O Tribunal Constitucional (TC) considerou nulo o apuramento dos votos da comunidade emigrante no círculo da Europa, e determinou que a votação deve ser repetida neste círculo. A decisão, lida pelo presidente do TC, João Caupers, foi tornada pública esta terça-feira, depois de quatro partidos apresentarem recursos para reverter a anulação dos votos.

A decisão foi tomada por unanimidade entre os juízes do Constitucional. “O tribunal decidiu por unanimidade revogar a deliberação da Assembleia Geral do círculo da Europa em que se verificou a confusão em urna (…) e decidiu declarar a nulidade nas assembleias de voto no círculo eleitoral da Europa”, lê-se no acórdão. Além disto, os juízes determinaram a repetição do ato eleitoral nas assembleias.

Os juízes do Palácio Ratton consideraram que a decisão da nulidade dos votos pode ter influenciado diretamente o resultado final das eleições. “É perfeitamente possível que a decisão de declarar nulos todos os votos do universo em que se tenha verificado confusão tenha influído no resultado geral da eleição no círculo”, está escrito no acórdão. E alertam que “não é possível concluir que a decisão de declaração de nulidade foi neutra do ponto de vista da distribuição de mandatos, uma vez que está longe de ser certo ou necessário que o padrão de distribuição dos mesmos fosse substancialmente idêntico ao que se veio a verificar no apuramento geral”.

O Tribunal Constitucional sustenta a decisão com o argumento da dimensão dos votos anulados: “foram considerados validamente expressos 36.191” votos e nulos 157.205, o Constitucional defende que “quando o número total de votos anulados sobreleva o número total de votos considerados validamente expressos em cerca do quádruplo, é mais do que plausível conceber cenários em que o número de votos válidos, mas que acabaram anulados e desconsiderados em razão da sua confusão com votos inválidos, pudesse constituir uma grande parte dos votos considerados validamente expressos”.

De acordo com o TC, em causa estão 151 mesas de voto do círculo da Europa. Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados em várias mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.

O edital publicado sobre o apuramento geral da eleição do círculo da Europa, agora anulado, mostra um total de 195.701 votos recebidos, dos quais 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%. Quanto ao círculo fora da Europa, dos 64.534 boletins que chegaram a Portugal, 1.907 foram anulados. A decisão do TC em nada altera a situação deste círculo.

Jorge Miranda concorda que votos “não deviam ter sido anulados”

Ainda antes de ser conhecida a decisão do Tribunal Constitucional para a repetição do voto eleitoral no círculo da Europa, o constitucionalista Jorge Miranda considerou, em declarações ao JPN, sobre a polémica decisão dos votos dos emigrantes invalidados na contagem do dia 10, que estes “não deviam ter sido anulados”.

Ao JPN, o jurisconsulto sustentou que a anulação “pôs em causa o direito do sufrágio de milhares de cidadãos portugueses”. Apesar de admitir a irregularidade na contagem de votos, decorrente do facto de as mesas terem tomado diferentes decisões quanto à validação dos boletins, Jorge Miranda, quando questionado acerca da constitucionalidade da decisão, afirmou que “o direito ao voto” deveria “sempre prevalecer”.

O constitucionalista alertava, mesmo antes do acórdão do TC, que foram postos em causa direitos fundamentais dos cidadãos. Acima de tudo, para Jorge Miranda o mais grave “é este formato da organização do voto”.

Também o PAN, Volt, Livre e Chega consideraram que foram postos em causa os direitos fundamentais dos eleitores portugueses no estrangeiro, e por isso apresentaram no Tribunal Constitucional (TC) recursos contra a decisão de anulação, e que estiveram na base da decisão do TC para repetição do ato eleitoral.

O PAN, o quarto partido com mais votos, apresentou como argumento a inconstitucionalidade da exigência de uma cópia do Cartão de Cidadão do eleitor, por considerar querestringe de forma desnecessária e desproporcionada o direito fundamental dos cidadãos ao sufrágio, o próprio segredo do sufrágio, o direito à segurança e à preservação de dados pessoais”, lê-se numa nota enviada às redações. Este argumento foi refutado pelo TC no acórdão desta quarta-feira. A decisão foi mais ao encontro da posição do Volt na matéria.

A decisão agora tomada tem implicações sobre a tomada de posse da nova Assembleia da República eleita no dia 30. Com os dois mandatos do círculo da Europa em suspenso, até à votação determinada para o dia 27, não haverá novo Governo. Este processo, segundo as estimativas apontadas esta quarta-feira pela Imprensa, deve prolongar-se por um mês.

A Comissão Nacional de Eleições vai pronunciar-se sobre a decisão do TC esta noite, pelas 20h00.

Artigo editado por Filipa Silva