A primeira e mais antiga estação ferroviária construída na cidade do Porto vai ser demolida para dar lugar a um novo centro comercial El Corte Inglés (ECI), uma unidade hoteleira e espaços de habitação. O despacho, publicado na terça-feira (8) no Diário da República, anunciou a desafetação do domínio público dos edifícios da Infraestruturas de Portugal (IP) no local.
O despacho conjunto do secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, e do secretário do Estado das Infraestruturas, Jorge Delgado, permite a demolição de uma gare antiga de passageiros e de dois edifícios dedicados a habitação, na Rua 5 de outubro. No documento é especificado que é “desafetada do domínio público ferroviário do Estado, sob administração da Infraestruturas de Portugal, S. A. (IP, S. A.), a parcela de terreno com a área de 20 686 m2, na qual estão construídos três edifícios a demolir”.
Segundo o mesmo documento, da demolição dos três edifícios existentes, resultarão três lotes de terreno. De acordo com o contrato estabelecido entre a IP e o ECI Boavista, tendo também em conta o Pedido de Informação Prévia (PIP), “o lote 1 tem como finalidade a constituição de direito de superfície […] para aproveitamento imobiliário e os lotes 2 e 3 têm como finalidade a respetiva integração no património privado da IP, S. A., destinando-se a aproveitamento imobiliário e habitação”.
As verbas resultantes devem ser “afetas prioritariamente, na sua totalidade, à redução da dívida da IP”, lê-se ainda no despacho.
No dia 17 de janeiro, a IP foi criticada pelo movimento Jardim Ferroviário para a Boavista por não preservar a antiga estação, considerada por estes um património histórico da cidade.
A salvaguarda da antiga estação tem sido, nos últimos anos, alvo de petições e cartas abertas do movimento que integra associações de defesa de património e ambientalistas, entre elas a Associação de Defesa do Ambiente, o Clube UNESCO da Cidade do Porto, a Greve Climática Estudantil do Porto e o Núcleo de Arquitetura Paisagista do Porto (PLANEAR).
Pelo princípio democrático e pela voz dos cidadãos
Em entrevista ao JPN, Hugo Silveira Pereira, um dos assinantes das cartas abertas e investigador na Universidade Nova de Lisboa, afirmou que apesar de, neste momento, ser mais difícil, o processo de demolição “é sempre irreversível até ao momento em que se iniciarem [as obras]”. Contudo, reforçou que “seria necessário um maior comprometimento do cidadão em defesa não só da estação, mas do espaço e do serviço”.
“Estamos a discutir essa questão agora e a ver o que podemos ter à nossa disposição para continuar pela nossa causa”, disse ao JPN.
As associações defendem que “faria muito mais sentido naquele espaço um jardim que aumentasse a oferta deste tipo de jardins”. Hugo Pereira salientou, ainda, que devia ser feito um esforço para preservar um património que é histórico da cidade. Inaugurada no século XIX, a estação da ferroviária da Boavista foi o primeiro caminho de ferro do Porto, representando, à altura, o progresso da cidade: “o caminho de ferro era o que separava as nações modernas das nações arcaicas”, acrescentou.
O investigador acredita que haverá “consequências devastadoras sobre o comércio local que está implementado à volta”. O tráfego automóvel, que “já é muito caótico e intenso”, aumentará, assim como a poluição sonora e atmosférica.
Sérgio Aires, vereador do Bloco de Esquerda (BE), lamentou, em declarações ao jornal “Expresso”, a demolição da Estação Ferroviária da Boavista. “Lamentamos profundamente que não tenha havido, por parte das entidades envolvidas [públicas e privadas], o interesse de preservar aquele exemplar do património e da história ferroviária da cidade do Porto, independente da solução para ali encontrada”, disse, acrescentando que a decisão, para além de “incompreensível”, demonstra “uma falta de sensibilidade e de capacidade de diálogo” com os movimentos de cidadania.
Também o partido Livre, em comunicado enviado às redações esta quinta (10), “condena fortemente” a decisão do Governo, cujo processo tem sido, na opinião do partido, “pautado por uma enorme falta de transparência nas decisões e por um atropelo ao interesse público e aos interesses das populações locais”.
O El Corte Inglés assinou, há mais de 20 anos, um contrato-promessa de direito de superfície com a IP por aqueles terrenos. Na altura, o grupo pagou à entidade estatal 18,5 milhões de euros como sinal. No ano passado, o ministro que tutela a IP, Pedro Nuno Santos, afirmou no Parlamento que esse contrato não seria quebrado pelo valor da indemnização que poderia estar em causa.
Hugo Pereira ressalta ao JPN que o erro passou pela renovação contínua do mesmo: “era simplesmente deixar caducar, a parte que não cumpria, neste caso a empresa El Corte Inglés, perdia o sinal que tinha entregue e [o terreno] voltava à esfera publica”. O investigador disse ser importante sublinhar que “o terreno esteve ao abandono nas últimas duas décadas porque estava reservado a uma entidade privada”.
Artigo editado por Tiago Serra Cunha