Campanha do Centro Hospitalar Universitário do Porto quer fazer subir o número de dádivas, que têm sido em número insuficiente para satisfazer as necessidades do hospital. O JPN foi acompanhar o percurso de uma doação.

O processo de recolha de sangue demora cerca de dez minutos. Foto: Margarida Guerreiro

Com os números a “atingir linhas vermelhas”, os responsáveis pela unidade de Imuno-Hemoterapia e Transfusão no Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) apelam à dádiva de sangue para ajudar a “salvar vidas”, diz a equipa. A campanha de sensibilização, que se iniciou em setembro, decorre no Hospital de Santo António sem data de término.

O percurso é fácil e não demora. Chegado ao CHUP, o dador deve dirigir-se ao “edifício redondo escondido ao fundo, à esquerda” (ou CICA – Centro Integrado de Cirurgia Ambulatória), como indica o segurança. Depois de subir ao terceiro andar e apresentar os dados de inscrição para fazer a dádiva, segue-se o preenchimento de um formulário que vai dar ao hospital todas as informações necessárias sobre os antecedentes médicos do dador.

Terminada esta etapa, o questionário é analisado por um médico, que vai determinar se a dádiva pode prosseguir, com base nas respostas e testes feitos ao dador. Marika Bini Antunes, assistente hospitalar responsável pela unidade de Imuno-Hemoterapia e Transfusão no CHUP, mostrou ao JPN o percurso feito pelo sangue, desde que o momento em que é doado, até ao momento em que é recebido.

Terminado o procedimento necessário para garantir que a dádiva pode acontecer, o dador é encaminhado para uma sala equipada com seis cadeirões que, devido à baixa afluência, raramente são utilizados em simultâneo para a recolha de sangue. Em dez minutos, são recolhidos 470ml de sangue no total, que é posteriormente arrefecido e centrifugado para fazer a separação dos eritrócitos, das plaquetas e do plasma – “ou seja, a partir de uma unidade de um dador conseguimos obter três componentes que normalmente são utilizados em doentes diferentes”, esclareceu Marika Antunes ao JPN. Finalmente, os componentes são armazenados e administrados consoante a necessidade dos pacientes.

No entanto, ainda que uma única unidade de sangue total se transforme na possibilidade de ajudar três pessoas diferentes, os médicos do CHUP mostram-se preocupados com o declínio das reservas, que está a acontecer não só a nível nacional, mas também a nível europeu, segundo conta ao JPN o assistente hospitalar da unidade de Imuno-Hemoterapia e Transfusão, Marco Sampaio: “nos últimos anos tem havido um decréscimo de cerca de dez por cento ao ano no número de dádivas regulares, que se verifica porque os dadores mais antigos vão saindo por limite de idade e essa saída não é compensada com a entrada de novos dadores, de dadores mais jovens”.

As reservas de sangue têm vindo a descer a nível nacional e europeu. Foto: Margarida Guerreiro

Em 2021, o número de dadores regulares não chegou aos seis mil. “Precisávamos de incrementar as dádivas de sangue total anuais em, pelo menos, dez ou 15 por cento para sermos autossuficientes”, explica Marika Antunes ao JPN. Nesse ano, o CHUP viu-se obrigado a recorrer à ajuda do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) para responder às suas necessidades básicas, adquirindo cerca de 1.200 unidades de sangue total.

Em média, este ano, têm sido feitas cerca de 30 dádivas por dia – número insuficiente para satisfazer as necessidades do hospital. Ainda que não tenha havido cirurgias canceladas por causa do défice de sangue nas reservas, o pedido de ajuda representou um custo extra para o Centro Hospitalar e preocupa os médicos. “Acaba por acontecer que os próprios terceiros também estão com falta e estão regularmente em campanhas para tentar colmatar essas dificuldades. A reserva nacional deve ser para 14 dias e nós estávamos com uma reserva para sete ou oito dias. Estávamos a atingir linhas vermelhas”, confessou Marco Sampaio ao JPN.

A responsável pela unidade de Imuno-Hemoterapia e Transfusão sublinha que neste momento é importante fidelizar doadores para impulsionar o aumento de dádivas regulares. Foi face a esta preocupação que, em setembro, a unidade decidiu avançar com uma campanha de sensibilização. A ideia era tirar partido das instalações provisórias da área de colheita, que se encontra no edifício de cirurgia ambulatória desde julho, devido a obras de reabilitação. Os acompanhantes dos pacientes desta ala seriam incentivados a doar sangue durante o período de espera.

Até ao momento, a campanha tem dado frutos, mas os resultados ainda não são ideais. O número de doadores no contexto da espera aumentou, mas segundo o assistente hospitalar Marco Sampaio, “não compensa”. O volume de doações “ainda não chega para o número de dádivas que temos vindo a perder. Se não tivéssemos tido esta campanha, teríamos números muito mais baixos”.

Tubos

O CHUP precisa de um aumento de 10 a 15 por cento no número de dádivas para se tornar autossuficiente. Foto: Margarida Guerreiro

Marika Antunes atribui a culpa, em parte, à pandemia, que “teve um papel desfavorável para promover a vinda de acompanhantes, que só apareciam em situações especiais em que o utente não seria autónomo depois da consulta ou cirurgia”. Acrescenta que, para além de influenciar os possíveis resultados da iniciativa, a Covid-19 também contribuiu para o decréscimo de dádivas no geral, uma vez que “neste contexto de pandemia, as pessoas sentiram algum receio de vir a unidades hospitalares por risco de contágio”.

Perante esta realidade, os dois médicos assumem que é necessário sensibilizar as camadas mais jovens para mudar o panorama atual de escassez das reservas de sangue. “Muitas vezes encontramos grupos de amigos, porque um já é dador e puxa os restantes. Se calhar tem que se começar a apostar neste tipo de movimentos”, ponderou Marco Sampaio. O assistente contou ainda ao JPN que, atualmente, “o que se verifica é que isto é quase uma tradição familiar: os avós davam, os pais dão e os filhos começam a dar. Quem não tem contacto com isto, acaba por não se lembrar”.

Rosa Fonseca, utente de 60 anos, é um destes casos de “tradição familiar” – incentivada pelo marido, foi doar sangue pela primeira vez há doze anos. Desde então, não ficou indiferente a esta missão: “venho sempre dar sangue de quatro em quatro meses, exceto se tiver feito alguma cirurgia ou alguma coisa que me impeça. O meu sangue é O- [negativo], que faz muita falta, então comecei a dar para ajudar”.

Até ao momento, a campanha tem dado frutos, mas os resultados ainda não são ideais, diz a equipa do hospital. Foto: Margarida Guerreiro

As infraestruturas provisórias não permitem um grande aparato no que toca à divulgação da campanha, mas as redes sociais e os media têm sido uma ajuda para passar a palavra. Alice Viana Graça, de 22 anos, estuda na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) e foi doar sangue pela primeira vez porque o apelo às dádivas “está em todo o lado” e, estando saudável, “é o mínimo” que pode fazer por aqueles que precisam de ajuda.

Marika Antunes e Marco Sampaio sublinham a “simplicidade” do processo de recolha de sangue e convidam qualquer pessoa entre os 18 e os 65 anos a inscrever-se para fazer a doação. A unidade de recolha está albergada no 3.º andar do Centro Integrado de Cirurgia Ambulatória, na Rua de Dom Manuel II, e recebe doadores das 8h30 às 18h30 de segunda a sexta-feira e das 8h30 às 12h30 ao sábado. As condições para fazer a dádiva podem ser encontradas na plataforma do hospital, numa área dedicada ao dador.

O apelo feito pelos dois médicos é simples: “venham doar sangue, porque dez minutos podem mudar três vidas”.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha