A tensão que tem vindo a crescer entre a Ucrânia e a Rússia permanece acesa desde novembro, quando surgiram as primeiras imagens por satélite que confirmaram a presença de tropas russas na fronteira com a Ucrânia. O JPN responde a algumas perguntas que ajudam a fazer um ponto de ponto de situação da crise que se vive no Leste da Europa.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, e Vladimir Putin, presidente da Rússia. Fotos: President.gov.ua/Kremlin.ru

O que é que motiva a tensão entre as duas nações?

Corria o ano de 2014 quando o agora ex-presidente ucraniano Viktor Yanukovych, pró-Rússia, rejeitou um acordo de associação com a União Europeia, privilegiando a relação com os vizinhos russos, algo que levaria a uma série de protestos nas ruas que conduziriam ao seu afastamento. Ainda nesse ano, a Rússia invadiu e anexou a península da Crimeia como resposta, iniciando conflitos no Leste entre o exército ucraniano e separatistas – como acontece na região de Donbass – a favor da Rússia, apoiados por Moscovo. Uma invasão que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), já roubou mais de 13 mil vidas, entre os quais mais de 3 mil civis. A Rússia sustentaria a invasão à Crimeia dizendo que esta era uma reivindicação histórica.

A mesma ideia é apresentada pelo presidente russo Vladimir Putin em relação ao país vizinho, Ucrânia. Putin é publicamente defensor de que a Ucrânia e a Rússia partilham “uma ligação histórica” e disse, ainda, que a queda da União Soviética foi a “desintegração da Rússia histórica”, defendendo que as duas nações são uma só.

A Rússia está, também, descontente com a expansão da NATO desde 1997, ano em que a organização começou a dar entrada a vários países a Leste (desde lá entraram para a organização a Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Roménia, Eslovénia, Croácia, Montenegro, Albânia, Macedónia do Norte e Bulgária).

Em abril do ano passado, o presidente ucraniano solicitou à NATO que fosse acelerado o processo de integração do país, por considerar que só assim se poderá por termo ao conflito no Leste do país. Juntar-se à organização, objetivo que se encontra explícito na constituição do país, significaria um imenso reforço na defesa nacional ucraniana, uma vez que o princípio de defesa coletiva, presente no art.5.º do tratado fundador da NATO, define claramente um ataque a um aliado como um ataque a todos os aliados.

A Rússia nem quer ouvir falar da possibilidade de ter novas bases militares americanas ou ocidentais perto das suas fronteiras.

Quais são as exigências da Rússia?

A grande exigência da Rússia é o impedimento da entrada da Ucrânia na NATO, cenário que constitui uma possibilidade desde que o país é membro aspirante da organização. “Para nós, é absolutamente obrigatório garantir que a Ucrânia nunca se torne membro da NATO”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo Sergei Lavrov.

Em dezembro, Joe Biden, presidente dos EUA, avisou a Rússia de “sanções económicas” caso invada a Ucrânia, ao que a Rússia respondeu, dez dias mais tarde, com exigências de segurança ao Oeste, que se traduzem no cessar da atividade militar ocidental na Ucrânia e na Europa de Leste. Foi já em janeiro que Biden garantiu apoio aos ucranianos e discutiu preparações para reuniões diplomáticas com o presidente da Ucrânia. Os EUA viriam a reunir com os russos, que reforçaram as exigências de segurança, exigências que os americanos dizem não poder aceitar.

O que diz a Rússia sobre o cenário de invasão?

A Rússia negou ter intenções de invadir o país vizinho e considerou ser assunto seu a presença de tropas na fronteira, visto que estas estão em território russo. Yuri Ushakov, alto funcionário da política externa da Rússia, afirmou no passado domingo que os avisos de invasão por parte dos EUA constituem uma “histeria”. Reforçando essa posição, o diretor dos serviços de inteligência estrangeiros Sergei Naryshkin disse que estão a ser espalhadas “perigosas mentiras” pelos EUA e outros países a Oeste.

A Rússia acusa ainda a NATO de fornecer armamento à Ucrânia. “O número de provocações está a crescer significativamente. E mais, estas provocações estão a ser feitos com armas fornecidas por países da NATO”, disse o Secretário de Imprensa russo Dmitry Peskov, já no passado mês de novembro.

A Rússia retirou esta terça-feira algumas tropas da fronteira, mas prosseguirá com exercícios militares. Tanto a Ucrânia como a NATO se mantêm relutantes.

O que diz a Ucrânia?

Segundo um comunicado do gabinete da presidência, citado pela agência Efe, o Presidente da Ucrânia Volodymyr Zelenski afirmou este domingo ao Presidente do Conselho Europeu Charles Michel que é “a favor de uma solução política e diplomática para o conflito”, mas que “entende todos os riscos” e “está preparado para qualquer cenário”, apesar de não ter provas que apontem para uma invasão russa nos próximos dias. No entanto, o presidente ucraniano apelou ao Oeste para não espalhar o “pânico”, que pode afetar a economia do país.

Uma guerra global constitui uma possibilidade?

Muitos especialistas dizem que será sempre evitada uma guerra aberta, mas não o garantem.

O presidente francês Emmanuel Macron teme que o custo de uma invasão seja “demasiado elevado”, mas, após reunir com Putin no dia 8 em Moscovo, afirmou que a Rússia não iria avançar com a invasão. No entanto, a Rússia afastou de imediato qualquer acordo feito com a França.

Vladimir Putin ameaçou tomar “medidas militares de retaliação apropriadas” caso o posicionamento confrontante do Oeste continue.

Qual é o envolvimento do resto da Europa?

A União Europeia tem mostrado apoio à Ucrânia, concedendo ao país um pacote de ajuda macrofinanceira no valor de 1.200 milhões de euros.

Um vasto número de países, incluindo Portugal, estão a apelar ao abandono dos seus cidadãos de território ucraniano. Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, afirmou que o país apoiará a NATO em qualquer caso de ataque. Olaf Sholz, chanceler alemão, tem reuniões agendadas com o presidente ucraniano em Kiev esta segunda-feira e com Putin esta terça, em Moscovo.

A Lituânia enviou mísseis antiaéreos para a Ucrânia como resposta ao reforço das forças armadas russas nas fronteiras, na Bielorrússia e no Mar Negro.

E dos EUA?

Os americanos colocaram 8.500 tropas em alerta elevado para uma eventual projeção para o Leste da Europa. Avança a CNN que podem ainda ser enviados contingentes para a Roménia, Bulgária e Hungria.

No passado sábado, o Presidente dos EUA, Joe Biden, falou por telefone com o presidente russo Vladimir Putin, chamada na qual, alegadamente, prometeu uma resposta caso a Rússia avance com algum ataque.

Os EUA revelaram ainda, no passado fim de semana, fotos de satélite que mostram reforços militares da Rússia nas fronteiras com a Ucrânia, que alegadamente se traduzem em cem mil soldados russos prontos a atacar a Ucrânia.

No entanto, tanto os EUA como alguns membros da NATO afirmaram que não enviariam tropas de combate para a Ucrânia, mas que mostrariam apoio ao país.

Quais são as armas da Rússia?

Em termos militares, olhando para os números, a Rússia tem quase cinco vezes mais ativos nas tropas do que a Ucrânia e o dobro das reservas. Tem também o triplo dos veículos armados e um número bem mais elevado de aviões, helicópteros e artilharia de ataque.

A Rússia tem ainda fortes e estratégicos aliados que podem vir a constituir uma ameaça maior à Ucrânia. Um deles é a Bielorrússia, que também faz fronteira a norte com o território ucraniano. Os russos também estão a fazer exercícios militares na fronteira no país, com alegadamente 30 000 tropas no local. Na Crimeia, que permite o acesso ao Mar Negro, a Rússia mantém cerca de 30 navios de guerra. Em Donetsk, a República Popular de Donetsk, controlada por forças rebeldes russas não reconhecidas pela ONU, controla atualmente quase oito quilómetros quadrados da área.

Uma das maiores armas russas são os ataques cibernéticos. Recentemente, setenta websites do governo ucraniano foram abaixo, com a Ucrânia a acusar a nação vizinha pelo ato, que afastou o seu envolvimento.

A Rússia mantém também um domínio económico determinante em certos setores, nomeadamente no negócio do óleo e do gás, da qual estão dependentes potências como a Alemanha, que se tem mantido neutra com o aquecer das tensões. A Rússia já ameaçou antes retirar as transferências de recursos naturais para a Europa, e pode fazê-lo de novo.

A potência mundial China também já mostrou apoio aos russos, legitimando as suas preocupações com a segurança perante o Ocidente.

O que é que aconteceria se a Rússia invadisse a Ucrânia?

Na Ucrânia, os impactos civis seriam devastadores, num país que vive uma das crises humanitárias menos reportadas.

Uma das maiores preocupações neste momento, tanto para a Rússia como para a Ucrânia, é uma eventual subida drástica dos preços do trigo e do milho, sendo a Rússia o maior exportador do mundo de trigo e a Ucrânia o quarto. O mercado já tem vindo a oscilar na última semana.

Para lá da Ucrânia, os países de Leste seriam os grandes afetados, e há a possibilidade da Rússia fazer frente aos estados bálticos. Especialistas temem ainda uma queda económica global e uma mudança na influência geopolítica que pode vir a prejudicar o Ocidente.

O oficial militar e general Mark Milley afirmou que uma invasão russa a território ucraniano iria ter repercussões horrendas.

Em que ponto está o conflito?

Depois de o presidente ucraniano na segunda-feira de que a invasão ocorreria hoje, quarta, algumas tropas russas abandonaram as fronteiras, regressando às suas bases militares e aliviando as previsões de invasão. No entanto, a retirada não baixou as guardas da Ucrânia, da NATO nem dos EUA.

O Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca Jake Sullivan afirmou que, embora não possam prever o dia, “uma grande ação militar pode começar por parte da Rússia na Ucrânia a qualquer dia” e que “isso inclui a semana que vem antes do fim dos Jogos Olímpicos”. Biden afirmou ainda que Washington não pode confirmar a retirada russa e que os analistas norte-americanos indicam que “eles permanecem numa posição ameaçadora”, apesar de haver ainda, segundo o presidente dos EUA, espaço para a diplomacia de modo a resolver a crise.

O secretário-geral da NATO Jens Stoltenberg também não confirma a retirada, pelo contrário: “O que estamos a ver é que eles aumentaram o número de tropas, e que mais tropas vêm a caminho”, disse a repórteres no início de reunião da NATO em Bruxelas.

A Rússia anunciou mais tarde a retirada de tropas estabelecidas na Crimeia, após término dos exercícios militares, lançando um vídeo para o comprovar depois do Secretário da Defesa do Reino Unido Ben Wallace afirmar não haver provas do sucedido. Os soldados presentes na Bielorrússia irão também abandonar o país quando concluídos os exercícios estabelecidos, segundo o ministro dos negócios estrangeiros da Bielorrússia, Vladimir Makei.

Não obstante, o presidente da Ucrânia apelou a um “dia de união” na Ucrânia, pedindo aos cidadãos ucranianos que saiam às ruas esta quarta-feira exibindo a bandeira nacional e os azuis e amarelos do país, de modo a mostrar a união nacional ao mundo, num dia que, segundo o presidente do Conselho da União Europeia, Charles Michel, “é uma escolha entre a guerra e sacrifícios trágicos, que seguiriam com essa guerra ou a coragem de uma negociação diplomática”.

Artigo editado por Filipa Silva