No ano de 2020, mais de dez milhões de profissionais do ramo artístico e criativo perderam os seus empregos, revela o relatório global publicado pela UNESCO esta terça-feira (8).

O documento, intitulado “Re|Shaping Policies for Creativity” (até ao momento disponível apenas em inglês, espanhol e francês) dá conta de um “colapso sem precedentes” no setor cultural e criativo, devido à paralisação provocada pela pandemia de Covid-19. Esta situação agravou inequivocamente a precariedade e fragilidade dos artistas.

Esta é a terceira edição do relatório – a abranger os 151 países signatários da Convenção de 2005 -, que constitui uma ferramenta importante para a análise de questões relativas à cultura e à inovação. Através desta análise, a organização faz um balanço das desigualdades geográficas, de género e digitais que colocam em causa a diversidade cultural. Para além disso, o documento sugere várias medidas para o futuro, na ótica da sustentabilidade.

Quebras em receitas e desemprego

Segundo o relatório, as quebras no setor estiveram entre os 20% e os 40% em 2020. Estes números são referentes a 657,7 milhões de euros, com trabalhadores da cultura a perder mais de mil milhões em rendimentos.

Ao todo, foram perdidos mais de 10 milhões de empregos. Nos principais lesados, destacam-se as mulheres, dizendo o relatório que, na área, “a igualdade de género é uma perspetiva longínqua”. Apesar disso, o setor da cultura apresenta uma taxa de feminização de 48,1%, sendo considerado, ainda, um dos setores mais jovens e com rápido crescimento.

A digitalização da cultura na pandemia

A pandemia veio acelerar o processo de transformação digital, que se tem vindo a verificar, alterando o modo de operar das industrias culturais e criativas. Em 2020, 62,1% dos rendimentos da indústria musical foram provenientes do streaming. Segundo o relatório, “a atividade online explodiu” entre 2016 e 2021: o número de horas de consumo de Netflix, por exemplo, passou de 69.444 para 584.222.

A organização internacional alerta para o surgimento de um “paradoxo básico, em que se intensificou a importância dos conteúdos culturais, mas, ao mesmo tempo, o trabalho daqueles que produzem arte e cultura torna-se cada vez mais difícil”.

telemóvel

Este processo de digitalização da cultura traz várias consequências para o setor e evidencia a necessidade da criação de “medidas ficais para a proteção da diversidade dos conteúdos culturais digitais” que garantam um “sistema de renumerações justas para os artistas” nas plataformas digitais, refere o relatório.

A UNESCO defende a urgência da reformulação das políticas de apoio às indústrias criativas e apela à necessidade dos governos garantirem medidas de proteção para os artistas e profissionais da área.

Agravamento das desigualdades

Os dados constatam, ainda, que 95% das exportações de serviços culturais estão concentradas em países desenvolvidos, comprovando a existência de uma profunda desigualdade em relação aos países em desenvolvimento.

De acordo com o relatório, Portugal é um dos países da União Europeia onde se verifica “uma distribuição equilibrada dos bens culturais”, indicando que a disparidade “entre meio rural e meio urbano” é inferior a 5%.

Para além disso, apesar de se verificar uma taxa de emprego feminino de 48,1% na cultura e entretenimento, a igualdade de género neste setor revela-se baixa. “As mulheres que trabalham nas indústrias criativas estão longe de ter os mesmos direitos, apoio financeiro, oportunidades de emprego e reconhecimento profissional que os homens”, lê-se.

Neste sentido, a organização reconhece a importância do movimento #MeToo, que considera ter dado um “novo impulso para melhorar a igualdade de género nas indústrias culturais e criativas”.

A UNESCO reforça que a pandemia evidenciou que “nenhum país pode, só por si, proteger e promover a diversidade dentro e fora do seu território”.

Artigo editado por Filipa Silva.