No dia em que chega às bancas, o JPN conversa com o autor do livro “A Mais Breve História da Rússia". Jornalista e historiador fala do desafio de compilar em 300 páginas a longa história de um país onde a narrativa histórica se altera com as mudanças no poder.

“A Mais Breve História da Rússia – Dos Eslavos a Putin”, escrita pelo jornalista e historiador José Milhazes, chegou às livrarias esta terça-feira, 15. Em entrevista ao JPN, o autor afirma que a publicação é a primeira síntese histórica da Rússia a ser escrita em português e conta que ela tem como objetivo discutir os acontecimentos russos através de uma linguagem acessível, com o fim de ajudar “aqueles que querem saber mais”.

José Milhazes morou quase duas décadas na Rússia, onde se licenciou em História da Rússia na Universidade Estatal de Moscovo e fez trabalhos jornalísticos para media portugueses, como TSF e SIC. Mesmo sendo um grande conhecedor da história, Milhazes reconhece que estudar o passado russo é uma complicada tarefa, tendo em vista que as fontes bibliográficas são, normalmente, muito incertas. Isso porque, de acordo com o autor, quando muda o governo, muda-se também o modo como a história é contada. “As narrativas são, por vezes, completamente contraditórias. É muito difícil acompanhar essas mudanças”, relata José Milhazes.

Temos uma política muito parola – virada para dentro. Por exemplo, na última campanha eleitoral: a Europa às portas da guerra e nenhum dirigente político disse nada sobre isso.

Outro desafio destacado pelo autor foi a missão de compilar os mais importantes momentos do maior país do mundo em apenas 300 páginas. “Nas minhas outras obras, dediquei-me muito mais às relações bilaterais entre Portugal e Rússia em diversos aspetos: personagens portuguesas que tiveram um papel significativo na história russa, de russos que estiveram em Portugal ou nas suas colónias e que deixaram testemunhos importantes e curiosos. Agora, compreendi que seria importante escrever um outro livro – no caso ‘A Mais Breve História da Rússia’ – para cimentar aquilo que eu tentei transmitir no primeiro, ou seja para que as pessoas possam ler um pensador russo, e depois na ‘Breve História da Rússia’ ver em que época ele se enquadrava”, declara o historiador.

O escritor também reitera que poucos portugueses sabem a respeito da história russa, uma vez que “os portugueses, normalmente, não estão muito virados para questões internacionais”. Milhazes também aponta a falta de discussão sobre o assunto nas escolas e no meio político. “No ensino desperta-se pouca atenção para a história mundial, não há uma análise mais profunda da história universal e da Europa. Depois, temos uma política muito parola – virada para dentro –, como por exemplo na última campanha eleitoral, a Europa às portas da guerra e nenhum dirigente político disse nada sobre isso. Além disso, nós pensamos que vivemos no melhor lugar do mundo – e é verdade – e que nada nos vai acontecer. E quando os combustíveis começam a subir, ninguém vai pensar que é devido à crise em torno da Ucrânia. Claro que há uma carga fiscal muito grande nos impostos, mas aqui os fatores internacionais são muitíssimo importantes. E é isso que não se fala, não se discute”, reflete.

“Não há ninguém interessado na guerra”

Apesar de abordar um tema muito atual, o jornalista sublinha que o livro, editado pela Dom Quixote, não foi escrito a pensar na atual crise russo-ucraniana, mas afirma que essa coincidência comprova que a Rússia foi, é e continuará a ser um país muito importante – não só em termos europeus, como também mundiais. Nesse contexto, o jornalista refere-se às tensões no leste europeu como lutas verbais “perigosas” e “complicadas”, mas considera que, enquanto os líderes políticos se dedicarem a controlar a situação, elas não darão origem a um conflito.  

“Enquanto os dirigentes tiverem mão numa situação onde há milhares de soldados concentrados e armamentos, eu penso que aí não irá haver guerra. Mas existe um risco – que é cada vez maior à medida que se vai prolongando a tensão – que um pequeno incidente, ou acidente, ou provocação, possa provocar um conflito, e se esse conflito começar, ele passará de pequenas para grandes dimensões e será trágico para todas as partes. Daí eu considerar, que aqui não há ninguém que esteja interessado nessa guerra”, pondera.

Dessa forma, José Milhazes espera que haja diálogo entre a NATO e a Rússia, e que a situação seja resolvida por via diplomática, como, por exemplo, o Quarteto da Normandia – grupo diplomático composto por Rússia, Ucrânia, França e Alemanha criado para encontrar soluções para a crise russo-ucraniana – ou o cumprimento dos protocolos de Minsk – tratados firmados em 2014 e 2015 que visavam aliviar as tensões do leste europeu, mas que nunca foram efetivados na sua plenitude.  

Milhazes também esclarece que, apesar do convite recebido, a Ucrânia não está apta para entrar na NATO, visto que o país ainda é cenário de conflitos territoriais ativos. E, apesar dos anúncios feitos pelos países do ocidente, o historiador assegura que os ucranianos temem o conflito, mas não acham que vai ele vai concretizar-se, isso porque “a Ucrânia de 2022 não é a mesma de 2014. Tem forças armadas mais fortes, pode fornecer resistência”.

Mas, mesmo mostrando-se optimista, José Milhazes priva-se de fazer previsões sobre o futuro do conflito e atém-se em citar o futebolista João Pinto: “prognósticos, só no fim do jogo”

Artigo editado por Filipa Silva