Milhares de pessoas já assinaram uma petição que exige que o Governo sul-coreano tome medidas para travar o cyberbullying, após a morte de duas celebridades nacionais por suicídio.

Estas mortes despoletaram uma vaga de contestação, que culminou na criação de uma petição, publicada no site presidencial da Casa Azul (o palácio presidencial em Seul), que esta quarta-feira (9) contava com mais de 158 mil assinaturas. Aqueles que assinaram a petição pedem punições mais severas para crimes online e comentários abusivos deixados nas plataformas.

As mortes que desencadearam a contestação

A petição foi criada depois de Cho Jang-mi, streamer mais conhecida como BJ Jammi, ter sido encontrada morta em casa, na passada sexta-feira, dia 5 de fevereiro. A influencer de 27 anos havia sido acusada, em 2019, de fazer um “gesto misândrico” (que manifesta aversão ou desprezo por pessoas do sexo masculino) num dos seus vídeos. Desde então, Cho foi sujeita a assédio online por parte de outros youtubers e utilizadores, inclusive durante as transmissões em direto que fazia.

Já a mãe de Cho, que monitorizava os comentários online dirigidos à filha, havia posto término à própria vida em 2020, altura em que a gamer fez um apelo para que o bullying parasse.

Um dia antes da morte da youtuber, o atleta profissional de voleibol, Kim In-hyeok, também foi encontrado em casa sem vida. De acordo com a agência sul-coreana Yonhap, o jogador de 28 anos dos Daejeon Samsung Fire Bluefangs terá deixado uma nota com reflexões “pessimistas” sobre a sua vida.

Tal como Cho, Kim foi vítima de uma onda de comentários de ódio, neste caso relativos à sua aparência e orientação sexual. O atleta também já se tinha insurgido contra as mensagens de que era alvo, pedindo aos autores que as parassem de enviar.

“As pessoas que não fazem ideia de quem eu realmente sou enviam inúmeras mensagens diretas e publicam comentários rancorosos sempre que eu jogo uma partida. É muito difícil aguentar com tudo isso. Por favor, parem”, escreveu Kim, no Instagram, em agosto de 2021.

Coreia com a taxa de suicídio mais elevada da OCDE

Não é a primeira vez que o suicídio de uma celebridade sul coreana coloca o cyberbullying na ordem do dia. Em 2019, foi descoberto o cadáver da cantora e atriz Sulli, que foi vítima de abuso online durante anos.

“Mais pessoas estão a sofrer de depressão e dificuldades mentais por causa do discurso de ódio online. É um problema que pode destruir a vida de uma pessoa”, contou Kim Tae-yeon, advogado especializado em casos de difamação e cyberbullying, à agência Yonhap.

Em 2020, a taxa de suicídio na Coreia do Sul atingiu as 25 mortes por 100 mil habitantes. De acordo com dados da Statista, este é o país com a taxa mais elevada entre os 38 membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

O cyberbullying em Portugal

No Orçamento de Estado para 2021, foi aprovada a criação de um Observatório Independente do Discurso de Ódio, Racismo e Xenofobia, que tem como um dos objetivos promover “a consolidação e reforço das medidas de prevenção e combate ao discurso de ódio e cyberbullying”.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) também havia alertado para o perigo do cyberbullying, fenómeno que se tem vindo a agravar em Portugal nos últimos anos. Se no ano letivo 2013/2014 as ofensas online contabilizavam 29% das ocorrências, em 2020 já correspondiam a 40%.

Já foram várias as figuras mediáticas portuguesas que se insurgiram contra o assédio online. Há dois anos, Cristina Ferreira lançou o livro “Pra Cima de Puta”, cujo mote era divulgar o ódio destilado nas redes sociais a que a apresentadora era sujeita. Foi lançada ao mesmo tempo uma petição “contra o ódio e a agressão gratuita na Internet”.

Também o ator Manuel Moreira decidiu divulgar, no Instagram, mensagens privadas que recebia. “Há uma conversa muito instituída do ‘ai, já não há paciência para a conversa do bullying’ e a verdade é que muita gente ficou chocada por ver este exemplo prático. Mas se imaginar que em vez de ser eu, um homem resolvido de 40 anos, for um miúdo de 15, que e está a passar por uma depressão e em busca de uma identidade, a ser vítima destes insultos, é quase impossível uma pessoa não se chocar”, escreveu na publicação.

Artigo editado por Filipa Silva.