Apesar de o gabinete do primeiro-ministro rejeitar especulações acerca da constituição do novo elenco ministerial, que só deverá ser conhecido depois de 20 de fevereiro, o jornal “Correio da Manhã” desta quarta-feira (2) diz que o novo Governo de António Costa poderá voltar a concentrar a Educação e o Ensino Superior num único ministério.

O jornal aponta Tiago Brandão Rodrigues, atual ministro da Educação, no cargo desde 2015, como o provável líder deste novo ministério. Já o jornal “Expresso”, no seu podcast diário matinal, também apontou a junção de pastas como possível, mas com outra figura na liderança.

O que é para já certo é a vontade de António Costa de criar um executivo mais “pequeno, ágil e transversal” face aos anteriores, indo ao encontro de declarações públicas do primeiro-ministro, que já manifestou querer um Governo mais “enxuto” neste próximo mandato.

Esta não seria a primeira vez que este ministério juntava ambos os setores. O processo de autonomização do ensino superior em ministério próprio iniciou-se em 2002, tendo tido, nos anos seguintes, diferentes nomes. A separação foi novamente interrompida entre 2011 e 2015, durante o Governo de Pedro Passos Coelho, altura em que o Superior voltou a integrar, outra vez, Ministério da Educação. Depois de 2015, com António Costa, as pastas voltaram a ser separadas na forma que hoje se conhecem: num ministério a Educação e, noutro, a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Para o Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP), se a fusão se confirmar, isso seria “preocupante”. O ensino superior tem “questões específicas”, que são “bastante distintas” daquelas do básico e do secundário, refere a presidente do sindicato, Mariana Gaio Alves, ao JPN.

Estes são “níveis de escolaridade com exigências muito diferentes”, no sentido em que “no ensino superior há uma ligação íntima com a investigação, não existe uma centralização das políticas curriculares e de colocação de professores, até dos planos de estudo; há uma maior autonomia das instituições nessas matérias”.

O SNESUP receia, caso a junção venha a acontecer e isso “significar que não vai existir uma política especialmente desenhada para o ensino superior e a ciência”, que isso seja “deixar na sombra” estas áreas, algo que seria “muito preocupante”.

“Seria mau andar para trás”

José Marques dos Santos foi reitor da Universidade do Porto entre 2006 e 2014, tendo, por isso, estado à frente da instituição em ambos os modelos ministeriais. Tendo lidado particularmente com o executivo de Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior entre 2005 e 2009, refere que foi nessa altura que “a ciência deu um grande salto”. Voltar a juntar estes ministérios seria, por isso, “andar para trás”.

Para o antigo reitor, “faz todo o sentido manter assim” a divisão atual dos ministérios. “A separação permite que o conjunto do ensino superior com a ciência tenha mais visibilidade e possa tirar daí partido”, refere ao JPN.

Bárbara Carvalho, presidente da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), complementa ao refletir, em contacto com o JPN, sobre o que significaria “o desaparecimento de um ministério e de uma tutela” para este setor, “que se tem batido nos últimos anos no combate à precariedade”. A presidente refere longos processos inacabados, como os relativos aos investigadores contratados ao abrigo da norma transitória, sendo “relevante” continuar a haver uma tutela específica e “consequente, que fizesse realmente frente à precariedade” no setor.

Separar o ensino superior da ciência teria consequências?

Menos sentido ainda, na opinião de Mariana Gaio Alves, faria separar a Ciência do Ensino Superior, juntando-a a um putativo Ministério da Inovação. Essa seria uma fragmentação que “não faria qualquer tipo de sentido”.

“Estamos obviamente a falar de cenários”, esclarece, “mas desejamos que isso não se concretize, por várias razões. Todos os professores de ensino superior fazem ciência e há muitos investigadores a dar aulas. Tal como o trabalho destas pessoas depende dos dois setores, todas as questões de financiamento e da organização de ciência e do ensino superior dependem de fundos que vêm através de atividades científicas, e de outros, que vêm de propinas”, exemplifica a presidente do sindicato.

Sobre a perspetiva desta possível desagregação, José Marques dos Santos diz que ambos “estão muito ligados, porque não há ensino superior sem ciência”, pelo que “seria mau” fazer o recuo para este modelo.

A posição é corroborada pela ABIC, que refere que é preciso “entender que grande parte da ciência é feita dentro [das universidades e politécnicos], em laboratórios associados e colaborativos. A luta dos investigadores também passa pelo reconhecimento das instituições de ensino superior”, pelo que “dependeria da visão que está subjacente e da proposta que existe, mas temos em crer que a existência de uma tutela devia ser da ciência como parte integrante do ensino superior e não só, também das instituições específicas”, refere Bárbara Carvalho.

A formação do novo Governo e dos ministérios deverá ser conhecida oficialmente depois de 20 de fevereiro, com o novo elenco ministerial a ser desenhado ao longo das próximas duas semanas. António Costa foi indigitado primeiro-ministro esta quarta-feira (2).

Artigo editado por Filipa Silva