem responsabilidade. Nós tivemos uma discussão com a Universidade quando venderam aquele equipamento incrível onde estava a Academia Contemporânea do Espetáculo [ACE]. Dizíamos que estava ali um excelente espaço para transformar num espaço que pode ter residências, espaços de estudo, outras coisas. A própria universidade tem alienado uma parte do seu património no centro da cidade que podia servir para isso. 

Há uma luta imensa para fazer aqui. Por um lado, contra interesses imobiliários fortes e que conseguem seduzir as instituições com os proveitos que podem ter ao participar numa economia num espaço urbano que tem sido colonizado pelo turismo; por outro, para a capacidade real de execução dos planos que são feitos e que têm de ser mais rápidos. A crise da habitação é tão grave que não podemos achar que temos só planos a 10 anos. Temos de ter planos a seis meses e a um ano. 

Para finalizar, e numa frase, o que nos tem a dizer sobre:

PPP
Roubo.

PS
Tem que definir com quem é que quer fazer negociações e se quer mesmo fazer negociações.

CDU
Camaradas.

Eco-geringonça
Qualquer solução política de esquerda tem obrigatoriamente de ser ecologista.

Drogas
Sucesso do modelo português.

Capitalismo
Exploração e desigualdade.