Detenções arbitrárias e estigmatização através dos meios de comunicação social são as principais formas de repressão exercidas pela Venezuela. A Amnistia realizou um estudo no qual expõe a correlação entre as duas variáveis.

Esta estigmatização tem sido praticada pelos meios de comunicação financiados pelo Estado. Foto: Pixabay

A Venezuela vive um período de repressão acentuado, em resultado das inúmeras detenções arbitrárias e da estigmatização praticada pelos meios de comunicação social. O estudo, realizado pela Amnistia Internacional juntamente com o Foro Penal e o Centro para os Defensores e Justiça (CDJ), foi publicado na última quinta-feira (10) e revela que, entre 2019 e os seis primeiros meses de 2021, se realizaram 1.270 detenções arbitrárias.

O relatório, denominado “Repressão Calculada: Correlação entre estigmatização e detenções arbitrárias na Venezuela”, revela que há uma forte correlação entre a estigmatização de determinadas entidades nos media e as detenções arbitrárias realizadas pelas forças de segurança. A diretora para as Américas da Amnistia Internacional, Erika Guevara-Rosas, acredita que “esta correlação é um novo indicador de uma política sistemática de repressão e aponta para crimes contra a humanidade por perseguição, que devem ser investigados pelo sistema internacional de justiça”, refere em comunicado.

De acordo com os dados publicados, a correlação entre a estigmatização e as detenções arbitrárias tem aumentado nos últimos três anos, visto que em 2019 era de 29%, um ano depois de 42%. Até ao primeiro semestre de 2021 era de 77%.

As Forças de Ação Especial (FAES) da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) foram responsáveis pelo maior número de detenções arbitrárias, sendo que, em 2019, eram a quinta força de segurança que mais detenções fazia e um ano depois a terceira. De notar que, em 2020, as FAES e a PNB apresentaram uma correlação de 92%. No entanto, até junho de 2021, as FAES, as polícias municipais e o Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas (CICPC) alcançaram o mesmo valor (92%).

Esta estigmatização tem sido praticada pelos meios de comunicação financiados pelo Estado, sendo que as principais fontes destes atos são “Con El Mazo Dando”, Misión Verdad” e “Lechuguinos”. Segundo o CDJ, durante o período em estudo, foram contabilizados 350 atos dessa natureza.

Entre 2019 e junho de 2021, a correlação entre a estigmatização observada no programa televisivo “Con El Mazo Dando” e as detenções arbitrárias foi de 94%. Estes dados revelam que “existe uma relação estreita entre agentes do Estado venezuelano, os meios de comunicação social públicos e privados, e os ataques contra ativistas dos Direitos Humanos, que não devem ficar impunes”, de acordo com o diretor do Foro Penal, Gonzalo Himiob.

O estudo revelou, ainda, que os períodos de repressão aumentaram substancialmente quando o respeito pelos direitos humanos não era cumprido e, como tal, transmitido a organizações internacionais.

Neste sentido, a Diretora-geral do CDJ, Marianna Romero, considera que “o sistema foi desenhado para desacreditar, acusar, ameaçar e visar aqueles que defendem, promovem e exigem o respeito pelos direitos humanos, por meio de declarações públicas, da media e das redes sociais, pessoais e institucionais. Esta pesquisa mostra claramente como esta estigmatização se baseia na lógica de que há um inimigo e resulta em manifestações de atos de violência e perseguição por parte do Estado”.

Os autores do estudo pediram ao Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional para ter em conta os dados partilhados no estudo durante a investigação que tem em curso sobre “crimes contra a humanidade na Venezuela, para determinar os atores-chave, casos específicos e participantes”. Além disso, relembram a comunidade internacional sobre a importância de apoiar a Missão Internacional de Apuração de Factos, que têm trabalhado para responsabilizar a Venezuela pelos atos de repressão.

No Dia da Juventude na Venezuela, que se celebrou a 12 de fevereiro, os bispos católicos apelaram também aos jovens para que trabalhem no sentido de quebrar a “espiral de violação dos Direitos Humanos”. 

Artigo editado por Tiago Serra Cunha