O concurso, que foi lançado em 2020, tem sido marcado por vários avanços e recuos. As atuais operadoras afirmam que os contratos serão “chumbados” pelo Tribunal de Contas, mas o presidente do Conselho Metropolitano garante que o processo está em condições de avançar.
Lançado em janeiro de 2020, o processo que envolve a substituição das concessões do transporte público de passageiros na Área Metropolitana do Porto (AMP) tem sido marcado por vários altos e baixos. Ao longo dos últimos dois anos, por razões distintas, empresas operadoras, autarcas e trabalhadores do setor manifestaram descontentamento.
O concurso foi apresentado pela AMP no final de 2019 e tem como principal objetivo a substituição das atuais concessões para a operação do serviço de transporte rodoviário de passageiros a cargo de empresas privadas, de modo a regulamentar e distribuir o serviço de forma equilibrada pelos municípios. De acordo com a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, num comunicado de janeiro de 2020, o concurso responde também à necessidade de adaptação a uma reforma do Parlamento Europeu (PE) no que toca à regulamentação da contratação deste tipo de serviços.
Outro fim pretendido é a melhoria das condições dos transportes públicos. A uniformização da frota e dos tarifários são também alguns dos aspetos que se pretendem alcançar com os novos contratos que resultarem deste procedimento, aberto à participação de empresas internacionais. Existe também uma preocupação ambiental, na medida em que as frotas das operadoras são obrigadas a incluir veículos menos poluentes, e o limite de idade média dos mesmos deve ser gradualmente diminuído (de 14 para oito anos) ao longo dos sete anos de contrato.
O caderno de encargos determina, também, que as informações sobre as linhas devem ser mais acessíveis e claras: os veículos devem ter painéis nos quais seja possível, do exterior, saber o destino e o código da linha em que o autocarro opera naquele momento. As paragens com abrigo e dimensões adequadas devem disponibilizar o mapa da rede e os horários das carreiras que por lá passam. A AMP tenciona ainda implementar um sistema que permita que os passageiros tenham acesso em tempo real a informações sobre o serviço.
No que concerne a questões financeiras, os passageiros vão notar algumas diferenças em relação ao serviço que é atualmente prestado, sendo que o tarifário do Andante será vigente em toda a extensão da rede. Em sentido contrário, os operadores passam a ser pagos ao quilómetro, com o preço ajustado ao lote em que operam, e recebem 25% do montante das validações do Andante.
Apesar de o número poder vir a ser reduzido, em face de possíveis ajustamentos que permitam diminuir os encargos financeiros, a rede prevê um total de 439 linhas (ver mapa). Foi desenhada com base na que existe atualmente, mas também a pensar numa maior abrangência territorial.
Para a atribuição das concessões, os municípios foram divididos em cinco lotes, com a exclusão do concelho do Porto, onde a STCP é o operador exclusivo (ver mapa). Uma mesma empresa poderia ter-se candidatado aos cinco lotes, mas só teria a possibilidade de operar apenas num deles.
De acordo com uma notícia de junho de 2021 do “Jornal de Notícias”, os lotes foram atribuídos a três empresas portuguesas – a Auto Viação do Minho, a Barraquense e a Bus On Tour – e a duas espanholas: Alsa e Xerpa Mobility.
As principais empresas que operam atualmente são:
- A Nogueira da Costa: Maia
- Auto Viação Feirense: Gaia, Espinho, Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Arouca
- Auto Viação Pacense: Santo Tirso e Trofa
- ETG [Gondomarense]: Gondomar
- Espírito Santo: Gaia
- Litoral Norte: Póvoa de Varzim e Vila do Conde
- Maia Transportes: Maia
- “Maré” (VIAMove): Matosinhos
- MGC Transportes: Gaia
- UTC: Gaia, Espinho e Santa Maria da Feira
- Transdev: Póvoa de Varzim, Paredes, Santo Tirso, Trofa, Santa Maria da Feira, São João da Madeira, Arouca, Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra
- Valpi: Valongo e Paredes
Discórdia entre os atuais operadores e os autarcas
Atualmente, o concurso encontra-se em fase de adjudicação, isto após o final de um período de suspensão determinado na sequência de três processos de impugnação. Em declarações à agência Lusa, o presidente da AMP, Eduardo Vítor Rodrigues, adianta que o próximo passo a ser dado é assumir o compromisso com as empresas vencedoras, que “vão ter de adjudicar com as condições de há um ano e meio”, e a consequente apreciação dos contratos a ser feita pelo Tribunal de Contas (TdC).
No entanto, na semana passada, seis das atuais operadoras enviaram uma carta à AMP, a indicar que o TdC “chumbará” qualquer contrato celebrado na sequência do concurso. Segundo o “Jornal de Notícias”, as autoras do documento alegam que, desde o começo do processo, “ocorreu uma significativa alteração dos pressupostos iniciais (não só pelos efeitos da pandemia), que levou a um significativo aumento dos encargos”.
As empresas relembram que o TdC defende a realização de um novo concurso “em caso de alteração significativa dos pressupostos de que derive o aumento da despesa pública”, motivo pelo qual a concretização dos vínculos entre a AMP e as novas operadoras será travada pelo órgão judicial. Exigem, ainda, que a AMP forneça o estudo financeiro do concurso “a todas as concorrentes”.
Em declarações à Lusa, Eduardo Vítor Rodrigues, afirma, em resposta, que os autarcas estão “cansados de serem o bombo da festa de empresas que perderam concursos, que foram para tribunal e perderam as ações”. O também autarca de Gaia mostrou-se “estupefacto” com a reação, sublinhando que as decisões judiciais foram todas favoráveis à AMP e que, por esse motivo, está “tranquilo” com o futuro do processo.
Diversos desenvolvimentos ao longo de dois anos
Desde atrasos e processos em tribunal até alterações concursais que mudaram o rumo do processo, foram vários os entraves que os intervenientes encontraram ao longo destes dois anos.
Em junho de 2021, Marco Martins, presidente da Câmara de Gondomar, fez estalar o verniz entre os autarcas da AMP ao não assinar o contrato de concessão. O autarca acusou a Comissão Executiva Metropolitana do Porto de o perseguir, considerando que o organismo cometeu “erros graves e tem de encontrar um bode expiatório”. Na época, Marco Martins tinha mostrado o seu descontentamento pela forma como o concurso fora lançado, lamentando a falta de consideração da Comissão Executiva pelas posições dos municípios.
O presidente da Câmara de Gondomar garantiu ter cumprido com as obrigações, ao apresentar uma rede “superavitária”, com lucros na ordem nos 500 mil euros e que respeitava as regras do concurso. No entanto, a junção dos municípios por lotes, à qual o autarca se opôs, implicaria um défice para a Câmara de Gondomar, sendo esse o motivo que levou à recusa de Marco Martins em deliberar a assunção de qualquer tipo de encargos.
A polémica fez com que a AMP pedisse uma atualização ao estudo económico-financeiro encomendado para a realização do concurso, de modo a entender se era possível manter o formato de concessão previsto no mesmo. Em dezembro de 2021, Eduardo Vítor Rodrigues revelou algumas das conclusões alcançadas, que apontam para o aumento dos encargos financeiros dos municípios.
Se a rede não sofrer alterações ao que foi definido no concurso, o custo adicional da sua operação rondará os cinco milhões de euros, o que representa cerca de 20% dos custos por ano para cada município. Apesar de, nesta data, ter demonstrado algum ceticismo quanto à capacidade de os municípios conseguirem suportar os encargos financeiros, o presidente da AMP considerou, já este mês, que tal seria uma “inevitabilidade”.
A contestação não se limitou às empresas cuja concessão deverá cessar em breve e aos autarcas dos 16 municípios envolvidos no concurso. Em novembro de 2020, numa sessão do Congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento dos Sistemas Integrados de Transporte, Mário Rui Soares, primeiro-secretário da Comissão Executiva Metropolitana do Porto, mencionou que uma das potenciais empresas vencedoras do concurso equacionava contratar trabalhadores da Venezuela e de Cabo Verde para conduzirem os autocarros e formá-los para o efeito.
Na sequência dessa declaração, o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes da Área Metropolitana do Porto (STTAMP) pediu a “suspensão imediata” do concurso, mas a AMP garantiu que uma das exigências feitas aos novos operadores passaria pela contratação prioritária dos motoristas das empresas que atualmente operam nos municípios, respeitando a legislação portuguesa.
Em declarações ao “Jornal de Notícias”, a AMP acrescentou, porém, que a contratação de motoristas estrangeiros não era, de todo, uma impossibilidade, na medida em que o aumento da oferta permitirá a criação de novos postos de emprego, além dos que existem atualmente na área.
Em resumo…
Porque é que a AMP lançou este concurso?
A AMP pretende regulamentar e distribuir o serviço de transportes públicos de passageiros de forma equilibrada pelos municípios que a compõem.
Os objetivos do concurso
Com os contratos que vão ser estabelecidos na sequência deste procedimento, a AMP quer implementar melhorias na forma como este serviço é prestado. Para isso, a frota será uniformizada e o uso do Andante (e seu tarifário) extensível a toda a rede. Os veículos devem ser menos poluentes, respeitar um determinado limite de idade média e a informação sobre o serviço deve ser de fácil acesso pelos passageiros.
Como se procedeu o concurso
Os 16 municípios incluídos no concurso (o Porto ficou de fora, devido à operação exclusiva da STCP no concelho) foram divididos em cinco lotes de operação. Todas as empresas de transportes, incluindo as internacionais, puderam candidatar-se a todos os lotes, mas cada uma só teria a possibilidade de operar apenas num deles.
Os resultados e a situação atual
De acordo com o “Jornal de Notícias”, o concurso foi vencido por três empresas portuguesas e duas espanholas. No entanto, os recursos e processos em tribunal apresentados, sobretudo, pelas empresas que operam atualmente fizeram com que o processo se atrasasse e ainda não esteja concluído, dois anos após o seu lançamento. Atualmente, o presidente da AMP garante que as adjudicações podem avançar, e que aguarda apenas que as empresas aceitem firmar os contratos e pela apreciação que o Tribunal de Contas terá de fazer sobre os mesmos. As atuais operadoras afirmam que os contratos serão chumbados por esta instância judicial.
Artigo editado por Filipa Silva e Tiago Serra Cunha