Um estudo da revista científica “British Medical Journal” concluiu que 18% dos recuperados de Covid-19 foram diagnosticados com um problema neuropsiquiátrico, 60% mais do que no grupo que não contraiu o vírus.

Estudo mostra que 18% dos recuperados de Covid-19 desenvolveram algum problema mental. Foto: Alberto Giuliani

De acordo com o estudo publicado esta quarta-feira (16) pelo “British Medical Journal” (BMJ), problemas de saúde mental como ansiedade e depressão são 60% mais prevalecentes entre quem esteve infetado com o vírus do que quem nunca o teve.

Enquanto que 18% dos recuperados desenvolveu um transtorno neuropsiquiátrico, 12% dos não infetados teve a mesma série de problemas. É o resultado da análise dos dados médicos de cerca de 154 mil pessoas da Administração de Saúde dos Veteranos nos Estados Unidos.

O autor do estudo, Ziyad Al-Aly, assinala que “embora todos tenhamos sofrido durante a pandemia, as pessoas que sofreram de Covid-19 estão muito pior mentalmente”. Avança ainda que podem ter surgido mais de 14,8 milhões novos casos de problemas a nível da saúde mental no mundo todo como resultado de infeção pelo vírus.

Al-Aly teme que, se não se agir, pode-se estar perante “uma crise de saúde mental muito maior”.

Um vírus que não vai embora

De acordo com o estudo, os distúrbios mentais podem aparecer semanas ou até meses depois da infeção ser detetada. Os números reunidos pela Universidade de Washington, em St. Louis, nos Estados Unidos, “sugerem uma relação específica entre o SARS-Cov-2 e os transtornos mentais”. Apesar dessa relação, a grande maioria dos infetados não chegou a desenvolver problemas de saúde mental, o que se verificou em cerca de 5% dos casos.

É na chamada névoa cerebral que se concentra a maior variação, com os recuperados a terem 80% mais probabilidade de sofrer com esse transtorno. Esquecimento, confusão e falta de concentração são os sintomas mais comuns verificados. Ao mesmo tempo, registam-se aumentos significativos noutros transtornos e distúrbios do foro neuropsiquiátrico.

A probabilidade de quem teve Covid-19 desenvolver transtornos de ansiedade aumenta em 35%. Ao mesmo tempo há 39% mais chances de sofrer de depressão, mais 41% de distúrbios do sono e 46% de pensamentos suicidas. Transtornos relacionados com o uso de opióides e de substâncias registam uma diferença mais pequena, com aumentos de 34 e 20%, respetivamente.

É ainda sugerido pelo estudo um aumento na ordem dos 55% e dos 65% no uso de antidepressivos e de benzodiazepinas (medicação para a ansiedade), respetivamente. Estes números baseiam-se numa comparação com outras 11 milhões de pessoas. Metade dos casos sem a doença abrangeu os anos de 2018 e 2019 e o resto foi já analisado e estudado em período pandémico, de março de 2020 a janeiro de 2021.

Quem contraiu Covid-19 apresenta maiores probabilidades de desenvolver um problema mental. Foto: Brett Sayles/Pexels

Embora as razões para estes números não constituam ainda uma certeza absoluta para a ciência, uma outra pesquisa, publicada no “The Journal of the American Medical Association”, aponta que quem teve Covid-19 pode sofrer com inflamação ou pequenos coágulos de sangue no cérebro. Há uma possibilidade real do vírus “penetrar no cérebro e atrapalhar vias celulares e neuronais, o que causa transtornos de saúde mental”, considera o investigador responsável pelo estudo do BMJ.

Um problema que se acentua em diversas dimensões

Outra conclusão do estudo é de que quem recuperou da Covid-19 desenvolveu algum tipo de transtorno mental dentro dos seis primeiros meses após a infeção a um nível mais elevado do que quem contraiu gripe sazonal (influenza). Entre os próprios recuperados, aqueles que tiveram de ser hospitalizados apresentam também maiores riscos do que os restantes. Apesar disso, quer hospitalizados quer casos menos graves são alvo de números agravados de problemas de saúde mental.

A diferença é menos significativa do que nas conclusões antes apresentadas, mas, mesmo assim, entre os infetados com SARS-Cov-2, a probabilidade de ficarem com problemas de saúde mental aumenta em 27% quando comparada com a dos infetados com influenza que não estiveram internados. Os aumentos mais expressivos registam-se no stress e em transtornos de adaptação (51%) e também no risco de ansiedade (44%) e no recurso a antidepressivos (42%).

Se comparado com os engripados que acabaram no hospital, a probabilidade aumenta em 45%. Este número atinge um máximo no que toca ao uso de medicação para a depressão, de 56%. As comparações foram efetuadas com um grupo de 72 mil pessoas com gripe sazonal. 60 mil destas não tiveram de ser hospitalizadas.

Já dentro dos doentes com o coronavírus, aqueles que não foram hospitalizados têm 50% mais probabilidade de desenvolver um transtorno mental do que não infetados. Os números atingem proporções especialmente consideráveis no que toca aos internados, entre os quais o risco aumenta em mais de três vezes.

O que já se sabia?

Este estudo do “British Medical Journal” não é o primeiro a tentar perceber a relação entre a Covid-19 e a saúde mental de quem dela recupera. Um outro, realizado pela Universidade de Oxford e divulgado em abril do ano passado, concluiu que um em cada três recuperados (34%) acabou por ganhar um problema neurológico ou psiquiátrico até seis meses após a infeção. 13% desenvolveu-o pela primeira vez na sua vida.

Vai ainda de encontro ao estudo mais recente ao mostrar que o risco de doença mental aumenta em 44% quando comparado com o registado entre doentes com gripe. O mesmo relatório compara ainda recuperados com outros doentes respiratórios, registando-se uma probabilidade superior em 16%. Esses números dizem respeito a mais de 230 mil doentes de uma rede global de pesquisa na saúde, TriNetX, sediada nos Estados Unidos.

No estudo é assinalado que “o efeito entre toda a população pode ser substancial para os sistemas de saúde e de cuidados sociais devido à escala da pandemia e que muitas destas condições são crónicas”. Anteriormente, a Universidade de Oxford tinha desenvolvido um outro estudo que revelou que quase uma em cada cinco pessoas foi diagnosticada com um problema psiquiátrico até três meses após a infeção.

Em Portugal, a Fundação La Caixa fez um inquérito online em fevereiro de 2021, que descobriu que cerca de 42% de quem recuperou da infeção acabou por sofrer com algum sintoma de stress pós-traumático. Quase 60% (59,2%) registou níveis de ansiedade perto do clinicamente significativo. Ao contrário dos outros estudos, segundo este, a pandemia afetou de modo semelhante infetados e não-infetados.

O estudo do “British Medical Journal” conclui que é fundamental “promover a consciencialização do risco acrescido de transtornos de saúde mental entre sobreviventes de Covid-19 aguda”. Apela ainda a uma aposta mais forte em saúde mental e à criação de estratégias nacionais e internacionais. Mesmo assim, para o médico Paul Harrison, da Universidade de Oxford, em declarações ao “The New York Times”, não se está ainda perante nenhuma “epidemia de ansiedade e depressão”.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha